Caros Amigos,
Aquele
que assina declaração inverídica de hipossuficiência para gozar do benefício da
AJG, pode sofrer consequências na seara penal?
Segundo
recentemente decidido pela Sexta Turma do STJ (e divulgado em informativo daquela Corte), a resposta é negativa:
PROCESSUAL PENAL.
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. CRIMES DE USO DE
DOCUMENTO FALSO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DA
JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTA ATÍPICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA
CAUSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS
CONCEDIDO DE OFÍCIO.
- O Superior Tribunal
de Justiça, seguindo o entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, passou a inadmitir habeas corpus substitutivo de recurso próprio,
ressalvando, porém, a possibilidade de concessão da ordem de ofício nos casos
de flagrante constrangimento ilegal.
- O entendimento do
Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a mera declaração de estado de
pobreza para fins de obtenção dos benefícios da justiça gratuita não é
considerada conduta típica, diante da presunção relativa de tal documento, que
comporta prova em contrário. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de
ofício para determinar o trancamento da ação penal.
(HC 261.074/MS, Rel.
Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), SEXTA TURMA,
julgado em 05/08/2014, DJe 18/08/2014)
Isto
porque, segundo o inteiro teor, a sanção para tal conduta seria meramente
econômica, como se destaca do seguinte trecho:
(...)
De início, vale
mencionar o disposto no art. 4º da Lei 1.060⁄50, o qual dispõe que a sanção
aplicada àquele que apresenta falsamente declaração de hipossuficiência é
meramente econômica, sem previsão de sanção penal, in verbis:
Art. 4º. A parte
gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na
própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo
e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.
§ 1º. Presume-se
pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei,
sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.
§ 2º. A impugnação do
direito à assistência judiciária não suspende o curso do processo e será feita
em autos apartados.
No caso, a mera
declaração falsa do estado de hipossuficiência do paciente, devidamente
impugnada pela parte contrária – e cuja falsidade foi reconhecida pelo MM.
Juízo de primeiro grau – merece ser punida tão somente com a pena de
pagamento até o décuplo das custas judiciais, nos termos previstos em lei.
(...)
Igualmente,
a declaração de hipossuficiência não poderia ser considerado documento para
fins penais. Neste sentido:
Também a doutrina
entende que a mera declaração de hipossuficiência inidônea não pode ser
considerada documento para fins penais. Veja-se, a título de exemplo, o que
ensina o professor Guilherme de Souza Nucci:
71-A. Declaração de
pobreza para obter os benefícios da justiça gratuita: não pode ser considerada
documento para os fins deste artigo, pois é possível produzir prova a respeito
do estado de miserabilidade de quem pleiteia o benefício da assistência
judiciária. O juiz pode, à vista das provas colhidas, indeferir o pedido,
sendo, pois, irrelevante a declaração apresentada. No mesmo sentido: TJRJ: "A
declaração de pobreza como é cediço goza de presunção relativa, passível,
portanto, de prova em contrário". (HC 0031891-25.2009.8.19.0000
(2009.059.07443)-RJ, 7ª C. C., Rel. Siro Darlan de Oliveira, 10.11.2009)
(Código Penal Comentado, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 14ª edição,
2014, p. 1237)
Como
citado no próprio inteiro teor, há recentes decisões no mesmo sentido das duas
turmas do STJ que tratam da matéria penal:
HABEAS CORPUS.
ARTIGOS 299 E 304 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DECLARAÇÃO DE
POBREZA FALSA. OBJETIVO DE OBTENÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA.
CONDUTAS ATÍPICAS. ORDEM CONCEDIDA.
1. Somente se
configura o crime de falsidade ideológica se a declaração prestada não estiver
sujeita a confirmação pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção
absoluta de veracidade.
2. Esta Corte já
decidiu ser atípica a conduta de firmar ou usar declaração de pobreza falsa em
juízo, com a finalidade de obter os benefícios da gratuidade de justiça, tendo
em vista a presunção relativa de tal documento, que comporta prova em
contrário.
3. Ordem concedida
para trancar a ação penal.
(HC 218.570/SP, Rel.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe
05/03/2012)
HABEAS CORPUS. CRIMES
DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E DE USO DE DOCUMENTO FALSO. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA
A OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA
DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA
CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A conduta daquele
que apresenta, em processo judicial, declaração de hipossuficiência inidônea,
declarando-se pobre em desacordo com a realidade ou com as hipóteses taxativas
da Lei nº 1.060/50, não pode ser enquadrada como crime de falsidade ideológica
(art. 299 do CP) ou de uso de documento falso (art. 304 do CP), pois aludida
manifestação não pode ser considerada documento para fins penais, já que é
passível de comprovação posterior, seja por provocação da parte contrária seja
por aferição, de ofício, pelo magistrado da causa. Precedentes do STJ e do STF;
magistério de Guilherme de Souza Nucci e de Juarez Tavares.
2. Ordem concedida
para trancar a ação penal.
(HC 217.657/SP, Rel.
Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA,
julgado em 02/02/2012, DJe 22/02/2012)
HABEAS CORPUS. PENAL.
CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO
DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTA ATÍPICA.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM
CONCEDIDA.
1. O trancamento da
ação penal, em sede de habeas corpus, somente deve ser acolhido se restar
demonstrado, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da
punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do
delito, ou a atipicidade da conduta.
2. A declaração de
pobreza com o intuito de obter os benefícios da justiça gratuita goza de
presunção relativa, passível, portanto, de prova em contrário.
3. Assim, a conduta
de quem se declara falsamente pobre visando aludida benesse não se subsume
àquela descrita no art. 299 do Código Penal. Precedentes.
4. Ordem concedida
para determinar o trancamento da ação penal.
(HC 105.592/RJ, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 19/04/2010)
RECURSO ESPECIAL.
DISSÍDIO PRETORIANO. ACÓRDÃO APONTADO COMO PARADIGMA PROFERIDO PELO PRÓPRIO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.POSSIBILIDADE.
1. É assente neste Sodalício
que a expressão "outro tribunal", contida na letra c do permissivo
constitucional, engloba também os julgados proferidos pelo Superior Tribunal de
Justiça.
2. Preliminar alegada
em contra-razões rejeitada.
PENAL. CRIME DE
FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA
JUSTIÇA GRATUITA. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. CONDUTA ATÍPICA.
IMPROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO.
1. A declaração de
pobreza com o intuito de obter os benefícios da justiça gratuita goza de
presunção relativa, passível, portanto, de prova em contrário.
2. Assim, a conduta
de quem se declara falsamente pobre visando aludida benesse não se subsume
àquela descrita no art. 299 do Código Penal.
3. Recurso especial
improvido.
(REsp 1102008/SC,
Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 01/06/2009)
RECURSO ESPECIAL.
PENAL. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. DECLARAÇÃO DE
POBREZA PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. TRANCAMENTO DE
INQUÉRITO POLICIAL. CONDUTAS ATÍPICAS. IMPROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO.
1. A declaração de
pobreza com o intuito de obter os benefícios da justiça gratuita goza de
presunção relativa, passível, portanto, de prova em contrário, não se
enquadrando no conceito de documento previsto nos arts. 299 e 304, ambos do
Estatuto Repressivo.
2. Assim, a conduta
de quem se declara falsamente pobre visando aludida benesse ou se utiliza de
tal documento para instruir pleito de assistência judiciária gratuita não se
subsume àquelas descritas nos citados tipos penais.
3. Recurso especial
improvido.
(REsp 1096682/SC,
Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 01/06/2009)
Por
certo, há, no próprio STJ, julgados em sentido diverso. Contudo, ou envolvem
peculiaridades especiais (como a assinatura por terceiro que não o beneficiado
pela AJG), ou são mais antigos. Como exemplos, elenco os seguintes:
HABEAS CORPUS. PENAL.
CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO
DA JUSTIÇA GRATUITA. FALSIFICAÇÃO PERPETRADA PELA PACIENTE EM DETRIMENTO DO SEU
CLIENTE. ATIPICIDADE NÃO CONFIGURADA. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL.
IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. O trancamento da
ação penal ou de inquérito policial em sede de habeas corpus somente deve ser
acolhido se restar demonstrado, de forma indubitável, a ocorrência de
circunstância extintiva da punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou
de prova da materialidade do delito, ou a atipicidade da conduta.
2. Conquanto não se
desconheça a existência de entendimento doutrinário e jurisprudencial pelo qual
a declaração de pobreza não se enquadra no conceito de documento previsto no
artigo 299 do Estatuto Repressivo, o caso concreto possui peculiaridades que
impedem a adoção desta compreensão, uma vez que, na hipótese vertente, as
declarações de insuficiência econômica não foram firmadas pelos possíveis
beneficiários da assistência jurídica gratuita, tendo sido supostamente
falsificadas pela advogada que os representava em juízo, que já havia recebido
a importância de R$ 100,00 (cem reais) de um dos seus clientes para o pagamento
das custas judiciais de ação de separação consensual.
3. Como postos nos
autos, os fatos narrados não se mostram flagrantemente atípicos, circunstância
que impede a concessão da ordem pretendida.
4. Ordem denegada.
(HC 126.404/MS, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 28/03/2011)
RECURSO ORDINÁRIO EM
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO
FALSA DE POBREZA PARA OBTER A GRATUIDADE DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. REMESSA AO
MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AS PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO
EVIDENCIADO.
1. É típica, a
princípio, a conduta da pessoa que assina declaração de "pobreza"
para obter os benefícios da assistência judiciária gratuita e, todavia,
apresenta evidentes condições de arcar com as despesas e custas do processo
judicial.
2. Não se vislumbra,
assim, qualquer constrangimento ilegal na decisão do Juízo Cível, que
determinou a remessa de cópia de declaração de pobreza firmada nos autos de
ação monitória ao Ministério Público, para a análise de possível cometimento do
crime de falsidade ideológica.
3. Recurso
desprovido.
(RHC 21.628/SP, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 09/03/2009)
Recomenda-se
a leitura do inteiro teor dos julgados.
E
o STF? O que pensa da matéria? Responderei no próximo post.
Fiquem
conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa.
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