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Competência Criminal e Junta Comercial



Caros Amigos,

De quem é a competência para julgar o crime de uso de documento falso perante Junta Comercial dos Estados?

A questão não é simples, pois as Juntas, exceto no tocante ao Distrito Federal, subordinam-se tecnicamente ao Departamento Nacional de Registro do Comércio, mas administrativamente aos Estados. Vejam o art. 6º da Lei 8.934/94:

Art. 6º As juntas comerciais subordinam-se administrativamente ao governo da unidade federativa de sua jurisdição e, tecnicamente, ao DNRC, nos termos desta lei.

Parágrafo único. A Junta Comercial do Distrito Federal é subordinada administrativa e tecnicamente ao DNRC.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente a questão no CC 130.516-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/2/2014, sendo a matéria destacada no Informativo 536 do STJ.

Vejam o seguinte trecho do inteiro teor, que bem sintetiza a questão:

O art. 6º da Lei n. 8.934⁄1994 prescreve que "as juntas comerciais subordinam-se administrativamente ao governo da unidade federativa de sua jurisdição e, tecnicamente, ao Departamento Nacional de Registro do Comércio".

Ao interpretar este dispositivo legal, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça sedimentou o entendimento de que, para se firmar a competência para processar e julgar feitos que envolvam a junta comercial de um estado, é necessário aferir a existência de ofensa direta aos bens e serviços ou interesses da União, conforme ditos do art. 109,  IV, da Constituição Federal. Nesse sentido:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. INSERÇÃO INDEVIDA DO NOME DE TERCEIRO NO CONTRATO SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA. ATIVIDADE FEDERAL DA JUNTA COMERCIAL NÃO AFETADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. As Juntas Comerciais exercem atividades de natureza federal, porquanto, embora sejam administrativamente subordinadas ao governo da unidade federativa em que se encontram localizadas, estão tecnicamente vinculadas ao Departamento Nacional de Registro do Comércio, órgão federal integrante do Ministério da Indústria e do Comércio, conforme preceitua o art. 6º da Lei nº 8.934⁄1994.
2. Constatada a ausência de ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União, tendo em vista que o suposto delito de falsidade ideológica foi cometido contra particular e com a finalidade de fraudar eventuais credores da sociedade empresária, não havendo qualquer relação com a lisura dos serviços prestados pela Junta Comercial do Estado da Bahia, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Estadual.
3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de Salvador⁄BA, o suscitado.
(CC 119.576⁄BA, Rel. Ministro Marco Aurélio Belizze, 3ª.S., DJe 21.6.2012)

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. UTILIZAÇÃO DE CPF DE TERCEIRO PARA CONSTITUIÇÃO DE EMPRESA. ATIVIDADE FEDERAL NÃO- AFETADA. PREJUÍZO DO PARTICULAR. INTERESSE GENÉRICO E REFLEXO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. As Juntas Comerciais exercem atividade de natureza federal, por estarem tecnicamente subordinadas ao Departamento Nacional de Registro do Comércio, a teor do art. 6º da Lei 8.934⁄94, inexistindo interesse do ente federal caso não haja prejuízo aos serviços prestados.
2. Constatado que a União não foi ludibriada nem sofreu prejuízos, pois enganado foi o particular que teve o documento utilizado para a constituição de estabelecimento comercial, resta afastada a competência da Justiça Federal.
3. Eventual prejuízo experimentado pela União na prática delitiva seria reflexo, haja vista que se exige interesse direto e específico.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Especializada Criminal de Salvador⁄BA, ora suscitante.
(CC 81.261⁄BA, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 3ª.S., DJe 16.3.2009)

Como, no caso, o acusado teria apresentado documentos supostamente falsos para constituir empresas e registar embarcação na Junta Comercial do Estado de São Paulo, a Terceira Seção não verificou “qualquer prejuízo direto aos bens, serviços ou interesses da União”, a justificar a vinda do feito à Justiça Federal.

Em caso de falsificação do selo da Junta Comercial, contudo, a Primeira Turma do STF já decidiu pela competência da Justiça Federal:

Embargos de declaração no recurso extraordinário. Processual Penal. Recurso oposto contra decisão monocrática. Não cabimento. Conversão em agravo regimental. Possibilidade. Precedentes. Competência da Justiça Federal para julgar e processar crimes de falsificação de selo de junta comercial. Interesse jurídico direto e específico da União demonstrado. Artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal. Regimental não provido.
1. Os embargos de declaração opostos contra decisão monocrática, embora não admissíveis, podem ser convertidos em agravo regimental, na esteira da uníssona jurisprudência da Suprema Corte. 2. O julgado ora impugnado, ao assentar que “a mera falsificação de documento oriundo da Junta Comercial não enseja o processamento perante a Justiça Federal, porquanto ausente interesse da União” (fl. 114), divergiu da jurisprudência do Supremo Tribunal, que, em casos como esse, tem assentado a competência da Justiça Federal.
3. Agravo regimental não provido.
(RE 670569 ED, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-096 DIVULG 21-05-2013 PUBLIC 22-05-2013)

Segundo o inteiro teor, haveria ofensa a serviço da União, diante da subordinação técnica ao DNRC. Enfim, a matéria precisa ser sempre analisada com atenção.

Fiquem conosco e confiram o inteiro teor dos julgados!

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