Pular para o conteúdo principal

Lei 12.694/12 e o conceito de organização criminosa



Caros Amigos,

Ontem falamos do art. 1º da Lei 12.694/12, que criou um colegiado de juízes de primeira instância para pratica de qualquer ato processual em processo que envolva organização criminosa, a qual restou conceituada, “para os efeitos desta Lei”, no art. 2º, abaixo citado:

Art. 2o  Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.  

Trata-se, por certo, de conceito instrumental, isto é, aplicável apenas aos fins desta norma, ou seja, o disposto na Convenção de Palermo continua complementando a Lei 9.034/95, que versa “sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”.

Feitas estas observações, passo a comentar o art. 2º da Lei 12.694/12, traçando um paralelo deste com a Convenção de Palermo.


Convenção de Palermo
Lei 12.694/12

Artigo 2

Terminologia

Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:

a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;

c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada;
(...)


Art. 2o  Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.  



No aspecto numérico, o referido dispositivo adotou o mesmo parâmetro trazido pela Convenção de Palermo, que exige, para fins de caracterização de organização criminosa, a união de 3 ou mais pessoas, diferentemente de quadrilha (mínimo de 4 pessoas) ou de associação (mínimo de 2 pessoas – art. 35 da Lei 11.343/06).

No seu aspecto orgânico, é necessária uma estrutura “ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas”, ainda que informalmente. A redação é semelhante à trazida pela Convenção de Palermo, que diz ser grupo estruturado aquele “formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada”.

No seu aspecto finalístico, a Lei 12.694/12 exigiu que a organização criminosa tivesse como objetivo “obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza”, o que foi além da Convenção de Palermo, que fala em benefício econômico ou material, excluindo a vantagem extrapatrimonial e a satisfação pessoal, por exemplo.

Por sua vez, o objeto da organização criminosa, segundo o art. 2.º, é a “prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”. Diferencia-se, portanto, da Convenção de Palermo, para a qual a exigência da prática de infração grave (não inferior a quatro anos ou com pena superior) não pode ser substituída pela prática de delito de caráter transnacional.
  
Conclui-se, em síntese, que o conceito de organização criminosa trazido pela Lei 12.694/12 é semelhante ao veiculado pela Convenção de Palermo, mas não o substitui. Afinal, o disposto no art. 2º aplica-se apenas àquela Lei, mantendo-se a vigência da Convenção de Palermo para fins os demais casos presentes no ordenamento, sobretudo para os fins da Lei 9.034/95.

Deve-se salientar que o ordenamento jurídico nacional permanece sem o tipo penal de organização criminosa, o que, contudo, é assunto para outro post.

Até amanhã!! 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Intimação: advogado constituído x nomeado

  Caros Amigos, Hoje vamos falar de tópico de processo penal que se encaixa perfeitamente em uma questão de concurso: a intimação do defensor dos atos processuais. Pois bem. Dispõe o art. 370, § 1.º, do Código de Processo Penal que " a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado ". Contudo, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que " a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal ". Assim, para o defensor constituído, a intimação pode se dar pela publicação de nota de expediente, o que inocorre com o nomeado (público ou dativo), que deve ser intimado pessoalmente. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do STJ: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE DO JULGAMENTO DO APELO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES NOMEA

Crimes Ambientais - Interrogatório da Pessoa Jurídica

Caros Amigos, Os crimes contra o meio ambiente são uma matéria de relevante impacto social, a qual, contudo, ainda não recebe a devida atenção pelos estudiosos do Direito. Como o Blog foi feito para oferecer soluções, teremos neste espaço, periodicamente, discussões sobre este tema. Hoje, o tópico é interrogatório da pessoa jurídica. Sei que muitos jamais refletiram sobre a questão. Entretanto, é algo que ocorre com alguma frequência, já que, diante dos artigos 225, § 3.º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/98, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Sendo tal responsabilização constitucional e legalmente prevista, é imprescindível que seja oferecido ao acusado a possibilidade de oferecer a sua versão dos fatos, o que ocorre através do interrogatório. Nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98, para que haja a condenação de ente fictício, é preciso que “ a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,

Causa de aumento e conhecimento de ofício

Caros Amigos, O magistrado pode reconhecer, de ofício, a existência de causa de aumento de pena não mencionada  na denúncia? A literalidade do art. 385 do Código de Processo Penal nos indica que não. Afinal, segundo ele, apenas as agravantes podem ser reconhecidas de ofício. Vejam o seu teor: Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Recentemente, o informativo 510 do Superior Tribunal de Justiça indicou que esta seria mesmo a orientação correta. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. VIOLAÇÃO DO CONTRADI