Caros
Amigos,
De quem é
a competência para julgar os atos daquele que é acusado de violar as
dependências de consulado estrangeiro para praticar dano, mantendo agente
consular em cárcere privado? Justiça federal ou estadual?
Segundo a
Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no CC 133.092/RS), a
competência seria da Justiça Estadual, porquanto: a) não haveria ofensa direta
a bem, direito ou interesse da União Federal, bem como b) pelo fato da conduta
não ostentar traço de internacionalidade.
Segundo o
inteiro teor:
Com efeito, os
crimes imputados estão previstos no Código Penal, não havendo qualquer indício
de internacionalidade do fato. De igual modo, as condutas ilícitas não
ofenderam diretamente os bens, serviços ou interesses da União, entidades
autárquicas ou empresas públicas federais, o que afasta, por conseguinte, a
competência da Justiça Federal.
Nessa linha de
raciocínio, confiram-se os precedentes:
CONFLITO
NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. USO DE DOCUMENTOS FALSOS PARA OBTENÇÃO DE VISTO
PERANTE SEÇÃO CONSULAR DA EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. COMPETÊNCIA
DO JUÍZO ESTADUAL COMUM ONDE FORAM APRESENTADOS OS DOCUMENTOS.
1.
Considerando-se que os documentos falsificados foram em tese utilizados pela
acusada para instruir pedido de visto perante a Seção Consular da Embaixada dos
Estados Unidos da América, representação de Estado estrangeiro no território
nacional, não há que se falar em competência da Justiça Federal para processar
e julgar o feito, por inexistir prejuízo a bens, serviços ou interesses da
União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.
2. Conflito
conhecido para declarar-se competente o Juízo de Direito de uma das Varas
Criminais de Brasília-DF.
(CC 104334⁄DF,
Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe de 03⁄08⁄2009)
CONFLITO DE
COMPETÊNCIA. VIOLAÇÃO DO SÍTIO DA EMBAIXADA DOS EUA. POSSÍVEL CRIME DE DANO.
AUTORIA DESCONHECIDA. PEDIDO DE QUEBRA DE SIGILO DE DADOS. COMPLEXIDADE.
INCOMPATIBILIDADE COM OS PRINCÍPIOS QUE REGEM O JUIZADO ESPECIAL.
1. O caso em
tela não se subsume a nenhuma das hipóteses descritas nos incisos do art. 109
da Constituição Federal. Incompetência da Justiça Federal.
2. Há evidente
necessidade de diligências de maior complexidade para apuração dos fatos e da
autoria, providências essas que incluem, aliás, o pedido em questão de quebra
de sigilo de dados. Nesse contexto, muito embora o crime de dano, por definição
legal, esteja enquadrado como de menor potencial ofensivo, dada as
circunstâncias, incompatíveis com os princípios que regem os Juizados
Especiais, mormente o da celeridade e o da informalidade, deve o feito ser
processado perante o Juízo de Direito Comum.
3. Conflito
conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 3.ª Vara Criminal
da Circunscrição Especial de Brasília⁄DF.
(CC 56786⁄DF,
Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJ de 23⁄10⁄2006)
Cumpre
ressaltar, por oportuno, que o fato de competir à União a manutenção de
relações diplomáticas com Estados Estrangeiros, de que derivam as relações
consulares, assim como o disposto nos incisos I e II do art. 109, da
Constituição Federal, não altera a competência penal da Justiça Federal,
prevista, como já dito, nos incisos IV e V do mencionado artigo.
A corroborar
esse entendimento, peço vênia para transcrever o seguinte trecho das bem
lançadas razões proferidas pelo Juízo Federal, o suscitante:
Acerca da
competência criminal da Justiça Federal, assim dispõe o art. 109 da
Constituição Federal:
Art. 109. Aos
juízes federais compete processar e julgar:
(...)
IV - os crimes
políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,
excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da
Justiça Eleitoral;
V- os crimes previstos
em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o
resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
(...)
Apesar da
decisão do Juízo Estadual estar fundamentada no inciso IV, creio que a hipótese
descrita pelo Ministério Público Estadual em sua promoção de declinação de
competência melhor se submeteria ao inciso V do dispositivo acima transcrito,
visto que o fundamento apresentado pelo Parquet seria de violação a artigos de
convenção internacional, no caso a Convenção de Viena.
A dita Convenção
de Viena, inserida no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n° 56.435,
de 08 de junho de 1965, é um tratado que versa sobre relações, privilégios e
imunidades diplomáticas. Dentre seus artigos, traça diretrizes quanto à
proteção que os Estados devem conferir às missões diplomáticas e aos agentes
diplomáticos, sem, contudo, imputar tal responsabilidade, especificamente, à
União, Estados ou Municípios. Nesse particular, destacam-se os artigos 22 e 29,
os quais serviram de esteio à decisão de declinação da competência:
Artigo 22
1.Os locais da
Missão são invioláveis. Os Agentes do Estado acreditado não poderão nêles
penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão.
2.O Estado
acreditado tem a obrigação especial de adotar tôdas as medidas apropriadas para
proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar
perturbações à tranqüilidade da Missão ou ofensas ã sua dignidade.
3.Os locais da
Missão, em mobiliário e demais bens nêles situados, assim como os meios de
transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou
medida de execução.
Artigo 29
A pessoa do
agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de
detenção ou prisão. O Estado acreditado trata-lo-á com o devido respeito e
adotará tôdas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa,
liberdade ou dignidade.
Depreende-se que
a obrigação dos Estados acreditados de proteger as missões diplomáticas passa a
se inserir dentro do esquema de segurança já estruturado internamente em nosso
País, enquadrando-se, muito provavelmente, na competência estadual, visto ser
primordialmente dos Estados a responsabilidade pela manutenção da segurança
pública, com exceção das fronteiras e de bens, serviços ou interesses da União.
Outrossim, os
dispositivos legais supra não criam tipos penais, pois não descrevem condutas
delitivas em abstrato.
Portanto, por
não imputarem os art. 22 e 29 da Convenção de Viena quaisquer espécies de crimes,
entendo que o caso dos autos não se subsume à previsão do inciso V do art. 109
da Constituição Federal. Da mesma forma, tampouco incide a previsão do inciso
IV do aludido dispositivo constitucional, visto que não foram praticadas
infrações que atentassem contra bens, serviços ou interesses da União ou de
suas entidades autárquicas e empresas públicas.
Por fim, cumpre
destacar julgado da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no qual, em
caso similar ao dos autos - violação e dano a embaixada estrangeira -, restou
firmada a incompetência da Justiça Federal para apreciação da matéria (sem
grifo no original):
Ante o exposto,
nego provimento ao agravo regimental.
A decisão
foi prolatada por unanimidade pela Terceira Seção. Da mesma forma, fundou-se o
acórdão em outros julgados semelhantes daquele mesmo órgão, que merecem a
leitura do interessados.
Entretanto,
é preciso salientar que o Ministério Público Federal interpôs o competente
recurso extraordinário, pelo que convém acompanhar a matéria.
Recomenda-se
a leitura do inteiro teor dos julgados.
Fiquem
conosco e boa semana.
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