Caros Amigos,
Como
mencionado no último post, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça vem
entendendo que a competência para julgar o delito previsto no art. 149 do
Código Penal é da Justiça Federal.
Afinal,
em que pese o referido artigo esteja elencado entre os crimes contra a
liberdade pessoal, “a conduta ilícita de suprimir dos trabalhadores direitos
trabalhistas constitucionalmente conferidos viola o princípio da dignidade da
pessoa humana, bem como todo o sistema de organização do trabalho e as
instituições e órgãos que o protegem”.
Abaixo,
elenco os seguintes julgados:
CONFLITO
DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE
ESCRAVO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR NÃO É
CONDIÇÃO ÚNICA DE SUBSUNÇÃO TÍPICA. TRATAMENTO SUBUMANO AO TRABALHADOR.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1.
Para configurar o delito do art. 149 do Código Penal não é imprescindível a
restrição à liberdade de locomoção dos trabalhadores, a tanto também se
admitindo a sujeição a condições degradantes, subumanas.
2.
Tendo a denúncia imputado a submissão dos empregados a condições degradantes de
trabalho (falta de garantias mínimas de saúde, segurança, higiene e
alimentação), tem-se acusação por crime de redução a condição análoga à de
escravo, de competência da jurisdição federal.
(CC
127.937/GO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014,
DJe 06/06/2014)
CONFLITO
DE COMPETÊNCIA. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
-
Nos termos da jurisprudência firmada nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal,
compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de redução a condição
análoga à de escravo, pois a conduta ilícita de suprimir dos trabalhadores
direitos trabalhistas constitucionalmente conferidos viola o princípio da
dignidade da pessoa humana, bem como todo o sistema de organização do trabalho
e as instituições e órgãos que o protegem.
Conflito
conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 11ª Vara da Seção Judiciária
do Estado de Goiás, ora suscitado.
(CC
132.884/GO, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE),
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 10/06/2014)
Consoante
inteiro teor do último julgado citado:
(...)
O
objeto deste conflito refere-se à definição da competência para processamento e
julgamento do delito de condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do
Código Penal.
Verifica-se
que, no caso dos autos, a conduta ilícita, qual seja, a de suprimir dos
trabalhadores direitos trabalhistas constitucionalmente conferidos, viola o
princípio da dignidade da pessoa humana e todo o sistema de organização do
trabalho, bem como as instituições e órgãos que o pretegem. Com efeito, a
redução a condição análoga à de escravo não suprime somente a liberdade do
indivíduo, mas as garantias conferidas a todo o sistema trabalhista.
Diante
disso, a jurisprudência desta Corte assentou que a competência para o
julgamento do referido delito é da Justiça Federal, conforme extrai-se dos
seguintes precedentes.
Confiram-se:
CONFLITO
DE COMPETÊNCIA. DIREITO PENAL. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE
ESCRAVO. ART. 149 DO CP. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1.
Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento dos processos, cujo delito
é o previsto no art. 149 do Código Penal, que se enquadra na categoria dos
crimes contra a Organização do Trabalho.
2.
Crime de redução a condição análoga à de escravo fere a dignidade da pessoa
humana, bem como colocam em risco a manutenção da Previdência Social e as
instituições trabalhistas, evidenciando a ocorrência de prejuízo a bens,
serviços ou interesses da União, conforme as hipóteses previstas no art. 109 da
CF.
3.
Precedentes do STF e do STJ.
4.
Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 9ª Vara Criminal
da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, o suscitado (CC 63320⁄SP, Rel.
Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, DJe 03⁄03⁄2009).
CONFLITO
POSITIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. OFENSA
AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA E AO SISTEMA PROTETIVO DE ORGANIZAÇÃO AO
TRABALHO. ART. 109, V-A E VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL.
1.
O delito de redução a condição análoga à de escravo está inserido nos crimes
contra a liberdade pessoal. Contudo, o ilícito não suprime somente o bem
jurídico numa perspectiva individual.
2.
A conduta ilícita atinge frontalmente o princípio da dignidade da pessoa
humana, violando valores basilares ao homem, e ofende todo um sistema de organização
do trabalho, bem como as instituições e órgãos que lhe asseguram, que buscam
estender o alcance do direito ao labor a todos os trabalhadores, inexistindo,
pois, viés de afetação particularizada, mas sim, verdadeiro empreendimento de
depauperação humana. Artigo 109, V-A e VI, da Constituição Federal.
3.
Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 11. ª Vara
Criminal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais⁄MG, ora suscitante (CC
113.428⁄MG, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJe
01⁄02⁄2011).
AGRAVO
REGIMENTAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE
ESCRAVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA 122,
DESTA CORTE. RECURSO DESPROVIDO.
I
- Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de redução a condição
análoga à de escravo, pois qualquer violação ao homem trabalhador e ao sistema
de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres
dos trabalhadores enquadra-se na categoria de crime contra a organização do
trabalho, desde que praticada no contexto da relação de trabalho.
II
- Acerca das demais imputações formuladas cuja competência para apuração é da
Justiça Estadual, incide o enunciado da Súmula 122, desta Corte.
III
- A insurgência do agravante traduz mero inconformismo com a declaração de
competência da Justiça Federal, o que não pode ensejar o conhecimento do
recurso.
IV
- Agravo regimental desprovido (AgRg no CC 105.026⁄MT, Rel. Ministro Gilson
Dipp, Terceira Seção, DJe 17⁄02⁄2011).
(...)
Como
citado no acórdão supra, o Supremo Tribunal Federal igualmente vem se
manifestando no sentido de que compete à Justiça Federal o julgamento do art.
149 do Código Penal.
Abaixo,
elenca-se julgados do Plenário e da Segunda Turma daquele órgão:
DIREITO
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
CRIMES DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO, DE EXPOSIÇÃO DA VIDA E SAÚDE
DESTES TRABALHADORES A PERIGO, DE FRUSTRAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS E OMISSÃO
DE DADOS NA CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. SUPOSTOS CRIMES CONEXOS.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, PROVIDO.
(...)
5.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 398.041 (rel. Min.
Joaquim Barbosa, sessão de 30.11.2006), fixou a competência da Justiça federal
para julgar os crimes de redução à condição análoga à de escravo, por entender
"que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e
instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos
trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a
Constituição lhe confere proteção máxima, enquadram-se na categoria dos crimes
contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho"
(Informativo no 450).
(...)
(RE
541627, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em
14/10/2008, DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008 EMENT VOL-02342-12
PP-02386 RTJ VOL-00208-02 PP-00853 RIOBTP v. 20, n. 237, 2009, p. 132-139)
EMENTA:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. EXTENSÃO DE DECISÃO QUE RECONHECEU A
CO-RÉU A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. DELITO CONTRA A
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
(...)
3.
Argüição de incompetência da Justiça Federal. Improcedência: o número de cento
e oitenta pessoas reduzidas à condição análoga a de escravo é suficiente à
caracterização do delito contra a organização do trabalho, cujo julgamento
compete à Justiça Federal (CB, art. 109, inc. VI). Ordem denegada.
(HC
91959, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/10/2007,
DJe-031 DIVULG 21-02-2008 PUBLIC 22-02-2008 EMENT VOL-02308-04 PP-00801)
DIREITO
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO Á CONDIÇÃO ANÁLOGA
À DE ESCRAVO. TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOS
FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES. ART. 109, VI DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
PROVIDO. A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à
proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de
trabalhadores a laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total
violação da liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime contra
a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como
violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para
proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios
trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a
Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos
crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações
de trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código
Penal (Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime
contra a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça
federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso
extraordinário conhecido e provido.
(RE
398041, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em
30/11/2006, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-09
PP-02007 RTJ VOL-00209-02 PP-00869)
É
preciso salientar, contudo, que a matéria encontra-se novamente sob discussão
no Plenário, como demonstra o Informativo 752 do STF, abaixo elencado:
Crime
de redução a condição análoga à de escravo e competência - 3
O
Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário, afetado pela 2ª Turma,
em que se discute a competência para processar e julgar ação penal por crime de
“reduzir alguém a condição análoga à de escravo” (CP, art. 149), se da justiça
estadual ou federal — v. Informativos 556 e 573. Em voto-vista, o Ministro
Joaquim Barbosa (Presidente) divergiu do entendimento do Ministro Cezar Peluso
(relator) e proveu o recurso, para reconhecer a competência da justiça federal.
