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Competência da Justiça Militar e divergência no próprio STF




Caros Amigos,

Hoje, vamos falar sobre a competência da Justiça Militar e a existência de divergências no STF no tocante à extensão de sua competência.

Em 12 de fevereiro de 2013, o Blog tratou de julgado da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (HC 112936) entendendo que a Justiça Militar seria incompetente para julgar desacato praticado por civil contra militar que realizava atividade de policiamento ostensivo no processo de ocupação das comunidades do Complexo do Alemão e da Penha, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).

O fundamento para tanto seria que a atividade exercida pelos militares era típica de segurança pública, em ambiente estranho à Administração Militar. Lembrou o eminente relator, Min. Celso de Mello, a tendência internacional de extinção da justiça militar em tempos de paz, ou, ao menos, a exclusão dos civis de sua abrangência.

Vejam o teor da ementa:

 “HABEAS CORPUS” – IMPUTAÇÃO, AO PACIENTE, QUE É CIVIL, DE CRIME MILITAR EM SENTIDO IMPRÓPRIO – SUPOSTO DELITO DE DESACATO A MILITAR (CPM, ART. 299) – OCORRÊNCIA DESSE FATO EM AMBIENTE ESTRANHO AO DA ADMINISTRAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS – MILITAR DO EXÉRCITO, SUPOSTAMENTE DESACATADO, QUE REALIZAVA ATIVIDADE DE POLICIAMENTO OSTENSIVO NO PROCESSO DE OCUPAÇÃO E PACIFICAÇÃO DAS COMUNIDADES DO COMPLEXO DO ALEMÃO E DA PENHA, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO – FUNÇÃO DE POLICIAMENTO OSTENSIVO QUE TRADUZ TÍPICA ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA – CARÁTER ANÔMALO DA JURISDIÇÃO PENAL MILITAR SOBRE CIVIS EM TEMPO DE PAZ – REGULAÇÃO DESSE TEMA NO PLANO DO DIREITO COMPARADO – OFENSA AO POSTULADO DO JUIZ NATURAL – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO – COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM (CF, ART. 109, IV) PELO FATO DE A VÍTIMA, MILITAR DO EXÉRCITO, QUALIFICAR-SE COMO AGENTE PÚBLICO DA UNIÃO – PEDIDO DEFERIDO. FUNÇÃO DE POLICIAMENTO OSTENSIVO EXERCIDA POR MILITAR DAS FORÇAS ARMADAS – ENCARGO QUE SE QUALIFICA, CONCEITUALMENTE, COMO TÍPICA ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA. - Refoge à competência penal da Justiça Militar da União processar e julgar civis, em tempo de paz, por delitos supostamente cometidos por estes em ambiente estranho ao da Administração Militar e alegadamente praticados contra militar das Forças Armadas no contexto do processo de ocupação e pacificação das Comunidades localizadas nos morros cariocas, pois a função de policiamento ostensivo traduz típica atividade de segurança pública. Precedentes. A REGULAÇÃO DO TEMA PERTINENTE À JUSTIÇA MILITAR NO PLANO DO DIREITO COMPARADO. - Tendência que se registra, modernamente, em sistemas normativos estrangeiros, no sentido da extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz ou, então, da exclusão de civis da jurisdição penal militar: Portugal (Constituição de 1976, art. 213, Quarta Revisão Constitucional de 1997), Argentina (Ley Federal nº 26.394/2008), Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), Paraguai (Constituição de 1992, art. 174), México (Constituição de 1917, art. 13) e Uruguai (Constituição de 1967, art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 e 28), v.g.. - Uma relevante sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Caso Palamara Iribarne vs. Chile”, de 2005): determinação para que a República do Chile, adequando a sua legislação interna aos padrões internacionais sobre jurisdição penal militar, adote medidas com o objetivo de impedir, quaisquer que sejam as circunstâncias, que “um civil seja submetido à jurisdição dos tribunais penais militares (...)” (item nº 269, n. 14, da parte dispositiva, “Puntos Resolutivos”). - O caso “Ex Parte Milligan” (1866): importante “landmark ruling” da Suprema Corte dos Estados Unidos da América. O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL, ASSEGURADA A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO QUANDO INSTAURADA PERANTE A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. - Ninguém pode ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judiciária competente. Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural, sob pena de invalidação do processo em que consumada a ofensa ao postulado da naturalidade do juízo. A Constituição do Brasil, ao proclamar o regime das liberdades públicas – que representa expressiva limitação aos poderes do Estado –, consagrou, de modo explícito, o dogma fundamental do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
(HC 112936, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-093 DIVULG 16-05-2013 PUBLIC 17-05-2013)

No dia de hoje, contudo, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (HC 112932) adotou entendimento em sentido oposto, consoante divulgado no site do Tribunal:

Terça-feira, 13 de maio de 2014

1ª Turma mantém na Justiça Militar ação contra civil acusada de desacato a militar

Ao apreciar o Habeas Corpus (HC) 112932, impetrado contra acórdão do Superior Tribunal Militar, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, nesta terça-feira (13), que compete à Justiça Militar processar e julgar uma civil acusada de desacato praticado contra militares das Forças Armadas que atuavam processo de pacificação dos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro (RJ).

O relator do HC, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que a submissão de civil à Justiça Militar em tempos de paz é prevista no Código Penal Militar (CPM) em algumas hipóteses, entre as quais o crime praticado contra militar no desempenho de serviço de preservação da ordem pública.

“Essa é uma exceção. Embora essa seja uma função atípica, é prevista em lei, e se as Forças Armadas estão em função de segurança pública, devem ter esta proteção institucional”, ponderou o relator.

O ministro lembrou que o Plenário do STF reconheceu a constitucionalidade do artigo 9º do Código Penal Militar (CPM), que admite a competência da Justiça Militar para processar civis em tempos de paz em alguma situações. Destacou, ainda, não ser possível a suspensão do processo, também pedido pela Defensoria Pública da União (DPU), que fez a defesa da acusada, pois a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1995) veda a aplicação de suas disposições no âmbito da Justiça Militar.

O caso levado a julgamento refere-se a desacato a militares por uma moradora do Complexo do Alemão, que se recusou a obedecer determinada ordem durante operação no local.

Após a denúncia, foi impetrado habeas corpus no STM alegando incompetência da Justiça Militar, porque a atividade de policiamento não constituiria atividade tipicamente militar, mas o pedido foi negado por aquela corte. Em seguida, houve a impetração de HC no Supremo, que foi julgado extinto hoje pela 2ª Turma, em razão da inadequação da via processual, uma vez que foi apresentado em substituição ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Ainda conforme destacaram os ministros, no caso em análise não há ilegalidade para a concessão da ordem de ofício.

O julgamento da ADPF 289, que pode redundar na uniformização matéria pelo Pleno do STF, torna-se, portanto, a cada dia mais esperado.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos julgados, frisando-se que o acórdão referente ao segundo julgamento citado ainda não foi publicado.

Fiquem conosco!

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