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Omissão de registro na CTPS e conseqûências na seara penal



Caros Amigos,

Hoje comentaremos o REsp 1.252.635/SP, recentemente julgado pela Quinta Turma do STJ, que versa sobre a omissão do registro de contrato de trabalho na Carteira de Trabalho (CTPS).

Primeiramente, a Quinta Turma registrou que a referida omissão enquadra-se formalmente no tipo previsto no art. 297, § 4.º, do Código Penal. Entretanto, para que se configure o crime, é imprescindível: a) a existência de dolo, bem como b) omissão de informação juridicamente relevante.

No tocante ao dolo, registrou o eminente relator a complexidade das relações laborais, as quais frequentemente demandam a intervenção da Justiça do Trabalho para o seu esclarecimento. Neste sentido:

Mister destacar, ainda, que a natureza jurídica da relação de subordinação entre os contratantes (trabalhista ou prestação de serviço autônomo) pode assumir contornos de alta complexidade, que somente será esclarecida ao final do litígio na Justiça Trabalhista. Nesse contexto, vislumbra-se, inclusive, a possibilidade de o agente ter agido com falsa percepção da realidade, em verdadeiro erro de tipo. Dessa forma, sendo certo que o erro sobre elemento constitutivo do tipo exclui o dolo, torna-se imprescindível a efetiva demonstração de que o agente possuía vontade livre e consciente de vilipendiar a fé pública.

Por outro lado, a omissão deve ser juridicamente relevante. No caso concreto, pontuou a Quinta Turma que:

Deve-se atentar, outrossim, para o fato de que o tipo penal de falso, quer por ação quer por omissão, deve ser apto a iludir a percepção daquele que se depara com o documento supostamente falsificado. Ao se questionar a relação trabalhista na Justiça Especializada, a omissão na Carteira de Trabalho não foi apresentada como prova da ausência de vínculo empregatício, ou seja, a conduta imputada à recorrida não se mostrou suficiente, por si só, a gerar consequências outras além de um processo trabalhista em que se discutia a gênese da relação da contratada e da contratante.

Assim, não verifico, num primeiro momento, a efetiva vulneração ao bem jurídico tutelado, qual seja, a fé pública, haja vista o documento público - Carteira de Trabalho e Previdência Social - não ter perdido sua autenticidade. Dessa forma, não há se falar em falsidade material. De igual modo, não havendo a anotação de quaisquer dados não há como se afirmar, peremptoriamente, que se pretendia alterar ideologicamente a realidade.

Por fim, registre-se que o princípio da intervenção mínima constou como um dos principais fundamentos da aplicação do art. 297, § 4.º, do CP ao caso em concreto, tendo em vista que o art. 47 da Consolidação das Leis do Trabalho já basta para desestimular a omissão de registro em CTPS. Segundo o inteiro teor:

Assim, apenas as condutas praticadas com especial gravidade e aquelas que atingem bem jurídicos de relevância fundamental para a vida em sociedade são erigidas à categoria criminal. Ademais indispensável não apenas a demonstração da tipicidade formal, mas antes e principalmente da tipicidade material, para que o direito penal não seja invocado para solucionar situações que não demandam sua gravosa intervenção.

Dessa forma e diante de todas as ponderações feitas, considero que a conduta imputada à recorrida, nos termos em que delineada, não repercute no direito penal, razão pela qual mantenho a decisão do Tribunal de origem, que reconheceu a atipicidade da conduta.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor do julgado, bem como dos dispositivos legais citados. Fiquem conosco!

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