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Reincidência x Confissão


Prezados Amigos,

Ao contrário da 3ª Seção do STJ, a 1ª Turma do STF vem mantendo seu entendimento no sentido de que, por ocasião da segunda fase da dosimetria da pena, a reincidência prepondera sobre a confissão, como demonstram os julgados abaixo transcritos:

EMENTA Habeas corpus. Fixação da pena. Concurso da agravante da reincidência e da atenuante da confissão espontânea. Pretensão à compensação da qualificadora com a atenuante, ou à mitigação da pena-base estabelecida. Inviabilidade. Ordem denegada. 1. Nos termos do art. 67 do Código Penal, no concurso de atenuantes e agravantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes. No caso em exame, a agravante da reincidência prepondera sobre a atenuante da confissão espontânea, razão pela qual é inviável a compensação pleiteada ou qualquer outra mitigação. Precedentes. 2. Ordem denegada.
(HC 112830, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 15-06-2012 PUBLIC 18-06-2012)

Ementa: Penal. Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado (CP, art. 121, § 2º, II, III e IV). Dosimetria da pena. Preponderância da agravante da reincidência sobre a atenuante da confissão espontânea. Artigo 67 do Código Penal. Precedentes. 1. O artigo 67 do Código de Processo Penal dispõe que No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais, as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência. 2. Deveras, a reincidência revela que a condenação transitada em julgado restou ineficaz como efeito preventivo no agente, por isso merece maior carga de reprovação e, por conseguinte, deve preponderar sobre a circunstância atenuante da confissão espontânea. 3. In casu, o Juiz ao afirmar que ”A circunstância de ser o réu reincidente, já tendo sido condenado várias vezes, prepondera sobre a confissão espontânea”, nada mais fez do que aplicar o citado artigo 67 do Código Penal, que trata especificamente do concurso entre circunstâncias agravantes e atenuantes; aliás, na linha da jurisprudência desta Corte: HC 96.063/MS, 1ª Turma, Rel. Min. DIAS TÓFFOLI, DJe de 08/09/2011; RHC 106.514/MS, 1ª Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 17/02/2011; e HC 106.172/MS, 2ª Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 11/03/2011. 4. Recurso ordinário em habeas corpus ao qual se nega provimento.
(RHC 111454, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 03/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 20-04-2012 PUBLIC 23-04-2012)

No primeiro dos julgados acima citado, explica o Min. Toffoli o porquê de não se poder considerar a confissão espontânea uma circunstância preponderante:

In casu, está-se diante da reincidência e da confissão espontânea, sendo que a primeira é expressamente prevista como circunstância preponderante.
Cabe perquirir, portanto, se a confissão espontânea é hábil a revelar a personalidade do agente e se desta realidade decorreria entendê-la, também, como circunstância preponderante, porquanto no bojo da expressão ‘personalidade do agente’.
Pode-se afirmar que também a reincidência revela traços da personalidade do agente, como um modo de vida voltado à prática de crimes, a não intimidação diante do aparato repressivo estatal ou, ainda, a não recuperação em face de sanção porventura aplicada anteriormente.
Logo, ou estarão ambas as circunstâncias – reincidência e confissão espontânea – a definir a personalidade do agente, o que só confirmaria a preponderância da primeira, porquanto prevista, também, expressamente, ou deve-se entender a confissão espontânea como sendo circunstância distinta da personalidade do agente, não podendo ser compreendida em seu bojo.

Por outro lado, no dia 28/02/12, a 2ª Turma, em julgado unânime, entendeu em sentido oposto, por compreender, em apertadíssima síntese, que, diante do direito do acusado de permanecer em silêncio, a confissão não poderia ser ignorada. Em seu voto, o Min. Ayres Brito ressalvou seu posicionamento anterior, para conceder o habeas corpus nos seguintes termos:

Ementa: HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA DA PENA. CONCURSOS DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES. PREPONDERÂNCIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Constituição Federal assegura aos presos o direito ao silêncio (inciso LXIII do art. 5º). Nessa mesma linha de orientação, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de São José da Costa Rica) institucionaliza o princípio da “não-auto-incriminação” (nemo tenetur se detegere). Esse direito subjetivo de não se auto-incriminar constitui uma das mais eminentes formas de densificação da garantia do devido processo penal e do direito à presunção de não-culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal). A revelar, primeiro, que o processo penal é o espaço de atuação apropriada para o órgão de acusação demonstrar por modo robusto a autoria e a materialidade do delito. Órgão que não pode se esquivar da incumbência de fazer da instrução criminal a sua estratégia oportunidade de produzir material probatório substancialmente sólido em termos de comprovação da existência de fato típico e ilícito, além da culpabilidade do acusado. 2. A presunção de não-culpabilidade trata, mais do que de uma garantia, de um direito substantivo. Direito material que tem por conteúdo a presunção de não-culpabilidade. Esse o bem jurídico substantivamente tutelado pela Constituição; ou seja, a presunção de não-culpabilidade como o próprio conteúdo de um direito substantivo de matriz constitucional. Logo, o direito à presunção de não-culpabilidade é situação jurídica ativa ainda mais densa ou de mais forte carga protetiva do que a simples presunção de inocência. 3. O Supremo Tribunal Federal tem entendido que não se pode relacionar a personalidade do agente (ou toda uma crônica de vida) com a descrição, por esse mesmo agente, dos fatos delitivos que lhe são debitados (HC 102.486, da relatoria da ministra Cármen Lúcia; HC 99.446, da relatoria da ministra Ellen Gracie). Por outra volta, não se pode perder de vista o caráter individual dos direitos subjetivo-constitucionais em matéria penal. E como o indivíduo é sempre uma realidade única ou insimilar, irrepetível mesmo na sua condição de microcosmo ou de um universo à parte, todo instituto de direito penal que se lhe aplique – pena, prisão, progressão de regime penitenciário, liberdade provisória, conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos – há de exibir o timbre da personalização. Quero dizer: tudo tem que ser personalizado na concreta aplicação do direito constitucional-penal, porque a própria Constituição é que se deseja assim orteguianamente aplicada (na linha do “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, como sentenciou Ortega Y Gasset). E como estamos a cuidar de dosimetria da pena, mais fortemente se deve falar em personalização. 4. Nessa ampla moldura, a assunção da responsabilidade pelo fato-crime, por aquele que tem a seu favor o direito a não se auto-incriminar, revela a consciência do descumprimento de uma norma social (e de suas consequências), não podendo, portanto, ser dissociada da noção de personalidade. 5. No caso concreto, a leitura da sentença penal condenatória revela que a confissão do paciente, em conjunto com as provas apuradas sob o contraditório, embasou o juízo condenatório. Mais do que isso: as palavras dos acusados (entre eles o ora paciente) foram usadas pelo magistrado sentenciante para rechaçar a tese defensiva de delito meramente tentado. É dizer: a confissão do paciente contribuiu efetivamente para sua condenação e afastou as chances de reconhecimento da tese alinhavada pela própria defesa técnica (tese de não consumação do crime). O que reforça a necessidade de desembaraçar o usufruto máximo à sanção premial da atenuante. Assumindo para com ele, paciente, uma postura de lealdade (esse vívido conteúdo do princípio que, na cabeça do art. 37 da Constituição, toma o explícito nome de moralidade). 6. Ordem concedida para reconhecer o caráter preponderante da confissão espontânea e determinar ao Juízo Processante que redimensione a pena imposta ao paciente.
(HC 101909, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 28/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012)


Percebe-se, em síntese, que se trata de matéria ainda polêmica no seio do STF, a merecer especial atenção dos interessados na matéria.


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