Caros
Amigos,
A
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo que o descaminho
tem natureza material. Afinal, o próprio dispositivo exigiria a ilusão, no todo
ou em parte, do imposto devido.
Neste
sentido:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 1.
DESCAMINHO. CRIME MATERIAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA. NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO
DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SÚMULA VINCULANTE 24/STF. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO. 2. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA TRANCAR A
AÇÃO PENAL Nº 515989.2006.4.01.3801/MG, COM EXTENSÃO AOS CORRÉUS.
1. Embora o crime de descaminho
encontre-se, topograficamente, na parte destinada pelo legislador penal aos
crimes praticados contra a Administração Pública, predomina o entendimento no
sentido de que o bem jurídico imediato que a norma inserta no art. 334 do
Código Penal procura proteger é o erário público, diretamente atingido pela
evasão de renda resultante de operações clandestinas ou fraudulentas. Cuida-se,
ademais, de crime material, tendo em vista que o próprio dispositivo penal
exige a ilusão, no todo ou em parte, do pagamento do imposto devido. Assim, o
raciocínio adotado pelo Supremo Tribunal Federal relativamente aos crimes
previstos no art. 1º da Lei n.º 8.137/90, consagrando a necessidade de prévia
constituição do crédito tributário para a instauração da ação penal, deve ser
aplicado, também, para a tipificação do crime de descaminho. Inteligência da
Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal.
2. Recurso ordinário em habeas corpus
a que se dá provimento, para trancar a ação penal nº 515989.2006.4.01.3801/MG,
em trâmite perante o Juízo Federal da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de
Fora/MG, com extensão aos corréus, nos termos do art. 580 do Código de Processo
Penal.
(RHC 36.570/MG, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/06/2013)
A
lógica era bastante simples. Sendo o descaminho um delito contra a ordem
tributária, os benefícios aplicáveis aos demais crimes da mesma espécie deveria
estar disponíveis aos acusados pelas prática daquele delito.
O
principal benefício, por óbvio, seria a necessidade de prévia apuração do
crédito tributário, como forma de possibilitar o pagamento do débito e a
extinção da punibilidade do agente. Por isto, o valor do crédito tributário
deveria estar individualizado na denúncia.
Recentemente,
contudo, a Quinta Turma modificou o seu posicionamento, como devidamente
noticiado no site do STJ:
DECISÃO
Quinta Turma muda entendimento sobre
natureza do crime de descaminho
A Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) modificou entendimento sobre a natureza do crime de descaminho,
previsto no artigo 334 do Código Penal. No julgamento de habeas corpus, o
colegiado definiu que o crime possui natureza formal, não sendo necessária a
indicação do valor do imposto que deixou de ser recolhido para a sua
caracterização.
O acusado foi preso em flagrante com
diversos produtos eletrônicos, trazidos do exterior sem documentação. Após a
impetração de dois habeas corpus, sem sucesso, o juiz de primeira instância
concedeu liberdade ao preso, em razão do excesso de prazo da prisão.
O paciente apresentou então habeas
corpus perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em que pediu o
trancamento da ação penal, alegando ausência de constituição definitiva do
crédito tributário. No STJ os ministros não conheceram da impetração.
Não material
Segundo a ministra Laurita Vaz,
relatora do habeas corpus, o crime de descaminho se caracteriza como o ato de
iludir o pagamento de imposto devido pela entrada de mercadoria no país. Para
ela, não é necessária a apuração administrativo-fiscal do montante que deixou
de ser recolhido para que o delito seja configurado. “Trata-se, portanto, de
crime formal, e não material”, afirmou.
A ministra citou precedente da
relatoria do ministro Gilson Dipp (HC 171.490), que considerou que a falta de indicação
do valor de tributos devidos “não macula a inicial acusatória”, pois o
descaminho é delito formal e se concretiza com “a simples ilusão do pagamento
do tributo devido”.
Garantiu ainda que tal entendimento
está em harmonia com o emanado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), conforme
voto proferido pelo ministro Ayres Britto no HC 99.740.
O ministro do STF afirmou que a
consumação do delito de descaminho e a posterior abertura de processo criminal
não dependem da constituição administrativa do débito fiscal. “Primeiro, porque
o delito de descaminho é rigorosamente formal. Segundo, porque a conduta
materializadora desse crime é iludir o estado quanto ao pagamento do imposto
devido. E iludir não significa outra coisa senão fraudar, burlar, escamotear”,
declarou.
Política econômica
Conforme análise de Laurita Vaz, o
dispositivo do Código Penal visa proteger, em primeiro lugar, a integridade do
sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do país, como “importante
instrumento de política econômica”.
Todavia, a ministra explica que o bem
jurídico protegido pela norma é mais do que o mero valor do imposto, englobando
a estabilidade das atividades comerciais dentro do país, com reflexos na
balança comercial entre o Brasil e outros países.
