Caros
Amigos,
Hoje,
vamos falar sobre a competência da Justiça Militar e a possibilidade desta
julgar civis.
No que
toca à Justiça Militar dos Estados (JME), inexiste polêmica, posto que a
Constituição disse competir às JME “processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em
lei” (art. 125, § 4.º).
Contudo,
à Justiça Militar da União (JMU) compete “processar e julgar os crimes
militares definidos em lei”, conforme o art. 124 da Constituição, o que abre
espaço para a polêmica. Logo, ao contrário da JME, a JMU não ficou impedida,
pela Constituição Federal, de julgar civis. Afinal, crimes militares federais
são aqueles definidos em lei e o art. 9º do Código Penal Militar permite
expressamente que civis sejam enquadrados nas suas disposições:
I - os crimes de que trata este Código, quando
definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer
que seja o agente, salvo disposição especial;
(...)
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou
reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como
tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes
casos:
(...)
A
jurisprudência, por certo, vem impondo limites à competência da JMU para julgar
civis, consoante se dessume dos seguintes precedentes:
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR. CRIME DE
FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 312 DO CPM). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DELITO
QUE NÃO AFETOU A INTEGRIDADE, A DIGNIDADE, O FUNCIONAMENTO E A RESPEITABILIDADE
DAS INSTITUIÇÕES MILITARES. ORDEM CONCEDIDA. PRECEDENTES. I – No caso sob
exame, o paciente, buscando ocultar sua verdadeira identidade, haja vista ser
foragido da Justiça, logrou obter uma cédula de identidade ideologicamente
falsa. Visando ao aperfeiçoamento do delito praticado, falsificou outros
documentos, entre os quais o Certificado de Alistamento Militar – CAM. II – Os
delitos cometidos são de competência da Justiça Federal comum, uma vez que não
afetaram, ainda que de forma potencial, a integridade, a dignidade, o
funcionamento e a respeitabilidade das instituições militares, de modo a atrair
a incidência do art. 9º, III, a, do Código Penal Militar. Precedentes. III –
Ordem concedida para declarar nula a ação penal movida contra o paciente na
Justiça Militar da União (Ação Penal 0000055-31.2010.07.02.0202 da 2ª Auditoria
da 2ª Circunscrição Judiciária Militar) a partir do recebimento da denúncia.
(HC 118047, Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-229
DIVULG 20-11-2013 PUBLIC 21-11-2013)
Habeas corpus. 2. Crime de ingresso clandestino (art.
302 do CPM). Delito praticado por civis. 3. Competência para processo e
julgamento. 4. A conduta de ingressar em território das Forças Armadas afronta
diretamente a integridade e o funcionamento das instituições militares.
Subsunção do comportamento dos agentes ao preceito primário incriminador
consubstanciado no art. 9º, inciso III, “a”, do CPM. Submissão à jurisdição
especializada. 5. Reconhecida a competência da Justiça Militar da União para
processar e julgar o crime de ingresso clandestino em quartel militar praticado
por civis. Ordem denegada.
