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Novas Súmulas Vinculantes II



Caros Amigos,

Hoje falaremos sobre a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) n.º 86, que foi aprovada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no dia 16 do corrente mês. A referida se converterá na Súmula Vinculante n.º 36 após a publicação da decisão e terá o seguinte teor, segundo o site do STF:

“Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Arrais-Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil”.

A questão era polêmica, porquanto havia quem sustentasse que, por serem tais documentos expedidos pela Marinha do Brasil, haveria aí um crime militar.

Prevaleceu, contudo, uma postura que restringe a competência da Justiça Militar para julgar civis. Segundo os que defendem este entendimento, a aplicação do art. 9º do CPM deve ser limitada a casos nos quais realmente haja ofensa à função castrense (art. 142 da CF), o que não ocorre no caso em tela, no qual a Marinha está, em verdade, apenas exercendo patrulhamento naval, função não-exclusivamente militar.

Neste sentido:

“HABEAS CORPUS” – CRIME MILITAR EM SENTIDO IMPRÓPRIO – FALSIFICAÇÃO/USO DE CADERNETA DE INSCRIÇÃO E REGISTRO (CIR), EMITIDA PELA MARINHA DO BRASIL – LICENÇA DE NATUREZA CIVIL – CARÁTER ANÔMALO DA JURISDIÇÃO PENAL MILITAR SOBRE CIVIS EM TEMPO DE PAZ – OFENSA AO POSTULADO DO JUIZ NATURAL – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR – PEDIDO CONHECIDO EM PARTE, E, NESSA PARTE, DEFERIDO. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO E A NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PELOS ÓRGÃOS JUDICIÁRIOS CASTRENSES, DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO JUIZ NATURAL. - A competência penal da Justiça Militar da União não se limita, apenas, aos integrantes das Forças Armadas, nem se define, por isso mesmo, “ratione personae”. É aferível, objetivamente, a partir da subsunção do comportamento do agente – de qualquer agente, mesmo o civil, ainda que em tempo de paz – ao preceito primário incriminador consubstanciado nos tipos penais definidos em lei (o Código Penal Militar). - O foro especial da Justiça Militar da União não existe para os crimes dos militares, mas, sim, para os delitos militares, “tout court”. E o crime militar, comissível por agente militar ou, até mesmo, por civil, só existe quando o autor procede e atua nas circunstâncias taxativamente referidas pelo art. 9º do Código Penal Militar, que prevê a possibilidade jurídica de configuração de delito castrense eventualmente praticado por civil, mesmo em tempo de paz. A REGULAÇÃO DO TEMA PERTINENTE À JUSTIÇA MILITAR NO PLANO DO DIREITO COMPARADO. - Tendência que se registra, modernamente, em sistemas normativos estrangeiros, no sentido da extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz ou, então, da exclusão de civis da jurisdição penal militar: Portugal (Constituição de 1976, art. 213, Quarta Revisão Constitucional de 1997), Argentina (Ley Federal nº 26.394/2008), Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), Paraguai (Constituição de 1992, art. 174), México (Constituição de 1917, art. 13) e Uruguai (Constituição de 1967, art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 e 28), v.g.. - Uma relevante sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Caso Palamara Iribarne vs. Chile”, de 2005): determinação para que a República do Chile, adequando a sua legislação interna aos padrões internacionais sobre jurisdição penal militar, adote medidas com o objetivo de impedir, quaisquer que sejam as circunstâncias, que “um civil seja submetido à jurisdição dos tribunais penais militares (…)” (item nº 269, n. 14, da parte dispositiva, “Puntos Resolutivos”). - O caso “ex parte Milligan” (1866): importante “landmark ruling” da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL, ASSEGURADA A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO QUANDO INSTAURADA PERANTE A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. - É irrecusável, em nosso sistema de direito constitucional positivo – considerado o princípio do juiz natural –, que ninguém poderá ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judiciária competente. Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas – que representam limitações expressivas aos poderes do Estado –, consagrou, de modo explícito, o postulado fundamental do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
(HC 110237, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 19/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-041 DIVULG 01-03-2013 PUBLIC 04-03-2013)

Habeas corpus. 2. Competência. 3. Falsificação de carteira de habilitação de arrais-amador. Crime militar não evidenciado. 4. Competência da Justiça Federal. Precedentes. 5. Ordem Concedida.
(HC 110274, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 13/03/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-061 DIVULG 23-03-2012 PUBLIC 26-03-2012 RSJADV mai., 2012, p. 35-38 RT v. 101, n. 921, 2012, p. 664-669)

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. FALSIFICAÇÃO DE CARTEIRA DE IDENTIFICAÇÃO E REGISTRO (CIR). CRIME MILITAR NÃO CARACTERIZADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. O delito militar praticado por civil, em tempo de paz, tem caráter excepcional. A Justiça Militar somente terá competência para julgar condutas de civis quando ofenderem os bens jurídicos tipicamente associados à função castrense, tais como a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. 2. Compete à Justiça Federal analisar e decidir as ações penais contra civil denunciado pelo crime de falsificação de Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou Habilitação de Arrais-Amador, ambas expedidas pela Marinha do Brasil. Precedentes. 3. Ordem concedida.
(HC 104619, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 08/02/2011, DJe-047 DIVULG 11-03-2011 PUBLIC 14-03-2011 EMENT VOL-02480-01 PP-00228)

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR. CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO OU USO DE DOCUMENTO FALSO (ARTS. 311 E 315 DO CPM). CADERNETA DE INSCRIÇÃO E REGISTRO (CIR) OU HABILITAÇÃO DE ARRAIS-AMADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ORDEM CONCEDIDA. I - Em diversas oportunidades, esta Suprema Corte afirmou o entendimento de que é da Justiça Federal a competência para processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação de documento ou uso de documento falso (arts. 311 e 315, respectivamente, do CPM), quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou Habilitação de Arrais-Amador, ambas expedidas pela Marinha do Brasil, por aplicação dos arts. 21, XXII, 109, IV, e 144, § 1º, III, todos da Constituição da República. II - Habeas corpus concedido para a anular o acórdão ora atacado e declarar a incompetência da Justiça Militar para processar e julgar o feito.
(HC 104837, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 28/09/2010, DJe-200 DIVULG 21-10-2010 PUBLIC 22-10-2010 EMENT VOL-02420-04 PP-00723)

Com a publicação da nova súmula vinculante, o debate estará encerrado na forma do art. 103-A da Constituição Federal, ao menos no que tange aos documentos expressamente mencionados no verbete.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos julgados, bem como dos debates que culminaram na aprovação da súmula vinculante, assim que publicados.

Sobre o tema Justiça Militar e competência, sugere-se a leitura dos posts dos dias 12 de fevereiro de 2013, 21 de abril de 2014 e 14 de maio de 2014, para uma análise histórica de como a questão vem sendo tratada pelo Supremo Tribunal Federal.

Fiquem conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa. 

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