Caros Amigos,
Hoje, o tema continua sendo
o crime de genocídio. Entretanto, a discussão será a sua interpretação jurisprudencial.
Felizmente, a casuística não
é farta, o que, por um lado, é alentador, considerando-se a gravidade do
delito. Contudo, os poucos exemplos presentes justificam algumas linhas sobre o
tema.
Primeiramente, a competência
para julgar genocídio praticado contra população indígena é da Justiça Federal,
com base nos incisos IV e XI do artigo 109 da Constituição Federal. Esta, ao
menos, a conclusão presente na ementa abaixo elencada:
COMPETÊNCIA CRIMINAL.
Conflito. Crime praticado por silvícolas, contra outro índio, no interior de
reserva indígena. Disputa sobre direitos indígenas como motivação do delito.
Inexistência. Feito da competência da Justiça Comum. Recurso improvido. Votos
vencidos. Precedentes. Exame. Inteligência do art. 109, incs. IV e XI, da CF. A
competência penal da Justiça Federal, objeto do alcance do disposto no art.
109, XI, da Constituição da República, só se desata quando a acusação seja de
genocídio, ou quando, na ocasião ou motivação de outro delito de que seja índio
o agente ou a vítima, tenha havido disputa sobre direitos indígenas, não
bastando seja aquele imputado a silvícola, nem que este lhe seja vítima e,
tampouco, que haja sido praticado dentro de reserva indígena.
(RE 419528,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR
PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2006, DJ 09-03-2007 PP-00026 EMENT
VOL-02267-03 PP-00478)
O
julgamento do crime de genocídio, por sinal, compete ao juiz singular, e não ao
Tribunal do Júri. Afinal, o genocídio não se enquadra como crime dolosa contra
a vida. Seu objeto jurídico tutelado, como mencionado no inteiro teor do caso
citado abaixo, é “a existência de um grupo nacional étnico, racial ou religioso”.
Nem sequer se demanda o resultado morte para configuração do genocídio, como
citado no último post.
Nesse
sentido:
1. CRIME. Genocídio.
Definição legal. Bem jurídico protegido. Tutela penal da existência do grupo
racial, étnico, nacional ou religioso, a que pertence a pessoa ou pessoas
imediatamente lesionadas. Delito de caráter coletivo ou transindividual. Crime
contra a diversidade humana como tal. Consumação mediante ações que, lesivas à
vida, integridade física, liberdade de locomoção e a outros bens jurídicos
individuais, constituem modalidade executórias. Inteligência do art. 1º da Lei
nº 2.889/56, e do art. 2º da Convenção contra o Genocídio, ratificada pelo
Decreto nº 30.822/52. O tipo penal do delito de genocídio protege, em todas as
suas modalidades, bem jurídico coletivo ou transindividual, figurado na
existência do grupo racial, étnico ou religioso, a qual é posta em risco por
ações que podem também ser ofensivas a bens jurídicos individuais, como o
direito à vida, a integridade física ou mental, a liberdade de locomoção etc..
2. CONCURSO DE CRIMES. Genocídio. Crime unitário. Delito praticado mediante
execução de doze homicídios como crime continuado. Concurso aparente de normas.
Não caracterização. Caso de concurso formal. Penas cumulativas. Ações
criminosas resultantes de desígnios autônomos. Submissão teórica ao art. 70,
caput, segunda parte, do Código Penal. Condenação dos réus apenas pelo delito
de genocídio. Recurso exclusivo da defesa. Impossibilidade de reformatio in
peius. Não podem os réus, que cometeram, em concurso formal, na execução do
delito de genocídio, doze homicídios, receber a pena destes além da pena
daquele, no âmbito de recurso exclusivo da defesa. 3. COMPETÊNCIA CRIMINAL.
Ação penal. Conexão. Concurso formal entre genocídio e homicídios dolosos
agravados. Feito da competência da Justiça Federal. Julgamento cometido, em
tese, ao tribunal do júri. Inteligência do art. 5º, XXXVIII, da CF, e art. 78,
I, cc. art. 74, § 1º, do Código de Processo Penal. Condenação exclusiva pelo
delito de genocídio, no juízo federal monocrático. Recurso exclusivo da defesa.
Improvimento. Compete ao tribunal do júri da Justiça Federal julgar os delitos
de genocídio e de homicídio ou homicídios dolosos que constituíram modalidade
de sua execução.
(RE 351487,
Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2006, DJ
10-11-2006 PP-00050 EMENT VOL-02255-03 PP-00571 RTJ VOL-00200-03 PP-01360 RT v.
96, n. 857, 2007, p. 543-557 LEXSTF v. 29, n. 338, 2007, p. 494-523)
Vejam
que, neste caso, a denúncia não incluiu o crime de homicídio qualificado. Logo,
alguns Ministros optaram por não firmar entendimento se haveria concurso formal
ou conflito aparente de normas, em que pese a existência de inúmeras menções
elogiosas ao voto de relator, Min. Cezar Peluso. Caso houvesse concurso formal,
a competência passaria ao Tribunal do Juri, em face da conexão.
Recomenda-se,
e muito, a leitura dos acórdãos. A discussão jurídica é primorosa.
Fiquem
conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa.
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