Aduziu que esse caso seria similar ao tratado no RE 398.041/PA (DJe de
19.12.2008) , oportunidade em que o STF teria firmado a competência da justiça
federal para processar e julgar ação penal referente ao crime do art. 149 do
CP. Ressaltou que, após aquele julgamento, teria se aprofundado o combate ao
trabalho escravo no País, a indicar que a manutenção da competência da justiça
federal na matéria seria essencial para a segurança jurídica e para o
desenvolvimento social brasileiro. Asseverou que a Constituição traria robusto
conjunto normativo voltado à proteção e à implementação dos direitos
fundamentais, caracterizado pela preocupação com a dignidade humana e com a
construção de uma sociedade livre, democrática, igualitária e plural. Assinalou
que o constituinte teria dado importância especial à valorização da pessoa
humana e de seus direitos fundamentais, de maneira que a existência comprovada
de trabalhadores submetidos à escravidão afrontaria não apenas os princípios
constitucionais do art. 5º da CF, mas toda a sociedade, em seu aspecto moral e
ético.
RE
459510/MT, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.7.2014. (RE-459510)
Crime
de redução a condição análoga à de escravo e competência - 4
O Ministro Joaquim Barbosa consignou que os
crimes contra a organização do trabalho comportariam outras dimensões, para
além de aspectos puramente orgânicos. Nesse sentido, não se cuidaria apenas de
velar pela preservação de um sistema institucional voltado à proteção coletiva
dos direitos e deveres dos trabalhadores. Reputou que a tutela da organização
do trabalho deveria necessariamente englobar outro elemento: o homem, abarcados
aspectos atinentes à sua liberdade, autodeterminação e dignidade. Assim,
quaisquer condutas violadoras não somente do sistema voltado à proteção dos
direitos e deveres dos trabalhadores, mas também do homem trabalhador, seriam
enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se
praticadas no contexto de relações de trabalho. Anotou que a Constituição teria
considerado o ser humano como um dos componentes axiológicos aptos a dar
sentido a todo o arcabouço jurídico-constitucional pátrio. Ademais, teria
atribuído à dignidade humana a condição de centro de gravidade de toda a ordem
jurídica. Acresceu que o constituinte teria outorgado aos princípios
fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem
constitucional, inclusive dos direitos fundamentais, que integrariam o núcleo
essencial da Constituição. Salientou, nesse sentido, o art. 170 da CF (“A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social”). Ponderou que, diante da opção constitucional pela tutela da dignidade
intrínseca do homem, seria inadmissível pensar que o sistema de organização do
trabalho pudesse ser concebido unicamente à luz de órgãos e instituições,
excluído dessa relação o próprio ser humano.
RE 459510/MT, rel. Min. Cezar Peluso,
1º.7.2014. (RE-459510)
Crime
de redução a condição análoga à de escravo e competência - 5
O
Ministro Joaquim Barbosa registrou que o art. 109, VI, da CF estabelece
competir à justiça federal processar e julgar os crimes contra a organização do
trabalho, sem explicitar quais delitos estariam nessa categoria. Ressalvou que,
embora houvesse um capítulo destinado a esses crimes no Código Penal,
inexistiria correspondência taxativa entre os delitos capitulados naquele
diploma e os crimes indicados na Constituição, e caberia ao intérprete
verificar em quais casos se estaria diante de delitos contra a organização do
trabalho. Reputou que o bem jurídico protegido no tipo penal do art. 149 do CP
seria a liberdade individual, compreendida sob o enfoque ético-social e da
dignidade, no sentido de evitar que a pessoa humana fosse transformada em
“res”. Frisou que a conduta criminosa contra a organização do trabalho
atingiria interesse de ordem geral, que seria a manutenção dos princípios
básicos sobre os quais estruturado o trabalho em todo o País. Concluiu que o
tipo previsto no art. 149 do CP se caracterizaria como crime contra a
organização do trabalho, e atrairia a competência da justiça federal. Afastou
tese no sentido de que a extensão normativa do crime teria como resultado o
processamento e a condenação de pessoas inocentes pelo simples fato de se
valerem de trabalho prestado em condições ambientais adversas. Sob esse
aspecto, um tipo aberto ou fechado deveria ser interpretado pela justiça
considerada competente nos termos da Constituição. Sublinhou que a má redação
ou a contrariedade diante da disciplina penal de determinado tema não desautorizaria
a escolha do constituinte. Em seguida, pediu vista o Ministro Dias Toffoli.
RE 459510/MT, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.7.2014.
(RE-459510)
Recomenda-se
a leitura do inteiro teor do julgado, bem como o acompanhamento da questão no
STF. Temas que são reiterados nos Tribunais Superiores são importantes para
todos os interessados em direito e processo penal, especialmente para os que
estudam para concursos públicos.
Fiquem
conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa.
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