(HC 116124, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Segunda Turma, julgado em 13/08/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG
30-08-2013 PUBLIC 02-09-2013)
“HABEAS CORPUS” – CRIME MILITAR EM SENTIDO IMPRÓPRIO –
FALSIFICAÇÃO/USO DE CADERNETA DE INSCRIÇÃO E REGISTRO (CIR), EMITIDA PELA
MARINHA DO BRASIL – LICENÇA DE NATUREZA CIVIL – CARÁTER ANÔMALO DA JURISDIÇÃO
PENAL MILITAR SOBRE CIVIS EM TEMPO DE PAZ – OFENSA AO POSTULADO DO JUIZ NATURAL
– INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR – PEDIDO CONHECIDO EM PARTE, E, NESSA PARTE,
DEFERIDO. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO E A
NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PELOS ÓRGÃOS JUDICIÁRIOS CASTRENSES, DO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DO JUIZ NATURAL. - A competência penal da Justiça Militar da
União não se limita, apenas, aos integrantes das Forças Armadas, nem se define,
por isso mesmo, “ratione personae”. É aferível, objetivamente, a partir da
subsunção do comportamento do agente – de qualquer agente, mesmo o civil, ainda
que em tempo de paz – ao preceito primário incriminador consubstanciado nos
tipos penais definidos em lei (o Código Penal Militar). - O foro especial da
Justiça Militar da União não existe para os crimes dos militares, mas, sim,
para os delitos militares, “tout court”. E o crime militar, comissível por
agente militar ou, até mesmo, por civil, só existe quando o autor procede e
atua nas circunstâncias taxativamente referidas pelo art. 9º do Código Penal
Militar, que prevê a possibilidade jurídica de configuração de delito castrense
eventualmente praticado por civil, mesmo em tempo de paz. A REGULAÇÃO DO TEMA
PERTINENTE À JUSTIÇA MILITAR NO PLANO DO DIREITO COMPARADO. - Tendência que se
registra, modernamente, em sistemas normativos estrangeiros, no sentido da
extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz ou, então, da
exclusão de civis da jurisdição penal militar: Portugal (Constituição de 1976,
art. 213, Quarta Revisão Constitucional de 1997), Argentina (Ley Federal nº
26.394/2008), Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), Paraguai (Constituição
de 1992, art. 174), México (Constituição de 1917, art. 13) e Uruguai
(Constituição de 1967, art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 e 28), v.g.. -
Uma relevante sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Caso
Palamara Iribarne vs. Chile”, de 2005): determinação para que a República do
Chile, adequando a sua legislação interna aos padrões internacionais sobre
jurisdição penal militar, adote medidas com o objetivo de impedir, quaisquer
que sejam as circunstâncias, que “um civil seja submetido à jurisdição dos
tribunais penais militares (…)” (item nº 269, n. 14, da parte dispositiva,
“Puntos Resolutivos”). - O caso “ex parte Milligan” (1866): importante
“landmark ruling” da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. O POSTULADO
DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL, ASSEGURADA A
QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO QUANDO INSTAURADA PERANTE A
JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. - É irrecusável, em nosso sistema de direito
constitucional positivo – considerado o princípio do juiz natural –, que
ninguém poderá ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela
autoridade judiciária competente. Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser
subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição do Brasil, ao proclamar as
liberdades públicas – que representam limitações expressivas aos poderes do
Estado –, consagrou, de modo explícito, o postulado fundamental do juiz
natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que “ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
(HC 110237, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 19/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-041 DIVULG 01-03-2013 PUBLIC 04-03-2013)
(HC 110237, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 19/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-041 DIVULG 01-03-2013 PUBLIC 04-03-2013)
“HABEAS CORPUS” – IMPUTAÇÃO, AO PACIENTE, QUE É CIVIL,
DE CRIME MILITAR EM SENTIDO IMPRÓPRIO – SUPOSTO DELITO DE DESACATO A MILITAR
(CPM, ART. 299) – OCORRÊNCIA DESSE FATO EM AMBIENTE ESTRANHO AO DA
ADMINISTRAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS – MILITAR DO EXÉRCITO, SUPOSTAMENTE
DESACATADO, QUE REALIZAVA ATIVIDADE DE POLICIAMENTO OSTENSIVO NO PROCESSO DE OCUPAÇÃO
E PACIFICAÇÃO DAS COMUNIDADES DO COMPLEXO DO ALEMÃO E DA PENHA, NA CIDADE DO
RIO DE JANEIRO – FUNÇÃO DE POLICIAMENTO OSTENSIVO QUE TRADUZ TÍPICA ATIVIDADE
DE SEGURANÇA PÚBLICA – CARÁTER ANÔMALO DA JURISDIÇÃO PENAL MILITAR SOBRE CIVIS
EM TEMPO DE PAZ – REGULAÇÃO DESSE TEMA NO PLANO DO DIREITO COMPARADO – OFENSA
AO POSTULADO DO JUIZ NATURAL – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA MILITAR DA
UNIÃO – COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM (CF, ART. 109, IV) PELO FATO
DE A VÍTIMA, MILITAR DO EXÉRCITO, QUALIFICAR-SE COMO AGENTE PÚBLICO DA UNIÃO –
PEDIDO DEFERIDO. FUNÇÃO DE POLICIAMENTO OSTENSIVO EXERCIDA POR MILITAR DAS
FORÇAS ARMADAS – ENCARGO QUE SE QUALIFICA, CONCEITUALMENTE, COMO TÍPICA
ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA. - Refoge à competência penal da Justiça Militar
da União processar e julgar civis, em tempo de paz, por delitos supostamente
cometidos por estes em ambiente estranho ao da Administração Militar e
alegadamente praticados contra militar das Forças Armadas no contexto do
processo de ocupação e pacificação das Comunidades localizadas nos morros
cariocas, pois a função de policiamento ostensivo traduz típica atividade de
segurança pública. Precedentes. A REGULAÇÃO DO TEMA PERTINENTE À JUSTIÇA
MILITAR NO PLANO DO DIREITO COMPARADO. - Tendência que se registra,
modernamente, em sistemas normativos estrangeiros, no sentido da extinção (pura
e simples) de tribunais militares em tempo de paz ou, então, da exclusão de
civis da jurisdição penal militar: Portugal (Constituição de 1976, art. 213,
Quarta Revisão Constitucional de 1997), Argentina (Ley Federal nº 26.394/2008),
Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), Paraguai (Constituição de 1992, art.
