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Súmula 513 do STJ - segunda parte



Caros Amigos,

Hoje continuaremos a analisar a Súmula 513 do STJ, abaixo elencada:

SÚMULA n. 513
A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

Da leitura dos precedentes elencados no post passado, percebe-se que, para o STJ, a abolitio criminis temporária aplicava-se apenas até 23 de outubro de 2005, no que tange às armas de fogo de uso restrito (com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado – art. 16, IV, da Lei 10.826/03).

No tocante às armas de fogo de uso permitido, entendeu o STJ que o prazo acabou sendo prorrogado até 31 de dezembro de 2009, como nos exemplifica o HC 291.132/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/05/2014.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal, contudo, é um pouco distinto.

Para o Plenário, “nunca houve previsão explícita de abolitio criminis, ou mesmo que de a eficácia do art. 12 da Lei estaria suspensa temporariamente”. Logo, não haveria atipicidade dos atos praticados entre 23 de junho de 2005 e antes de 31 de janeiro de 2008, no tocante às armas de fogo de uso permitido, por exemplo. E mais: não haveria que se falar em retroatividade da Medida Provisória 417 e da Lei 11.922/09, com base no art. 5º, XL (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”), da Constituição Federal.

Neste sentido, destaco os seguintes trechos do voto do Ministro Luiz Fux:

O Estatuto do Desarmamento, cuja publicação ocorreu em 23 de dezembro de 2003, permitiu aos proprietários e possuidores de armas de fogo a solicitação do registro ou a entrega das armas no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei. Após a edição das leis 10.884/2004, 11.119/2005 e 11.191/2005, o prazo final para solicitação do registro de arma de fogo foi prorrogado para 23 de junho de 2005, enquanto o termo final para entrega das armas foi fixado em 23 de outubro de 2005. Exclusivamente para os moradores da zona rural que comprovassem a necessidade da arma para a sua subsistência, a Lei nº 11.191/05 prolongou o prazo para regularização do registro até 11 de março de 2006. O prazo previsto no art. 30 da Lei nº 10.826/03 (ou seja, o prazo para registro da arma de fogo) foi alargado até a data de 31 de dezembro de 2008 pela Medida Provisória nº 417, publicada em 31 de janeiro de 2008, que foi convertida na Lei nº 11.706/08. Posteriormente, a Lei nº 11.922/2009, cuja vigência se deu a partir de 14 de abril de 2009, tornou a prolongar o prazo para registro, até 31 de dezembro de 2009.

A discussão jurídica presente no recurso ora apreciado diz respeito à tipicidade das condutas de posse de arma de fogo de uso permitido ocorridas após 23 de junho de 2005 e anteriores a 31 de janeiro de 2008, data em que entrou em vigor a Medida Provisória nº 417. Esse diploma, como visto, permitiu o registro de propriedade da arma de fogo de fabricação nacional e uso permitido, ou a sua renovação, até 31 de dezembro de 2008.

Vale dizer que, desde a redação original do Estatuto do Desarmamento, nunca houve previsão explícita de abolitio criminis, ou mesmo de que a eficácia do art. 12 da Lei estaria suspensa temporariamente. A doutrina e a jurisprudência, mediante interpretação sistemática, concluíram que, durante o prazo assinalado em lei, haveria presunção de que o possuidor de arma de fogo irregular providenciaria a normalização do seu registro (art. 30). Encerrado o interstício no qual o legislador permitiu a regularização das armas (até 23 de junho de 2005, conforme disposto na Medida Provisória nº 253, convertida na Lei nº 11.191/2005), passou a ter plena eficácia o crime de posse de arma de fogo de uso permitido previsto no art. 12 do estatuto.

Ocorre que, em 31 de janeiro de 2008, por força da já mencionada Medida Provisória nº 417, o prazo para regularização foi reaberto até 31 de dezembro do mesmo ano, provocando questionamentos sobre a aplicabilidade do art. 5º, XL, da Constituição.

