Sobre o direito de não produzir prova contra si mesmo e a cirurgia para retirada de cápsulas de cocaína do estômago do acusado:
Amigos,
Vejam que curioso o caso abaixo, julgado pela Sexta Turma do STJ:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PACIENTES SUBMETIDOS
A EXAME DE RAIOS-X. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA PROVA POR OFENSA AO
PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO
DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº
11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ELEVADA
QUANTIDADE DE COCAÍNA.
1. A Constituição Federal, na esteira da Convenção Americana de
Direitos Humanos e do Pacto de São José da Costa Rica, consagrou,
em seu art. 5º, inciso LXIII, o princípio de que ninguém pode ser
compelido a produzir prova contra si.
2. Não há, nos autos, qualquer comprovação de que tenha havido
abuso por parte dos policiais na obtenção da prova que ora se
impugna. Ao contrário, verifica-se que os pacientes assumiram a
ingestão da droga, narrando, inclusive, detalhes da ação que
culminaria no tráfico internacional da cocaína apreendida para a
Angola, o que denota cooperação com a atividade policial, refutando
qualquer alegação de coação na colheita da prova.
3. Ademais, é sabido que a ingestão de cápsulas de cocaína causa
risco de morte, motivo pelo qual a constatação do transporte da
droga no organismo humano, com o posterior procedimento apto a
expeli-la, traduz em verdadeira intervenção estatal em favor da
integridade física e, mais ainda, da vida, bens jurídicos estes
largamente tutelados pelo ordenamento.
4. Mesmo não fossem realizadas as radiografias abdominais, o próprio
organismo, se o pior não ocorresse, expeliria naturalmente as
cápsulas ingeridas, de forma a permitir a comprovação da
ocorrência do crime de tráfico de entorpecentes.
5. Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que a pena pode ser
reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o paciente
seja primário, portador de bons antecedentes, não integre
organização criminosa nem se dedique a tais atividades.
6. A incidência da referida benesse foi afastada sob o fundamento de
que as circunstâncias que ladearam a prática delitiva evidenciaram
o envolvimento dos pacientes em organização criminosa.
7. A elevada quantidade de droga apreendida - a saber, mais de 1 Kg
(um quilo) de cocaína, acondicionados em aproximadamente 130 (cento
e trinta) cápsulas, as quais foram em parte ingeridas por dois dos
pacientes -, bem como o objetivo de embarcar com destino à Angola,
impedem, a meu ver, o reconhecimento da modalidade privilegiada do
crime.
8. Ademais, a mens legis da causa de diminuição de pena
seria alcançar aqueles pequenos traficantes, circunstância diversa
da vivenciada nos autos, dado o modus operandi do crime e a apreensão
de expressiva quantidade de entorpecente, com alto poder destrutivo.
9. Ordem denegada.
(HC 149146/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em
05/04/2011, DJe 19/04/2011)
Da leitura do acórdão, percebe-se que a decisão da Sexta Turma,
citando expressamente o julgado de primeira instância, lembra que o
princípio do nemo tenetur se detegere impede que as
autoridades obriguem o cidadão a fazer prova contra si
mesmo, o que inocorre no exame de imagem, no qual o acusado não
pratica nenhum ato comissivo. Caso contrário, como lembrado
pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao analisar o recurso
dos réus, seriam inconstitucionais as revistas pessoais ou mesmo a
passagem pela máquina de Raio-X nos aeroportos.
Ademais, ressaltou o STJ que, no caso em concreto, não houve coação
na colheita da prova, sendo que deveria prevalecer também o direito
à vida, tendo em vista os notórios riscos em caso de ruptura de uma
das cápsulas.
Por fim, ainda que assim não se pensasse, diante da inevitabilidade
do fato de que o corpo iria expelir as cápsulas, ter-se-ia um caso
de aplicação da teoria da descoberta inevitável, a impedir a
configuração de nulidade no caso em comento.
A 5ª Turma decidiu de forma semelhante, em caso análogo:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
DROGAS. TESE DE EXCESSO DE PRAZO PARA O JULGAMENTO DA APELAÇÃO.
RECURSO APRECIADO. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE PROCESSUAL.
ARGUIÇÃO DE NULIDADE DO FEITO, POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO
AUTO-INCRIMINAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA
PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. FIXAÇÃO DO
QUANTUM DE REDUÇÃO. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA
EXTENSÃO, DENEGADO.
1. A alegação de excesso de prazo no julgamento da apelação
criminal encontra-se superada, ante a constatação da apreciação
do apelo.
2. O direito do investigado ou do acusado de não produzir prova
contra si foi positivado pela Constituição da República no rol
petrificado dos direitos e garantias individuais (art. 5.º, inciso
LXIII). É essa a norma que garante status constitucional ao
princípio do "Nemo tenetur se detegere" (STF, HC
80.949/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 1.ª Turma, DJ de
14/12/2001), segundo o qual, repita-se, ninguém é obrigado a
produzir quaisquer provas contra si.
3. Na hipótese, contudo, não se constata a apontada nulidade, na
medida em que, conforme ressaltaram as instâncias ordinárias,
sequer há prova nos autos no sentido de que o Paciente tenha sido
forçado pela Polícia a submeter-se aos procedimentos para expelir a
droga ingerida, ou que tenha oferecido objeção ou resistência à
realização dos exames para a constatação da presença da
substância entorpecente.
4. Ademais, a realização do procedimento para a retirada da droga
não implicou ofensa aos direitos constitucionalmente previstos, mas
antes visou à preservação da integridade física do acusado,
ameaçada com o risco de rompimento das 139 cápsulas com 977,5
gramas de cocaína em pó.
5. O art. 42 da Lei n.º 11.343/2006 impõe ao Juiz considerar, com
preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a
natureza e a quantidade da droga, tanto na fixação da pena-base
quanto na aplicação da causa de diminuição de pena prevista no §
4.º do art. 33 da nova Lei de Tóxicos.
6. Na espécie, a natureza e a quantidade da droga apreendida - 977,5
gramas de "cocaína" em pó - justifica a não aplicação
do redutor em seu grau máximo, qual seja: 2/3 (dois terços),
observando-se a proporcionalidade necessária e suficiente para
reprovação do crime.
7. Não havendo ilegalidade patente no quantum de redução pela
minorante prevista no art. 33, § 4.º, da Lei de Drogas, é vedado,
na estreita via do habeas corpus, proceder ao amplo reexame dos
critérios considerados para a sua fixação, por demandar análise
de matéria fático-probatória.
8. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.
(HC 159.108/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
11/10/2011, DJe 19/10/2011)
Veja o inteiro teor dos julgados em:
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