174), México (Constituição de 1917, art. 13) e Uruguai (Constituição de 1967,
art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 e 28), v.g.. - Uma relevante sentença
da Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Caso Palamara Iribarne vs.
Chile”, de 2005): determinação para que a República do Chile, adequando a sua
legislação interna aos padrões internacionais sobre jurisdição penal militar,
adote medidas com o objetivo de impedir, quaisquer que sejam as circunstâncias,
que “um civil seja submetido à jurisdição dos tribunais penais militares (...)”
(item nº 269, n. 14, da parte dispositiva, “Puntos Resolutivos”). - O caso “Ex
Parte Milligan” (1866): importante “landmark ruling” da Suprema Corte dos
Estados Unidos da América. O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA
CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL, ASSEGURADA A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PERSECUÇÃO
PENAL, MESMO QUANDO INSTAURADA PERANTE A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. - Ninguém
pode ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade
judiciária competente. Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser subtraída ao
seu juiz natural, sob pena de invalidação do processo em que consumada a ofensa
ao postulado da naturalidade do juízo. A Constituição do Brasil, ao proclamar o
regime das liberdades públicas – que representa expressiva limitação aos
poderes do Estado –, consagrou, de modo explícito, o dogma fundamental do juiz
natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que “ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
(HC 112936, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Segunda Turma, julgado em 05/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-093 DIVULG
16-05-2013 PUBLIC 17-05-2013)
Os casos
citados sintetizam o entendimento de que, para que exista a competência da JMU,
o crime deve afetar “ainda que de forma potencial, a integridade, a dignidade,
o funcionamento e a respeitabilidade das instituições militares”. O leitor
atento lembrará, inclusive, que o último caso foi comentado neste Blog em 2013.
O fato é,
que, no panorama atual, um civil pode ser julgado pela JMU se houver
ofensa à dignidade das forças armadas.
Há que se
salientar, contudo, que, em 15 de agosto de 2013, o Procurador-Geral da
República ajuizou ADPF postulando que o art. 9º do CPM seja interpretado
conforme a Constituição para que este não seja aplicado a civis em tempos de
paz (ADPF
289). Segundo a inicial, tal aplicação implicaria em ofensa aos princípios
do juiz natural e da razoabilidade. Afinal, não faz sentido a JMU julgar civis
em tempos de paz se o objetivo da Justiça Militar é manter a hierarquia e a disciplina.
Elencou farta jurisprudência do próprio STF, bem como da Corte Interamericana
de Direitos Humanos e da Suprema Corte dos Estados Unidos da América.
Em síntese,
trata-se de medida que, se acolhida, modificará o panorama atual, pois
inexistirá civil praticando crime militar em tempos de paz. Os fatos que
antigamente seriam julgados pela JMU passarão a ser julgados pela justiça
comum, federal ou estadual, conforme o caso. Portanto, a ADPF deve ser
acompanhada por todos que se interessam por direito e processo penal,
especialmente por aqueles que almejam concursos públicos. Atualmente, o feito
encontra-se concluso com o Relator, para análise do pedido liminar.
Sugere-se
a leitura da inicial
da ADPF, bem como do inteiro teor de todos os casos acima citados.
Fiquem
conosco!
Justo o que eu procurava sobre advogado penal militar
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