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Direito de Permanecer em Silêncio v. Compromisso de Comparecer aos Atos Processuais



Caros Amigos,

Hoje o Blog trata de recente decisão prolatada pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, na Medida Cautelar 123.043-SP.

Em decisão monocrática, o Ministro entendeu que a ausência do acusado no interrogatório não poderia ocasionar, por si só, a decretação de sua preventiva, em razão do seu direito de ficar em silêncio.

Vejam o teor da decisão:

Aprecio o pedido de reconsideração ora deduzido (petição eletrônica nº 33.586/2014). E, ao fazê-lo, analisando-o na perspectiva dos fundamentos expostos pela parte impetrante, entendo que se justifica o acolhimento do pleito em questão.

Com efeito, a mera ausência do paciente a atos concernentes à instrução probatória, notadamente ao interrogatório judicial, não legitima, só por si, a decretação da prisão cautelar do réu, tal como esta Suprema Corte já decidiu:

“’HABEAS CORPUS’ – PRISÃO CAUTELAR DETERMINADA COM APOIO EM MÚLTIPLOS FUNDAMENTOS: NÃO COMPARECIMENTO DO ACUSADO EM AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA DA ACUSAÇÃO; AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO IDÔNEA APTA A JUSTIFICAR ESSA CIRCUNSTÂNCIA; SUPOSTA INTENÇÃO DO RÉU DE FRUSTRAR O CUMPRIMENTO DE PRISÃO PROCESSUAL RELACIONADA A PROCESSO DIVERSO; E DECRETAÇÃO DE REVELIA DO ORA PACIENTE – ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA PRISÃO CAUTELAR QUANDO DECRETADA, UNICAMENTE, COM SUPORTE EM JUÍZOS MERAMENTE CONJECTURAIS – INDISPENSABILIDADE DA VERIFICAÇÃO CONCRETA DE RAZÕES DE NECESSIDADE SUBJACENTES À UTILIZAÇÃO, PELO ESTADO, DESSA MEDIDA EXTRAORDINÁRIA – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE – INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO – ‘HABEAS CORPUS’ DEFERIDO.” (HC 95.999/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vale observar, por oportuno, que nem mesmo a eventual decretação da revelia do acusado autorizaria a utilização da medida excepcional da privação cautelar da liberdade daquele que sofre persecução penal por parte do Estado:

 “I – Prisão preventiva: revelia do acusado citado por edital não basta a fundamentá-la: inteligência da nova redação do art. 366 C.Pr.Penal (…).” (HC 79.392/ES, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

“(...) a revelia do acusado, mormente quando citado por edital, não justifica, por si só, a prisão preventiva; o mesmo sucedendo com a ausência de comprovação de residência fixa e ocupação lícita (…).” (HC 80.805/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – grifei) “(...)

‘HABEAS CORPUS’ – CONCESSÃO DE OFÍCIO. Uma vez verificado constrangimento ilegal, ainda que no bojo de habeas corpus inadmitido, cumpre a concessão da ordem de ofício. Isso ocorre quando a prisão preventiva foi decretada pelo simples fato de os acusados não haverem comparecido à audiência para a qual intimados (…).” (HC 90.756/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

Cabe enfatizar, ainda, tratando-se de interrogatório judicial, que o não comparecimento do réu não constitui fundamento suficiente para legitimar a decretação da prisão cautelar do acusado, pois este – como se sabe – sequer está obrigado a responder às perguntas formuladas pelo magistrado (CPP, art. 186, “caput”), considerado o direito fundamental, que assiste a qualquer pessoa sob persecução penal, de permanecer em silêncio (“nemo tenetur se detegere”), consoante tem sido reconhecido pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (HC 79.812/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 94.601/CE, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 99.289/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 101.909/MG, Rel. Min. AYRES BRITTO – HC 106.876/RN, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 114.095/MS, Rel. Min. LUIZ FUX – HC 119.941/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RHC 109.978/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, v.g.).

Assinalo, de outro lado, que ora paciente buscou justificar os motivos de sua ausência ao interrogatório judicial, não obstante inafastável a sua prerrogativa fundamental de exercer, sem qualquer consequência negativa, o direito ao silêncio (CPP, art. 186, parágrafo único).

Registro, finalmente, que a afirmação de reiteração criminosa também não se revela bastante, só por si, para justificar a imposição, ao réu, da privação cautelar de sua liberdade individual, eis que, como não se desconhece, tal fundamento tem sido desautorizado pelo magistério jurisprudencial desta Corte Suprema (HC 93.790/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 102.300/RS, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – HC 115.613/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE APOIAR-SE EM JUÍZOS MERAMENTE CONJECTURAIS. - A mera suposição, fundada em simples conjecturas, não pode autorizar a decretação da prisão cautelar de qualquer pessoa. - Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal.“ (HC 95.999/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de reconsideração formulado na peça protocolada sob nº 33.586/2014, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, suspender, cautelarmente, a eficácia do decreto de prisão preventiva do ora paciente, referentemente ao Processo nº 2008.61.20.010139-0 (2ª Vara Federal de Araraquara/SP), expedindo-se, imediatamente, em favor desse mesmo paciente, se por al não estiver preso, o pertinente alvará de soltura.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Excelentíssimo Senhor Presidente do E. Superior Tribunal de Justiça (RHC 40.178/SP), ao Senhor Presidente do E. TRF/3ª Região (HC nº 0034649-49.2012.4.03.0000) e ao ilustre magistrado da 2ª Vara Federal de Araraquara/SP (Processo nº 2008.61.20.010139-0).

Publique-se.

Brasília, 18 de agosto de 2014.

Ministro CELSO DE MELLO Relator

A Sexta Turma do STJ havia mantido a prisão preventiva, pois o acusado teria quebrado compromisso assumido quando da concessão da liberdade provisória (comparecer aos atos do processo), bem como fornecido endereços que dificultavam sua localização.

RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE GARANTIR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL E A ORDEM PÚBLICA. RÉU NÃO ENCONTRADO NOS ENDEREÇOS CONSTANTES NOS AUTOS. QUEBRA DE COMPROMISSO. REITERAÇÃO DELITIVA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. A quebra de compromisso assumido quando da concessão da liberdade provisória (concedida em razão de vício formal no processo), fixado para garantia da aplicação da lei penal, bem como a dificuldade em encontrar o paciente nos endereços fornecidos nos autos são fundamentos suficientes para a negativa do direito de recurso em liberdade.
2. É idônea a fundamentação da prisão preventiva para fazer cessar a reiteração da prática delitiva.
3. Recurso ordinário em habeas corpus improvido.
(RHC 40178/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 09/05/2014)

O debate jurídico é bem interessante, pois pode tornar inócuo o compromisso de comparecer aos atos do processo como condição da concessão de liberdade provisória.

Considerando-se que a decisão é monocrática, convém acompanhar a questão para ver se a decisão será mantida pelo colegiado.

Atentem para o inteiro teor das decisões citadas.

Fiquem conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa.

Comentários

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