Pular para o conteúdo principal

Lei 12.850/13: Comentários I.

Caros Amigos,

Hoje vamos continuar nossa conversa sobre a Lei 12.850/13, que entra em vigor 45 dias após a sua publicação.

Por amor à precisão técnica, é importante esclarecer que o nosso ordenamento já ostenta um conceito de organização criminosa. Carecíamos, contudo, de um tipo penal de organizações criminosas.

A nova norma, portanto, ALTERA o conceito de organização criminosa e TIPIFICA o ato de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa” ou mesmo de impedir ou embaraçar “a investigação de infração penal que envolva organização criminosa” (art. 2º, caput e § 1.º).

Mas vamos explicar isto melhor!

A Convenção de Palermo, aprovada pelo Decreto Legislativo 231/03 e promulgada pelo Decreto 5.015/04, trouxe um conceito de organizações criminosas que pode ser utilizado, exemplificativamente, para fins de aplicação dos meios de provas previstos na Lei 9.034/95, ao menos até a vigência da nova Lei.

Tal conceito também podia ser utilizado para fins do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, como comprova a jurisprudência abaixo elencada:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O COMÉRCIO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE. POLICIAL MILITAR. MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA. NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGAS. ART. 42 DA LEI 11.343/06. EXASPERAÇÃO DA REPRIMENDA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
(...)
ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. PRETENDIDA APLICAÇÃO. REQUISITOS SUBJETIVOS. NÃO PREENCHIMENTO. INTEGRAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONCEITO. CONVENÇÃO DE PALERMO. INDEFERIMENTO DA MINORANTE JUSTIFICADO. COAÇÃO NÃO DEMONSTRADA.
1. Revela-se inviável a aplicação da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, porquanto o conjunto de provas colacionado, derivado de meses de investigação policial, levaram a conclusão que o paciente seria integrante de organização voltada à prática de tráfico de drogas.
2. A definição de organização criminosa é aquela estabelecida na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto Legislativo 231/03 e promulgada pelo Decreto 5.015/04, que dita que grupo criminoso organizado é aquele "estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".
(...)
(HC 163.422/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 15/02/2012)

A Lei 12.694/12, que trata da segurança dos juízes, também trouxe um conceito de organização criminosa no seu art. 2º, como comentamos no post do dia 26/07/2012.

No nosso entendimento, o referido conceito restringia-se à própria Lei 12.694, diante da locução “para os efeitos desta Lei”, prevista no art. 2.º.

Isto é, o conceito da Convenção de Palermo continuaria vigente para as demais hipóteses, já que o tratado, após a sua internalização, tem caráter de lei ordinária.

O Superior Tribunal de Justiça, contudo, não fez tal distinção, entendendo que o conceito da Lei 12.694/12 se aplicaria a outros casos:

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. CRIAÇÃO DE VARA ESPECIALIZADA NO JULGAMENTO DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. 17ª VARA CRIMINAL DE MACEIÓ/AL. LEI ESTADUAL Nº 6.806/2007. PLEITO PELA INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DA ADI Nº 4.414/STF. CRIAÇÃO CONSIDERADA CONSTITUCIONAL. 3. NOVOS PARÂMETROS PARA A INVESTIDURA DOS JUÍZES. MODULAÇÃO DE EFEITOS. ATOS PRATICADOS REPUTADOS HÍGIDOS. 4. CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO DECLARADO INSUBSISTENTE. DEFINIÇÃO TRAZIDA PELA CONVENÇÃO DE PALERMO E PELA LEI 12.694/2012. CONDUTAS QUE DENOTAM A EXISTÊNCIA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 5. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
(...)
4. Considerou-se, ademais, insubsistente o conceito de crime organizado trazido na mencionada lei, devendo, portanto, avaliar-se a competência da 17ª Vara Criminal da Capital, para julgar o paciente, com base no conceito trazido pela Convenção de Palermo, e atualmente pela Lei 12.694/2012, mostrando-se preenchidos referidos parâmetros com base na análise da conduta atribuída ao paciente.
5. Habeas corpus não conhecido.
(HC 175.693/AL, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 04/03/2013)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM RELAÇÃO AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1.º, INCISO VII, DA LEI N.º 9.613/98. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A PERSECUÇÃO PENAL. CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO ORDENAMENTO JURÍDICO. RECURSO NÃO CONHECIDO.
(...)
2. O inciso VII do art. 1º da Lei nº 9.613/98, com redação anterior a Lei 12.683/2012, não se refere a "organização criminosa" como um crime antecedente do crime de lavagem de ativos, pois inexiste esse tipo penal no direito brasileiro. O referido dispositivo se refere a um crime praticado por uma organização criminosa, "sujeito ativo" que se encontra definido no ordenamento jurídico pátrio desde o Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou o Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, o qual ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) e, atualmente, está conceituado pela Lei 12.683/2012. O conceito de organização criminosa funciona como um elemento normativo desse tipo penal.
(...)
(RHC 29.126/MS, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 12/03/2013)