Essa Medida Provisória, posteriormente convertida na Lei nº 11.706/08, também foi responsável por retirar do art. 32 do Estatuto do Desarmamento a limitação temporal antes estabelecida para a entrega espontânea da arma de fogo, permitindo sine die que o seu possuidor se valha dessa causa de extinção da punibilidade do crime previsto no art. 12. Isso significa que o sujeito que se dirige à repartição competente da Polícia Federal para a entrega da arma de fogo não pode ser preso em flagrante nem responsabilizado criminalmente pela sua posse, impondo- se a mesma solução àquele indivíduo que comprovar cabalmente a adoção de providências para efetuar a entrega, mediante a exibição da guia de trânsito a que se refere o art. 70, §§ 1º e 2º, do Decreto Federal nº 5.123/2004. Neste sentido, a Primeira Turma desta Corte decidiu recentemente que, verbis:

“A mera possibilidade de entrega da arma de fogo, de uso permitido ou restrito, às autoridades policiais, conforme previsto no art. 32 da Lei nº 10.826/2003, não tem pertinência quando ausente registro de que o agente estava promovendo a entrega ou pelo menos tinha a intenção de entregar a arma de posse irregular” (RHC 106358, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012).

Põe-se, então, a seguinte questão: a reabertura do prazo para registro ou renovação deste implica abolitio criminis em favor daqueles que estavam irregularmente na posse de arma de fogo de uso permitido após 23 de junho de 2005? Note-se que, no que tange aos moradores da zona rural que comprovassem a necessidade da arma para a sua subsistência, o termo a ser considerado é a data de 11 de março de 2006.

Mas não é só. Em 14 de abril de 2009 a Lei nº 11.922 prolongou o prazo para regularização até 31 de dezembro de 2009. Seria a Lei nº 11.922 retroativa em relação aos fatos ocorridos entre 1º de janeiro de 2009 e 13 de abril do mesmo ano?

Em resposta a tais indagações, há que se considerar que nos períodos indicados – é dizer, de 24 de junho de 2005 a 30 de janeiro de 2008 e de 1º de janeiro de 2009 a 13 de abril do mesmo ano – não era lícito ao possuidor de arma de fogo providenciar a regularização do registro da sua arma. Nesta situação, não poderia ele alegar boa-fé, nem invocar em seu favor a adoção de providências destinadas à regularização, visto que, na prática, isso não seria possível, ante o encerramento do prazo para tal. A posterior reabertura do prazo não obsta essa conclusão. Sendo certo que, conforme aludido anteriormente, não há previsão expressa no Estatuto do Desarmamento, nem nas Leis que o alteraram, da configuração de abolitio criminis, apenas há que se cogitar da atipicidade da conduta perpetrada por aquele em favor do qual, apesar da posse de arma de fogo de uso permitido, militava presunção de boa-fé, ou seja, de que providenciaria em tempo hábil a sua regularização. Referida presunção, por imperativo lógico, não pode ser invocada nos períodos em que a regularização não era permitida.

Portanto, relativamente ao caso sub judice, é incabível cogitar da retroatividade da Medida Provisória nº 417 (convertida na Lei nº 11.706/08) para extinguir a punibilidade do delito de posse de arma de fogo cometido antes da sua entrada em vigor, mercê da impossibilidade de regularização do registro quando da prática do crime.

(...)

Ex positis, dou provimento ao Recurso Extraordinário para restabelecer a sentença condenatória de primeira instância, ante a irretroatividade da norma inserida no art. 30 da Lei nº 10.826/03 pela Medida Provisória nº 417, posteriormente convertida na Lei nº 11.706/08, considerando penalmente típicas as condutas de posse de arma de fogo de uso permitido ocorridas após 23 de junho de 2005 e anteriores a 31 de janeiro de 2008.

O referido julgado foi proferido por unanimidade pelo Plenário.

 Em voto convergente, o Min. Joaquim Barbosa, apesar de mencionar o termo abolitio criminis temporária (e ter citado a expressão atipicidade temporária), deixou claro que o porte de arma de fogo permitida não havia se tornado atípico, pelo que não incidiria a retroatividade da lei mais benéfica.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos julgados citados em ambos os posts, atentando para o histórico legislativo, imprescindível para compreender a questão, que é muito complexa!

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