A ministra refletiu que o produto
inserido no mercado, fruto de descaminho, lesa o erário e constitui comércio
ilegal, “concorrendo, de forma desleal, com os produzidos no país, gerando uma
série de prejuízos para a atividade empresarial brasileira”.
Laurita Vaz lembrou que a Lei
9.430/96, com redação dada pela Lei 12.350/10, que trata da representação
fiscal para fins penais, não faz referência ao crime de descaminho. “E, mesmo
que fizesse, por se tratar de crime formal, não condicionaria a instauração de
investigação ou de ajuizamento de ação penal para apurar o crime”.
A relatora afirmou que as esferas
administrativa e penal são independentes, “sendo desinfluente a constituição
definitiva do crédito tributário pela primeira para a incidência da segunda”.
O
acórdão ainda não foi publicado, mas será de leitura obrigatória.
Para
que os meus amigos leitores vejam como a matéria é polêmica, destaco que a
questão não é tranquila no Supremo Tribunal Federal.
Afinal,
apesar da existência do HC 99740, da 1ª Turma, publicado em 01/02/2011 no
sentido sustentado pela Relatora, temos também o HC 85.942, da 2ª Turma, julgado
em 24/05/2011, referindo-se ao delito de descaminho como espécie de crime
contra a ordem tributária e sustentando a extinção da punibilidade pelo
pagamento.
E
mais: há vários julgados da Sexta Turma do STJ sustentando que o descaminho seria
crime contra a ordem tributária. Vejam, afinal, que a aplicação do princípio da
insignificância também depende da apuração do imposto supostamente impago.
Neste
sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
PENAL E PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. ART. 557, § 1º-A, DO CPC.
DECISÃO RECORRIDA EM MANIFESTO CONFRONTO COM JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DE
TRIBUNAL SUPERIOR. DESCAMINHO. INSIGNIFICÂNCIA. PARÂMETRO. MÍNIMO LEGAL PARA A
EXECUÇÃO FISCAL. ARTIGO 20 DA LEI 10.522/02. REITERAÇÃO DELITIVA. SOMA DOS
DÉBITOS CONSOLIDADOS NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS. PARÁGRAFO 4º DA NORMA.
1. Não há se falar em ofensa ao
princípio da colegialidade, quando a decisão monocrática é proferida em
obediência ao artigo 557 do Código de Processo Civil, que franqueia ao relator
a possibilidade de dar provimento ao recurso especial, quando a decisão
recorrida estiver em manifesto confronto com jurisprudência dominante de
Tribunal Superior.
2. Em sede de crime de descaminho, em
que o bem jurídico tutelado é a ordem tributária, a irrisória lesão ao Fisco
conduz à própria atipicidade material da conduta.
3. Definindo o parâmetro de quantia
irrisória para fins de aplicação do princípio da insignificância em sede de
descaminho, a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento
do Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.112.748/TO, pacificou o
entendimento no sentido de que o valor do tributo elidido a ser considerado é
aquele de R$ 10.000,00 (dez mil reais) previsto no artigo 20 da Lei nº
10.522/02.
4. Nos casos de 'reiteração delitiva',
não há como excluir a tipicidade material à vista do valor da evasão fiscal de
cada apreensão, representação fiscal ou auto de infração, considerados
isoladamente, devendo ser considerada, para os fins do parâmetro legal, a soma
dos débitos consolidados nos últimos cinco anos, nos termos do parágrafo 4º da
norma.
5. Em restando devidamente comprovada
a existência de outros processos administrativo-fiscais contra o mesmo devedor,
não há de se afirmar, ab initio, a atipicidade material da conduta com base no
princípio da insignificância se, em virtude da reiteração, houver efetiva lesão
ao bem jurídico tutelado, a ordem tributária, considerada a soma dos débitos
consolidados nos últimos cinco anos, superior a dez mil reais.
6. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1318669/PR, Rel.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe
03/10/2013)
PROCESSO PENAL. RECURSO HABEAS CORPUS.
CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA (ART. 273, CAPUT E § 1.º-B, CP) E DESCAMINHO. 1. PLEITO DE TRANCAMENTO NO
TOCANTE AO DESCAMINHO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL. TÉRMINO. AUSÊNCIA.
UBI EADEM RATIO, UBI IDEM IUS. 2. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO.
1. Não há razão lógica para se tratar
o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes
tributários em geral.
Sem o prévio exaurimento da via
administrativa, mostra-se ilegal o ajuizamento de ação penal. Assim, é de se
determinar o trancamento da ação penal no tocante ao descaminho.
3. Recurso provido para trancar a ação
penal, apenas no tocante ao delito de descaminho, remanescendo a persecução
pelo comportamento descrito no art. 273,
caput e § 1.º-B, I, do Código Penal.
(RHC 31.395/PR, Rel. Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 29/06/2012)
Enfim,
a matéria precisa ser acompanhada, diante das relevantes consequências que
podem advir de eventual pacificação nos Tribunais Superiores deste entendimento
prolatado pela Quinta Turma.
Fiquem
conosco!!!
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