A discussão acerca da coexistência ou não dos conceitos da Convenção de Palermo e da Lei 12.683/12 (que são levemente distintos, como demonstra o post acima citado) perderá o seu valor prático a partir da vigência da Lei 12.850/13, que trará novo conceito de organização criminosa, abaixo elencado:

Art. 1o  Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1o  Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (...)

De que este conceito, então, se diferencia da Convenção de Palermo e da Lei 12.683/12?


Convenção de Palermo
Lei 12.694/12
Lei 12.850/13

Artigo 2

Terminologia

Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:

a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;

c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada;
(...)


Art. 2o  Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.  



Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

O novo conceito de organização criminosa exige o número mínimo de quatro pessoas, quando anteriormente as normas falavam em três pessoas.

A nova redação manteve a menção à vantagem de qualquer natureza, trazido pela Lei 12.683/12. Isto é, tem-se redação mais ampla que a Convenção de Palermo, que falava em benefício econômico ou material.

Por fim, a nova Lei utiliza o termo infração penal, que é mais amplo do que crimes, como mencionado pela Lei 12.683/12. Contudo, ao exigir pena máxima superior a quatro anos, ou caráter transnacional, e não mais igual ou superior a quatros anos, ou caráter transnacional,  acabou restringindo o âmbito de aplicação do dispositivo.

Considerando-se que a Lei 12.850/13 não revogou a Lei 12.683/12, entendemos que o conceito previsto na última norma permanece em vigor para os fins nela previstos, por ser ela uma lei especial, que não é revogada por uma norma de caráter geral.

Contudo, adiantamos que poderá haver polêmica neste tópico, pelo que se aconselha o permanente acompanhamento da jurisprudência na matéria.

Em breve, novos posts sobre a matéria.

Aguardem!!

Gostou? Compartilhe!!!


Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Intimação: advogado constituído x nomeado

  Caros Amigos, Hoje vamos falar de tópico de processo penal que se encaixa perfeitamente em uma questão de concurso: a intimação do defensor dos atos processuais. Pois bem. Dispõe o art. 370, § 1.º, do Código de Processo Penal que " a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado ". Contudo, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que " a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal ". Assim, para o defensor constituído, a intimação pode se dar pela publicação de nota de expediente, o que inocorre com o nomeado (público ou dativo), que deve ser intimado pessoalmente. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do STJ: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE DO JULGAMENTO DO APELO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES NOMEA

Crimes Ambientais - Interrogatório da Pessoa Jurídica

Caros Amigos, Os crimes contra o meio ambiente são uma matéria de relevante impacto social, a qual, contudo, ainda não recebe a devida atenção pelos estudiosos do Direito. Como o Blog foi feito para oferecer soluções, teremos neste espaço, periodicamente, discussões sobre este tema. Hoje, o tópico é interrogatório da pessoa jurídica. Sei que muitos jamais refletiram sobre a questão. Entretanto, é algo que ocorre com alguma frequência, já que, diante dos artigos 225, § 3.º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/98, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Sendo tal responsabilização constitucional e legalmente prevista, é imprescindível que seja oferecido ao acusado a possibilidade de oferecer a sua versão dos fatos, o que ocorre através do interrogatório. Nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98, para que haja a condenação de ente fictício, é preciso que “ a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,

Causa de aumento e conhecimento de ofício

Caros Amigos, O magistrado pode reconhecer, de ofício, a existência de causa de aumento de pena não mencionada  na denúncia? A literalidade do art. 385 do Código de Processo Penal nos indica que não. Afinal, segundo ele, apenas as agravantes podem ser reconhecidas de ofício. Vejam o seu teor: Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Recentemente, o informativo 510 do Superior Tribunal de Justiça indicou que esta seria mesmo a orientação correta. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. VIOLAÇÃO DO CONTRADI