Pular para o conteúdo principal

Execução Penal e Sigilo de Dados: Dever de Fundamentação.



Caros Amigos,

Diante da existência de suspeita sobre o descumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade, foi requerido pelo Ministério Público ao Magistrado que determine às prestadoras de serviço que informem sobre o uso (e local do uso) do celular e dos cartões de crédito do condenado, bem como se este foi passageiro em vôos comerciais. O pedido foi deferido.

Pergunta-se: o deferimento imprescinde de fundamentação por parte do magistrado? Note-se que não se tratava de investigação de crime, mas da verificação de cumprimento de pena restritiva de direitos.

Segundo recente decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a resposta é positiva. Com base no art. 93, IX, da Constituição Federal, é imprescindível que haja fundamentação judicial.

Veja-se o teor da ementa:

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. DILIGÊNCIAS PARA VERIFICAR O REGULAR CUMPRIMENTO DA PENA. DECISÃO DESPROVIDA DE FUNDAMENTAÇÃO.
1. Embora não sejam absolutas as restrições de acesso à privacidade e aos dados pessoais do cidadão, e mesmo considerado o interesse público no acompanhamento da execução penal, imprescindível é a qualquer decisão judicial a explicitação de seus motivos (art. 93, IX, da Constituição Federal).
2. Diligências invasivas de acesso a dados (bancários, telefônicos e de empresa de transporte aéreo) deferidas sem qualquer menção à necessidade e proporcionalidade dessas medidas investigatórias, não propriamente de crime, mas de regular cumprimento de pena  imposta. Nulidade reconhecida.
3. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1133877/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 02/09/2014)

Segundo o inteiro teor:

(...)

Como se pode observar, é garantido ao cidadão o direito à intimidade e à vida privada, com a inviolabilidade do sigilo de seus dados, inclusive bancários e fiscal.

Sem dúvida não são absolutas as restrições de acesso à privacidade e aos dados pessoais, mantidos por instituições pública ou particulares, mas imprescindível é então a motivação pertinente.

Se é inegável o interesse público no acompanhamento da execução penal, de outro lado imprescindível é a qualquer decisão judicial a explicitação de seus motivos (art. 93, IX, da Constituição Federal). Tratando-se de invasão à privacidade do cidadão, inclusive com acesso a dados (no caso bancários, telefônicos e de empresa de transporte aéreo), há de se justificar então não apenas a legalidade da medida, mas sua ponderação como necessária ao caso concreto.

Isso não se deu na espécie, em que tão somente deferidas as diligências invasivas, sem qualquer menção à necessidade e proporcionalidade dessas medidas investigatórias, sequer voltadas propriamente à investigação de crime, mas à apuração do regular cumprimento de pena  imposta.

Não se justificou a quebra de dados cadastrais de uso de linhas telefônicas, providência necessária mesmo sem os rigores da medida propriamente de interceptação telefônica, mas ainda assim inafastável.

Igualmente exigiria motivação a diligência acerca da emissão de bilhetes por companhias aéreas e de compras efetuadas com cartões de crédito pelo recorrente, pois devassa a privacidade.

Assim, embora legalmente possível a quebra de dados, públicos e privados, a absoluta falta de justificação torna nula a decisão atacada.

Ante o exposto, voto pelo provimento parcial do recurso especial, para declarar a nulidade das diligências requeridas às fls. 412⁄413, itens 1.2, 1.3 e 1.4.

Vejam que, segundo a fundamentação, o fornecimento de tais informações é legalmente possível, contanto que justificado no caso em concreto.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor do julgado.

Não localizei outros casos semelhantes nos Tribunais Superiores. Contudo, se alguém tiver conhecimento de um precedente interessante, por favor, compartilhe!!

Fiquem conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa. 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Intimação: advogado constituído x nomeado

  Caros Amigos, Hoje vamos falar de tópico de processo penal que se encaixa perfeitamente em uma questão de concurso: a intimação do defensor dos atos processuais. Pois bem. Dispõe o art. 370, § 1.º, do Código de Processo Penal que " a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado ". Contudo, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que " a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal ". Assim, para o defensor constituído, a intimação pode se dar pela publicação de nota de expediente, o que inocorre com o nomeado (público ou dativo), que deve ser intimado pessoalmente. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do STJ: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE DO JULGAMENTO DO APELO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES NOMEA

Causa de aumento e conhecimento de ofício

Caros Amigos, O magistrado pode reconhecer, de ofício, a existência de causa de aumento de pena não mencionada  na denúncia? A literalidade do art. 385 do Código de Processo Penal nos indica que não. Afinal, segundo ele, apenas as agravantes podem ser reconhecidas de ofício. Vejam o seu teor: Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Recentemente, o informativo 510 do Superior Tribunal de Justiça indicou que esta seria mesmo a orientação correta. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. VIOLAÇÃO DO CONTRADI

Crimes Ambientais - Interrogatório da Pessoa Jurídica

Caros Amigos, Os crimes contra o meio ambiente são uma matéria de relevante impacto social, a qual, contudo, ainda não recebe a devida atenção pelos estudiosos do Direito. Como o Blog foi feito para oferecer soluções, teremos neste espaço, periodicamente, discussões sobre este tema. Hoje, o tópico é interrogatório da pessoa jurídica. Sei que muitos jamais refletiram sobre a questão. Entretanto, é algo que ocorre com alguma frequência, já que, diante dos artigos 225, § 3.º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/98, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Sendo tal responsabilização constitucional e legalmente prevista, é imprescindível que seja oferecido ao acusado a possibilidade de oferecer a sua versão dos fatos, o que ocorre através do interrogatório. Nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98, para que haja a condenação de ente fictício, é preciso que “ a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,