Pular para o conteúdo principal

Revisão criminal e transação penal


Caros Amigos,

Pergunto: é possível propor revisão criminal contra sentença homologatória de transação penal, diante da descoberta de provas que possam redundar na inocência do autor do fato?

Pois bem.

O art. 621 do Código de Processo Penal elenca as hipóteses de revisão criminal:

Art. 621.  A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Percebe-se, do teor de tais dispositivos, que a revisão criminal é uma ação que apenas pode ser proposta pelo acusado (não há revisão criminal pro societate), de sorte a afastar ou reduzir os efeitos de uma condenação penal injusta.

Em virtude disto, o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1107723/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 25/04/2011) entendeu ser impossível o ajuizamento de revisão criminal no caso acima exposto, justamente por inexistir uma sentença condenatória, que tenha apreciado o caso concreto.

Veja-se que na decisão homologatória da transação penal, o magistrado não analisa a conduta do autor do fato, limitando-se a apreciar se o tipo em tese discutido é passível de transação penal, isto é, se é de menor potencial ofensivo, de sorte a evitar o surgimento de uma ação penal.

O fato de não constar menção à sentença penal condenatória no inciso III do art. 621 não prejudica o raciocínio acima. Afinal, o art. 625, § 1.º, do CPP dispõe que a revisão criminal deve ser instruída com a prova da existência de sentença condenatória transitada em julgado, o que mantém sua lógica em qualquer dos incisos, pelo fato da revisão criminal pressupor uma análise injusta de provas, o que não ocorre na transação penal.

Observe-se o teor da decisão:

Nos termos do art. 625, § 1.º, do Código de Processo Penal, o requerimento para a revisão criminal deve ser instruído com a certidão de trânsito julgado de sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos. Depreende-se, portanto, que o pressuposto fundamental é que exista uma sentença condenatória transitada em julgado, isto é, uma decisão que tenha analisado a conduta do réu, encontrando presente as provas de autoria e materialidade.
Como bem explica Nucci, "o trânsito em julgado de sentença condenatória é requisito indispensável e fundamental para o ajuizamento de revisão criminal. Pendendo qualquer recurso contra a decisão condenatória, não cabe a admissão de revisão. Esse é o único sentido lógico que se deve dar à expressão 'processo findo', não sendo possível considerar a decisão que julga extinto o processo, sem julgamento de mérito" (in Código de Processo Penal Comentado, 8.ª ed, São Paulo, RT, p. 988).
Dessa forma, não se observa o cabimento da revisão criminal na sentença que homologa a transação penal (art. 76 da Lei n.º 9.099⁄95), já que não existiu condenação ou sequer houve análise de prova. Na verdade, ao se aplicar o instituto da transação penal, não se discute fato típico, ilicitude, culpabilidade ou punibilidade, mas se possibilita ao autor do fato uma aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa para que não exista o prosseguimento da ação penal pública incondicionada, sendo o acordo devidamente homologado pelo Poder Judiciário e impugnável por meio do recurso de apelação. Saliente-se que a aceitação da proposta pelo autor do fato não enseja a reincidência, existindo o registro tão somente para impedir a incidência da benesse pelo período de cinco anos, bem como não possui efeitos civis.
Cabe ressalvar que existe uma discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica da sentença prevista no art. 76 da Lei n.º 9.099⁄95, que não influencia a solução da controvérsia em análise, já que independentemente de ser homologatória, declaratória, constitutiva ou condenatória imprópria, a sentença em questão não examina conteúdo fático ou probatório, mas apenas homologa uma proposta realizada pelo Parquet e aceita pelo autor do fato, não podendo ser desconstituída por revisão criminal em que se argumenta a existência de novas provas.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor do acórdão em www.stj.jus.br.

Fica a dica!!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Intimação: advogado constituído x nomeado

  Caros Amigos, Hoje vamos falar de tópico de processo penal que se encaixa perfeitamente em uma questão de concurso: a intimação do defensor dos atos processuais. Pois bem. Dispõe o art. 370, § 1.º, do Código de Processo Penal que " a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado ". Contudo, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que " a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal ". Assim, para o defensor constituído, a intimação pode se dar pela publicação de nota de expediente, o que inocorre com o nomeado (público ou dativo), que deve ser intimado pessoalmente. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do STJ: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE DO JULGAMENTO DO APELO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES NOMEA

Crimes Ambientais - Interrogatório da Pessoa Jurídica

Caros Amigos, Os crimes contra o meio ambiente são uma matéria de relevante impacto social, a qual, contudo, ainda não recebe a devida atenção pelos estudiosos do Direito. Como o Blog foi feito para oferecer soluções, teremos neste espaço, periodicamente, discussões sobre este tema. Hoje, o tópico é interrogatório da pessoa jurídica. Sei que muitos jamais refletiram sobre a questão. Entretanto, é algo que ocorre com alguma frequência, já que, diante dos artigos 225, § 3.º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/98, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Sendo tal responsabilização constitucional e legalmente prevista, é imprescindível que seja oferecido ao acusado a possibilidade de oferecer a sua versão dos fatos, o que ocorre através do interrogatório. Nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98, para que haja a condenação de ente fictício, é preciso que “ a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,

Causa de aumento e conhecimento de ofício

Caros Amigos, O magistrado pode reconhecer, de ofício, a existência de causa de aumento de pena não mencionada  na denúncia? A literalidade do art. 385 do Código de Processo Penal nos indica que não. Afinal, segundo ele, apenas as agravantes podem ser reconhecidas de ofício. Vejam o seu teor: Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Recentemente, o informativo 510 do Superior Tribunal de Justiça indicou que esta seria mesmo a orientação correta. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. VIOLAÇÃO DO CONTRADI