Pular para o conteúdo principal

Forte retórica na defesa do cliente não pode ser confundida com calúnia




Caros Amigos,

Nos autos da Reclamação 15.574-RJ, o Min. Rogério Schietti Cruz, da Terceira Seção do STJ, reiterou entendimento daquela Corte no sentido de que a imunidade prevista no art. 142 do Código Penal (e no art. 7º, § 2.º, do Estatuto da Advocacia) abrange a injúria e a difamação, mas não a calúnia.

Entretanto, para a configuração do crime da calúnia, é imprescindível a existência de dolo, o que inocorre quando o advogado apenas apresenta manifestação defensiva no interesse do seu cliente.

Como restou bem destacado pela mencionada decisão, a 6ª Turma do STJ já havia decidido que o uso de "forte retórica" pelo advogado não pode ser confundido com intenção de macular a honra de terceiro. Neste sentido:

HABEAS CORPUS. PENAL. CALÚNIA, INJÚRIA E DIFAMAÇÃO.  CRIMES QUE TERIAM SIDO PRATICADOS POR ADVOGADO NA ELABORAÇÃO DAS RAZÕES DE APELAÇÃO. JUIZ DE DIREITO. SUPOSTA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AFERIÇÃO. POSSIBILIDADE. QUEIXA-CRIME LASTREADA APENAS NA PEÇA PROCESSUAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. FALTA DE JUSTA CAUSA CONFIGURADA. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS DESCRITAS NA PEÇA ACUSATÓRIA. IMUNIDADE PROFISSIONAL (INJÚRIA E DIFAMAÇÃO). ART. 7º, § 2º, LEI N. 8.906/1994.
(...)
7. É entendimento pacífico que o advogado, na sua atuação, não comete os crimes de injúria e difamação, por força da imunidade que lhe é conferida pelo art. 7º, § 2º, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil).
8. Situação, ainda, em que, embora o advogado tenha se utilizado de forte retórica em sua petição, dela não se extrai nenhuma intenção dolosa de macular a honra objetiva ou subjetiva do querelante, sendo as críticas restritas à decisão impugnada e à sua atuação no processo.
9. Caso concreto em que a conduta do magistrado-querelante causou estranheza inclusive à juíza titular da Vara, que, ao receber o recurso de apelação em cujas razões teriam sido praticados os delitos, criticou explicitamente o procedimento adotado.
10. Ordem concedida para, reconhecendo-se a atipicidade das condutas e a ausência de justa causa, determinar o trancamento e a extinção da ação penal.
(HC 213.583/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 06/08/2012)

A Quinta Turma já apresentou entendimento semelhante, recentemente:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE CALÚNIA A JUIZ DE DIREITO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO VOLITIVO ESSENCIAL PARA A CARACTERIZAÇÃO DO ALUDIDO DELITO CONTRA A HONRA. CONSTATAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL SEM NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO. RECURSO PROVIDO.
(...)
3. Contudo, na espécie, mesmo em habeas corpus, fica evidente o flagrante constrangimento ilegal ocasionado ao paciente, haja vista que na petição dirigida ao Juízo não se vislumbra a imprescindível vontade dirigida a ofender a honra alheia. As expressões tidas como ofensivas foram proferidas pelo recorrente no exercício da atividade profissional, como advogado, e guardam uma clara relação de causalidade com a forma adotada pelo magistrado diante do que foi certificado pelo Oficial de Justiça.
4. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá provimento para trancar a ação penal originária em trâmite na 2ª Vara Criminal de Osasco/SP.
(RHC 42.888/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 12/03/2014)

A Primeira Turma do STF comungou do citado posicionamento:

PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL. CRIME CONTRA A HONRA DE MAGISTRADO. SUPOSTAS OFENSAS PROFERIDAS POR ADVOGADO NO BOJO DE MANDADO DE SEGURANÇA. DELITO DE CALÚNIA. INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO. LIMITAÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. ORDEM DEFERIDA PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL.
1. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à excepcionalidade do trancamento de ação penal pela via processualmente acanhada do habeas corpus. Jurisprudência, essa, lastreada na idéia-força de que o trancamento da ação penal é medida restrita a situações que se reportem a conduta não-constitutiva de crime em tese, ou quando já estiver extinta a punibilidade, ou, ainda, se inocorrentes indícios mínimos da autoria (HCs 87.310, 91.005 e RHC 88.139, de minha relatoria; HC 85.740, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; e HC 85.134, da relatoria do ministro Marco Aurélio).
2. A prerrogativa estampada no art. 133 da Constituição Federal se põe como uma condição mesma de exercício altivo e desembaraçado com independência funcional e desassombro pessoal, portanto. Razão de ser da estruturação da atividade advocatícia em lei necessariamente especial ou orgânica (Lei nº 8.906/94). Todavia, a inviolabilidade constitucionalmente assegurada ao advogado não se estende ao delito de calúnia
3. Na concreta situação dos autos, o processamento da denúncia ajuizada contra o paciente encontra óbice no que dispõe o inciso III do art. 395 do Código de Processo Penal. É que a denúncia não descreve fatos integralizadores dos elementos objetivos e subjetivos do tipo penal de calúnia. Situação a autorizar o excepcional trancamento da ação penal na via processualmente contida do habeas corpus.
4. Ordem concedida.
(HC 98631, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 02/06/2009, DJe-121 DIVULG 30-06-2009 PUBLIC 01-07-2009 EMENT VOL-02367-04 PP-00712 LEXSTF v. 31, n. 367, 2009, p. 471-486)

Da mesma forma, a Segunda Turma do STF já partilhou do citado entendimento, embora tenha se posicionado no sentido de que a existência ou não de dolo deve ser apreciada nas vias ordinárias. Neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. CALÚNIA. CRIME NÃO ALCANÇADO PELA INVIOLABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 133 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DOLO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. A inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício da profissão, estabelecida pelo art. 133 da Constituição da República, é relativa, não alcançando todo e qualquer crime contra a honra.
2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que o crime de calúnia não é alcançado pela imunidade. Precedentes.
3. O trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus, se dá excepcionalmente, quando evidente o constrangimento alegado.
4. Questão relativas ao dolo da prática criminosa remetem à análise aprofundada dos elementos fático-probatórios, não podendo ser conhecidos na via extraordinária.
5. Agravo regimental desprovido.
(RE 585901 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-07 PP-01514 RF v. 106, n. 412, 2010, p. 373-375)

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos julgados. Fiquem conosco!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Intimação: advogado constituído x nomeado

  Caros Amigos, Hoje vamos falar de tópico de processo penal que se encaixa perfeitamente em uma questão de concurso: a intimação do defensor dos atos processuais. Pois bem. Dispõe o art. 370, § 1.º, do Código de Processo Penal que " a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado ". Contudo, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que " a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal ". Assim, para o defensor constituído, a intimação pode se dar pela publicação de nota de expediente, o que inocorre com o nomeado (público ou dativo), que deve ser intimado pessoalmente. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do STJ: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE DO JULGAMENTO DO APELO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES NOMEA...

Causa de aumento e conhecimento de ofício

Caros Amigos, O magistrado pode reconhecer, de ofício, a existência de causa de aumento de pena não mencionada  na denúncia? A literalidade do art. 385 do Código de Processo Penal nos indica que não. Afinal, segundo ele, apenas as agravantes podem ser reconhecidas de ofício. Vejam o seu teor: Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Recentemente, o informativo 510 do Superior Tribunal de Justiça indicou que esta seria mesmo a orientação correta. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. V...

Crimes Ambientais - Interrogatório da Pessoa Jurídica

Caros Amigos, Os crimes contra o meio ambiente são uma matéria de relevante impacto social, a qual, contudo, ainda não recebe a devida atenção pelos estudiosos do Direito. Como o Blog foi feito para oferecer soluções, teremos neste espaço, periodicamente, discussões sobre este tema. Hoje, o tópico é interrogatório da pessoa jurídica. Sei que muitos jamais refletiram sobre a questão. Entretanto, é algo que ocorre com alguma frequência, já que, diante dos artigos 225, § 3.º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/98, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Sendo tal responsabilização constitucional e legalmente prevista, é imprescindível que seja oferecido ao acusado a possibilidade de oferecer a sua versão dos fatos, o que ocorre através do interrogatório. Nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98, para que haja a condenação de ente fictício, é preciso que “ a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,...