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Interrogatório do acusado e procedimento especial - parte II



Caros Amigos,

Hoje revisitaremos um assunto anteriormente analisado por este Blog em 11 de fevereiro de 2014.

Como é cediço, o processo comum aplica-se a todos os processos “salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial” (CPP, art. 394, § 2.º, com redação da Lei 11.719/08).

Este dispositivo é objeto de polêmica, já que o procedimento comum, que determina ser o interrogatório do acusado o último ato do processo, seria supostamente mais benéfico ao acusado que o procedimento previsto na Lei de Tóxicos (Lei 11.343/06), na qual o acusado é interrogado antes das testemunhas. Por outro lado, aplicar o procedimento comum no caso da Lei 11.343/06 seria contrariar texto expresso do CPP (art. 394, § 2.º).

Chamado a uniformizar a aplicação de lei federal, o Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando no sentido de que seja respeitado o disposto no art. 394, § 2.º, do CPP, com redação da própria Lei 11.719/08, como manifestado por ocasião daquele post.

Recentes julgados mostram que o entendimento vem se mantendo:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS NOS AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS. MALFERIMENTO AO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. VILIPÊNDIO AO ART. 400 DO CPP. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. OITIVA DO RÉU ANTES DAS TESTEMUNHAS. RITO ESPECIAL PREVISTO NA LEI N.º 11.343/06. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVOS REGIMENTAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. É assente que cabe ao aplicador da lei, em instância ordinária, fazer um cotejo fático e probatório a fim de analisar a incidência de eventuais causas de aumento ou de diminuição da pena, e o percentual de fixação, porquanto é vedado na instância especial o reexame do caderno fático probatório dos autos. Incidência da Súmula 07 do STJ.
2. É firme neste Tribunal Superior o entendimento de que "para o julgamento dos crimes previstos na Lei n.º 11.343/06 há rito próprio, no qual o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento (art. 57). Desse modo, a previsão de que a oitiva do réu ocorra após a inquirição das testemunhas, conforme disciplina o art. 400 do Código de Processo Penal, não se aplica ao caso, em razão da regra da especialidade (art. 394, § 2º, segunda parte, do Código de Processo Penal)". (HC 260.795/DF, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe 28/02/2013) 3. Agravos regimentais a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 225.476/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 24/03/2014)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. IMPROCEDÊNCIA. OITIVA DO RÉU ANTES DAS TESTEMUNHAS. LEGALIDADE. RITO ESPECIAL PREVISTO NA LEI N.º 11.343/06. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e ambas as Turmas desta Corte, após evolução jurisprudencial, passaram a não mais admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário, nas hipóteses em que esse último é cabível, em razão da competência do Pretório Excelso e deste Superior Tribunal tratar-se de matéria de direito estrito, prevista taxativamente na Constituição da República.
2. Esse entendimento tem sido adotado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça também nos casos de utilização do habeas corpus em substituição ao recurso especial, com a ressalva da posição pessoal desta Relatora, sem prejuízo de, eventualmente, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício, em caso de flagrante ilegalidade.
3. Não procede a alegação de nulidade da ação penal por cerceamento de defesa, consistente em defesa técnica deficiente, tendo em vista que, ao contrário do arguido, o ora Paciente foi satisfatoriamente assistido por seu advogado constituído, em todas as fases do processo. Precedentes desta Corte e do Excelso Pretório.
4. Conforme o enunciado n.º 523 da Súmula do Excelso Pretório, "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu."
5. Para o julgamento dos crimes previstos na Lei n.º 11.343/06 há rito próprio, no qual o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento (art. 57). Desse modo, a previsão de que a oitiva do réu ocorra após a inquirição das testemunhas, conforme disciplina o art. 400 do Código de Processo Penal, não se aplica ao caso, em razão da regra da especialidade (art. 394, § 2º, segunda parte, do Código de Processo Penal).
6. Ausência de ilegalidade flagrante que, eventualmente, ensejasse a concessão da ordem de habeas corpus de ofício.
7. Ordem de habeas corpus não conhecida.
(HC 275.070/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 05/03/2014)

Contudo, qual o entendimento do STF? O que pensa da matéria?

