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Disputa sobre direitos indígenas e competência da Justiça Federal



Caros Amigos,

De quem é a competência para processar e julgar a denúncia pela prática dos crimes de calúnia e difamação supostamente cometidos por indígena em detrimento de outro membro da sua Comunidade na disputa pela posição da Cacique? Da Justiça Federal ou da Justiça Estadual?

Segundo a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, a competência é da Justiça Federal, porquanto se está diante de “disputa sobre direitos indígenas” como previsto no art. 109, XI, da Constituição Federal.

Afinal, a discussão se originou de conflito acerca da organização social dos povos indígenas, a atrair o interesse da União nos termos do art. 231 da Carta Magna.

Não incide, portanto, a Súmula 140 do STJ, a qual se aplica sempre que houver indígena como autor ou vítima e não se tratar de caso que envolva direitos indígenas de forma coletiva.

Vejam o seguinte trecho do voto condutor do Conflito de Competência 123.016-TO:

(...)

Em regra, a competência para processar e julgar crime que envolva índio, na condição de réu ou vítima, é da Justiça Estadual, conforme preceitua o enunciado nº 140 da Súmula desta Corte, o qual dispõe que: "Compete a Justiça comum estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vitima."

Entretanto, a Constituição da República de 1988 faz uma ressalva, em seu art. 109, inciso XI, estabelecendo a competência dos Juízes Federais para processar e julgar "disputa sobre direitos indígenas".

Segundo a doutrina e jurisprudência, esse dispositivo constitucional deve ser interpretado de acordo com a redação prevista no art. 231 da Constituição Federal, a qual estabelece que "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".

Assim, o conceito de "direitos indígenas", previsto no art. 109, XI, da CF⁄88, a fim de verificar a competência da Justiça Federal, é aquele referente às matérias que envolvam a organização social dos índios, seus costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

A propósito:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS QUE ENVOLVE INTERESSE PARTICULAR DE ÍNDIO. NÃO-ENQUADRAMENTO NA HIPÓTESE PREVISTA NOS ARTS. 109, XI, E 231, CAPUT, DA CF⁄88. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
1. O art. 109, XI, da Constituição Federal, ao estabelecer a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento de ações em que se discute os direitos indígenas, deve ser interpretado em conformidade com o disposto no caput do art. 231 da CF⁄88, segundo o qual 'são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens'. Nesse contexto, apenas as ações que envolvem os direitos indígenas elencados no referido art. 231 da Constituição Federal devem ser processadas e julgadas no âmbito da Justiça Federal, de maneira que nos feitos que envolvem interesses particulares de silvícola, sem nenhuma repercussão na comunidade indígena, não é devida a aplicação da competência prevista no art. 109, XI, da CF⁄88.
(...)
4. Conflito de competência conhecido, declarando-se a competência do Juízo Suscitado - JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE MANAUS⁄AM - para processar e julgar o feito. (CC nº 105.045⁄AM, Relatora a Ministra Denise Arruda, DJe 1⁄7⁄2009)

Na hipótese, verifica-se que os fatos narrados no termo circunstanciado, os quais, em tese, caracterizam crimes de calúnia e difamação, tiveram como causa a disputa pela posição de cacique da Aldeia Wahuri, na Ilha do Bananal, havendo, segundo consta dos autos, situação de intenso conflito naquela comunidade indígena, circunstância que afasta a incidência da Súmula 140⁄STJ.

Com efeito, não se trata da prática de crimes de calúnia e difamação de forma isolada, isto é, de interesse apenas dos envolvidos no caso, mas sim, na verdade, de fatos que estão ligados a uma disputa por direitos indígenas, atingindo os interesses coletivos de todo o povo Javaé, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito.

(...)

Ante o exposto, conheço do conflito para declarar a competência do Juízo Federal de Gurupi - SJ⁄TO, o suscitante.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos julgados.

Fiquem conosco!!!

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