Caros Amigos,
Em 28
de novembro de 2012, este Blog comentou o Inq. 3.412-AL do STF, que
concluiu ser desnecessária a coação direta contra a liberdade de ir e vir para
que se caracterize o art. 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de
escravo).
Recentemente,
tal entendimento foi reiterado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de
Justiça, no julgado assim ementado:
CONFLITO DE
COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE
ESCRAVO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR NÃO É
CONDIÇÃO ÚNICA DE SUBSUNÇÃO TÍPICA. TRATAMENTO SUBUMANO AO TRABALHADOR.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Para configurar o
delito do art. 149 do Código Penal não é imprescindível a restrição à liberdade
de locomoção dos trabalhadores, a tanto também se admitindo a sujeição a
condições degradantes, subumanas.
2. Tendo a denúncia
imputado a submissão dos empregados a condições degradantes de trabalho (falta
de garantias mínimas de saúde, segurança, higiene e alimentação), tem-se
acusação por crime de redução a condição análoga à de escravo, de competência
da jurisdição federal.
(CC 127.937/GO, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 06/06/2014)
A
fundamentação encontra-se bem delimitada no acórdão de lavra do Min. Nefi
Cordeiro. Do citado voto, extrai-se o seguinte trecho:
O
crime previsto no art. 149 do Código Penal, de redução a condição análoga à de escravo,
pode configura-se independentemente da restrição à liberdade do trabalhador.
Confira-se
o teor desse dispositivo:
Art.
149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a
trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em
razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena
- reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§
1º Nas mesmas penas incorre quem:
I
- cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o
fim de retê-lo no local de trabalho;
II
- mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos
ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§
2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I
- contra criança ou adolescente;
II
- por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
A
restrição à liberdade de locomoção do trabalhador é uma das formas de
cometimento do delito, mas não é a única. Conforme se infere da transcrição
supra, o tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente
tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar,
dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições degradantes de
trabalho.
A
denúncia do feito em exame diretamente imputa o cenário desumano de trabalho e
a conduta abusiva por partes dos denunciados, assim descrevendo situação apta
ao enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal.
Nesse
sentido, é o seguinte precedente do Pretório Excelso:
PENAL.
REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE
COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para
configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se
prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da
liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou
a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas
alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do
que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos
constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de
sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa
humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação
intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao
trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da
vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também
significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer
violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a
violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis
gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas
exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o
enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão
recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade
e de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais. (STF,
Inq 3412, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p⁄ Acórdão: Min. ROSA
WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 29⁄03⁄2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG
09-11-2012 PUBLIC 12-11-2012.)
(...)
Sendo
possível, em tese, que o fato narrado na denúncia configure o delito do art.
149 do CP, a competência seria da Justiça Federal, o que será devidamente explicado
no nosso próximo post.
Recomenda-se
a leitura do inteiro teor do julgado. Temas que são reiterados nos Tribunais
Superiores são importantes para todos os estudiosos de direito e processo
penal, especialmente para os que estudam para concursos públicos.
Fiquem
conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa.
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