Como divulgado no Informativo n. 750 do STF, a Segunda Turma recentemente decidiu no mesmo sentido que o STJ:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PACIENTE CONDENADO PELO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS SOB A ÉGIDE DA LEI 11.343/2006. PEDIDO DE NOVO INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ART. 400 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS. QUESTÃO QUE DEMANDA REVOLVIMENTO DE ELEMENTOS FÁTICO-PROBATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
I – Se o paciente foi processado pela prática do delito de tráfico ilícito de drogas, sob a égide da Lei 11.343/2006, o procedimento a ser adotado é o especial, estabelecido nos arts. 54 a 59 do referido diploma legal.
II – O art. 57 da Lei de Drogas dispõe que o interrogatório ocorrerá em momento anterior à oitiva das testemunhas, diferentemente do que prevê o art. 400 do Código de Processo Penal.
III – Este Tribunal assentou o entendimento de que a demonstração de prejuízo, “a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (…) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas” (HC 85.155/SP, Rel. Min. Ellen Gracie).
IV – No tocante à incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, as instâncias anteriores entenderam de modo diverso quanto ao preenchimento dos requisitos exigidos no referido diploma legal, de modo que a questão posta não é passível de ser decidida em sede de habeas corpus, por demandar o revolvimento de elementos fático-probatórios.
V - Ordem denegada.
(HC 122229, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 13/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-104 DIVULG 29-05-2014 PUBLIC 30-05-2014)

Não é o primeiro julgado daquele Colegiado neste sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PACIENTE PROCESSADA PELO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS SOB A ÉGIDE DA LEI 11.343/2006. PEDIDO DE NOVO INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ART. 400 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.
I – Se a paciente foi processada pela prática do delito de tráfico ilícito de drogas, sob a égide da Lei 11.343/2006, o procedimento a ser adotado é o especial, estabelecido nos arts. 54 a 59 do referido diploma legal.
II – O art. 57 da Lei de Drogas dispõe que o interrogatório ocorrerá em momento anterior à oitiva das testemunhas, diferentemente do que prevê o art. 400 do Código de Processo Penal.
III – Este Tribunal assentou o entendimento de que a demonstração de prejuízo, “a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (…) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas” (HC 85.155/SP, Rel. Min. Ellen Gracie).
IV – Recurso ordinário improvido.
(RHC 116713, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-120 DIVULG 21-06-2013 PUBLIC 24-06-2013)

A Primeira Turma, da mesma forma, posicionou-se recentemente no mesmo sentido, como demonstra o seguinte trecho do inteiro teor do HC 119053, relatado pelo Min. LUIZ FUX e julgado em 01/04/2014:

(...)

Ressalte-se que quanto ao tema da nulidade absoluta do ato do interrogatório, por inobservância do disposto no artigo 400 do Código de Processo Penal, esta Suprema Corte possui entendimento que o sistema de nulidade previsto no Código de Processo Penal, em que vigora o princípio pas de nullité san grief, dispõe que somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetivo prejuízo à defesa, devidamente demonstrado, o que não se dá na espécie.

Neste sentido, colacionam-se os seguintes julgados:

(...)

Por fim, vale destacar que, em razão do princípio da especialidade, o procedimento estabelecido pela Lei 11.343/2006 deve ser adotado e prevalecer sobre o disposto no art. 400 do Código de Processo Penal.

O rito processual adotado pela Lei de Drogas é o especial, estabelecido nos arts. 54 a 59. Desse modo, o art. 57 da Lei 11.343/2006 estabelece que:

“Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz”.

Desse modo, a mencionada legislação dispõe que o interrogatório
ocorrerá em momento anterior à oitiva das testemunhas, ao contrário do que estabelece o art. 400 do Código de Processo Penal.

Entende-se que, realizado o interrogatório sob o comando do art. 57 da Lei de Drogas, não há nulidade a ser reconhecida.

(...)

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos acórdãos.

Fiquem conosco!!

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