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Fenômeno da Serendipidade




Caros Amigos,

Hoje o Blog tratará do fenômeno da serendipidade, recentemente destacado no Informativo n.º 539 do Superior Tribunal de Justiça, ao retratar o HC 282.096/SP.

Segundo o citado julgado, fenômeno da serendipidade consistiria na “na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação”. É o que ocorre, por exemplo, quando a quebra de sigilo bancário e fiscal acaba ensejando a descoberta de delito que não era objeto de investigação, justamente como ocorreu no HC 282.096/SP, julgado pela Sexta Turma.

Ambos colegiados criminais do STJ já se manifestaram neste sentido:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. FORMAÇÃO DE QUADRILHA E LAVAGEM DE DINHEIRO. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. INOCORRÊNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA.
1. A existência de previsão específica, no art. 105, II, "a", da CF, de cabimento de recurso ordinário contra decisões denegatórias de habeas corpus exclui toda e qualquer interpretação no sentido de autorizar o manejo do writ originário nesta Corte, substitutivo de recurso ordinário, com fundamento no art. 105, I, "c", da CF.
2. Assim, verificada a hipótese de dedução de habeas corpus em lugar do recurso ordinário constitucional, impõe-se o não conhecimento da impetração, nada impedindo, contudo, que se corrija de ofício eventual ilegalidade flagrante como forma de coarctar o constrangimento ilegal, situação inocorrente na espécie.
3. Em relação ao paciente Willian, conforme noticiado pelo Juízo de primeira instância, o writ encontra-se prejudicado, pois teve extinta a punibilidade em decorrência de seu óbito.
4. As interceptações telefônicas ora impugnadas não foram realizadas tão somente para apuração de crimes contra a ordem tributária, nem sequer havia conhecimento da prática de tais crimes quando de sua determinação, sendo certo que o início das investigações visava averiguar a prática de contrabando e descaminho.
5. Ademais, os pacientes sequer chegaram a ser denunciados por delitos contra a ordem tributária, mas sim por crimes outros, como formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Logo, não há que se cogitar de ausência de substrato fático para a deflagração das investigações, por meio de interceptações.
6. Ainda que as condutas imputadas aos ora pacientes não guardem relação direta com aquelas que originaram a quebra do sigilo, mostra-se legítima a utilização da referida medida cautelar preparatória, se por meio dela descobriu-se fortuitamente a prática de outros delitos.
7. De outro lado, as decisões que determinaram a quebra do sigilo de comunicação dos pacientes foram devidamente fundamentadas, destacando-se os indícios da prática de crimes e da participação dos agentes, demonstrando-se, de maneira concreta, a necessidade da quebra do sigilo para que se pudesse elucidar a teia delituosa, bem como em que medida deveria ser utilizada.
8. A jurisprudência desta Casa de Justiça e a do Supremo Tribunal Federal são no sentido de que as escutas podem extrapolar o prazo veiculado no art. 5º, da Lei n. 9.296/96 - 15 mais 15 dias - sempre que comprovada a necessidade, como ocorreu na espécie.
9. Ordem prejudicada em parte e, quanto ao mais, não conhecida.
(HC 187.189/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 23/08/2013)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRORROGAÇÃO DO MONITORAMENTO. VIABILIDADE. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. IDENTIFICAÇÃO DE TERCEIRO RELACIONADO COM O OBJETO DA INVESTIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DAS PROVAS. FENÔMENO DA SERENDIPIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO DO DOLO DO AGENTE. PRECEDENTE. RECURSO DESPROVIDO.
1.  A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias essas, no caso, não evidenciadas de plano.
2. O prazo de duração da interceptação telefônica pode ser seguidamente prorrogado, quando a complexidade da investigação assim o exigir, desde que em decisão devidamente fundamentada, como in casu, em se considerando a ausência de comprovação da ilicitude das renovações.
3.  O deferimento de interceptação de comunicações telefônicas deve ser acompanhado de descrição da situação objeto da investigação, inclusive, salvo impossibilidade, com a indicação e a qualificação do investigado, nos moldes do parágrafo único do art. 2.º da Lei n.º 9.296/96.
4. A descoberta de fatos novos advindos do monitoramento judicialmente autorizado pode resultar na identificação de pessoas inicialmente não relacionadas no pedido da medida probatória, mas que possuem estreita ligação com o objeto da investigação. Tal circunstância não invalida a utilização das provas colhidas contra esses terceiros (Fenômeno da Serendipidade). Precedentes.
5. A denúncia deve observar criteriosamente os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, sob pena de inépcia. Entretanto, nos delito dolosos, mostra-se dispensável a descrição do elemento subjetivo do tipo, bastante a menção do preceito legal, em tese, violado, razão por que inviável a rejeição liminar da peça acusatória.
6.  Recurso ordinário desprovido.
(RHC 28.794/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 13/12/2012)

HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA. 1. SERENDIPIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS MOTIVADAS E PROPORCIONAIS. IMPRESCINDIBILIDADE PARA O PROSSEGUIMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. 2. PRORROGAÇÃO COM BASE EM INDÍCIOS DE CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. CRIMES CONEXOS. 3. PRORROGAÇÃO SUPERIOR À TRINTA DIAS. RAZOABILIDADE. INVESTIGAÇÃO COMPLEXA. 4. ORDEM DENEGADA.
1. A interceptação telefônica vale não apenas para o crime ou indiciado objeto do pedido, mas também para outros crimes ou pessoas, até então não identificados, que vierem a se relacionar com as práticas ilícitas. A autoridade policial ao formular o pedido de representação pela quebra do sigilo telefônico não pode antecipar ou adivinhar tudo o que está por vir. Desse modo, se a escuta foi autorizada judicialmente, ela é lícita e, como tal, captará licitamente toda a conversa.
2. Durante a interceptação das conversas telefônicas, pode a autoridade policial divisar novos fatos, diversos daqueles que ensejaram o pedido de quebra do sigilo. Esses novos fatos, por sua vez, podem envolver terceiros inicialmente não investigados, mas que guardam relação com o sujeito objeto inicial do monitoramento.
Fenômeno da serendipidade.
3. Na espécie, os pressupostos exigidos pela lei foram satisfeitos.
Tratava-se de investigação de crimes punidos com reclusão, conexos com crimes contra a fauna, punidos com detenção. Além disso, tendo em vista que os crimes de corrupção ativa e passiva não costumam acontecer às escâncaras - em especial tratando-se de delitos cometidos contra a Administração Pública, cujo modus operandi prima pelo apurado esmero nas operações - está satisfeita a imprescindibilidade da medida excepcional.
4. Todas as decisões do Juízo singular autorizando a renovação das escutas telefônicas foram precedidas e alicerçadas em pedidos da Autoridade Policial. O magistrado utilizou-se da técnica de motivação per relationem, o que basta para afastar a alegação de que a terceira prorrogação do monitoramento telefônico baseou-se apenas em indícios de crime apenado com detenção, pois depreende-se da representação da autoridade policial que os crimes objeto da investigação eram os de corrupção passiva - punido com reclusão -  e o descrito no art. 29, § 1º, inciso III, da Lei n.º 9.605/1998.
5. A Lei n.º 9.296/96 é explícita quanto ao prazo de quinze dias, bem assim quanto à renovação. No entanto, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, essa aparente limitação do prazo para a realização das interceptações telefônicas não constitui óbice à renovação do pedido de monitoramento telefônico por mais de uma vez. Precedentes.
6. No caso, não seria razoável limitar as escutas ao prazo único de trinta dias, pois, a denúncia indica a participação de 10 (dez) réus, e se pauta em um conjunto complexo de relações e de fatos, com a imputação de diversos crimes, dentre os quais a corrupção ativa.
Assim, não poderia ser ela viabilizada senão por meio de uma investigação contínua e dilatada a exigir a interceptação ao longo de diversos períodos de quinze dias. Precedentes.
7. Habeas corpus denegado.
(HC 144.137/ES, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 31/08/2012)

Os fundamentos para a licitude das provas neste caso são basicamente dois. Primeiramente, a prova deve ser considerada lícita porque oriunda de medida cautelar deferida dentro dos parâmetros legais. Por outro lado, não se poderia exigir da autoridade policial que antecipasse todos os delitos que poderiam ser desvelados pela referida medida.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos julgados. Fiquem conosco!

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