Pular para o conteúdo principal

Quebra de sigilo bancário e requisição direta de informações pela Receita Federal




Caros Amigos,

No último informativo do Superior Tribunal de Justiça, ganhou destaque a decisão da Sexta Turma daquela Corte acerca da impossibilidade da utilização no processo penal de informações obtidas diretamente pela Receita Federal mediante requisição direta às instituições bancárias.

Vejam a notícia:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO NO PROCESSO PENAL DE INFORMAÇÕES OBTIDAS PELA RECEITA FEDERAL MEDIANTE REQUISIÇÃO DIRETA ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS.
Os dados obtidos pela Receita Federal com fundamento no art. 6º da LC 105/2001, mediante requisição direta às instituições bancárias no âmbito de processo administrativo fiscal sem prévia autorização judicial, não podem ser utilizados no processo penal, sobretudo para dar base à ação penal. Há de se ressaltar que não está em debate a questão referente à possibilidade do fornecimento de informações bancárias, para fins de constituição de créditos tributários, pelas instituições financeiras ao Fisco sem autorização judicial – tema cuja repercussão geral foi reconhecida no RE 601.314-SP, pendente de apreciação. Discute-se se essas informações podem servir de base à ação penal. Nesse contexto, reafirma-se, conforme já decidido pela Sexta Turma do STJ, que as informações obtidas pelo Fisco, quando enviadas ao MP para fins penais, configuram inadmissível quebra de sigilo bancário sem prévia autorização judicial. Não cabe à Receita Federal, órgão interessado no processo administrativo e sem competência constitucional específica, requisitar diretamente às instituições bancárias a quebra do sigilo bancário. Pleito nesse sentido deve ser necessariamente submetido à avaliação do magistrado competente, a quem cabe motivar concretamente sua decisão, em observância aos arts. 5º, XII e 93, IX, da CF. Precedentes citados: HC 237.057-RJ, Sexta Turma, DJe 27/2/2013; REsp 1.201.442-RJ, Sexta Turma, DJe 22/8/2013; AgRg no REsp 1.402.649-BA, Sexta Turma, DJe 18/11/2013. RHC 41.532-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/02/2014.

A matéria é polêmica, mas tomo a liberdade de tentar sumarizá-la para a compreensão dos amigos, de sorte a, inclusive, melhor guiar a leitura do inteiro teor do julgado.

Decidiu a Sexta Turma que:

(...) no âmbito do processo criminal, a questão não demanda maiores discussões. Como expôs a Ministra Maria Thereza, é inequívoco que o envio de tais informações obtidas pelo Fisco ao Ministério Público e o oferecimento de denúncia com base em tais informações constitui quebra de sigilo bancário sem prévia autorização judicial, o que é efetivamente vedado no ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional . E mais:

[...]

De fato, a quebra do sigilo bancário para investigação criminal deve ser necessariamente submetida à avaliação do magistrado competente, a quem cabe motivar concretamente seu decisum, em observância aos artigos 5º, XII e 93, IX, da Carta Magna.

Decerto, a inviolabilidade do sigilo de dados, garantida pela Constituição Federal em seu art. 5º, XII, deve preponderar na hipótese. É imprescindível, ressalvada a hipótese de Comissão Parlamentar de Inquérito, que a excepcionalidade de tal garantia constitucional passe pelo crivo do Poder Judiciário no âmbito do processo penal.

Com efeito, não cabe à Receita Federal, órgão interessado no processo administrativo tributário e sem competência constitucional específica, fornecer dados obtidos mediante requisição direta às instituições bancárias, sem prévia autorização judicial, para fins penais.

 [...]

Deve ficar clara que a questão não é tranquila no STJ como um todo, pois o próprio inteiro teor citou julgados conflitantes da Quinta Turma do STJ. Contudo, registrou a Sexta Turma que não “desconhece a decisão do Pleno do Supremo no RE n. 389.808/PR, em controle difuso e incidental de constitucionalidade. Ali, por maioria e sem efeito erga omnes, entendeu a Suprema Corte que conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte”.

Repita-se que o julgado em debate se refere à seara penal. Na seara tributária, “a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 1.134.665/SP (representativo da controvérsia), Relator Ministro Luiz Fux (DJe 18/12/2009), decidiu pela legalidade da requisição direta de informações pela autoridade fiscal às instituições bancárias sem prévia autorização judicial”.

A própria requisição na seara tributária, contudo, não é pacífica. Afinal, “pende de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal a questão referente à constitucionalidade do fornecimento de informações bancárias pelas instituições financeiras ao Fisco sem autorização judicial, para fins de constituição de créditos tributários (RE n. 601.314/SP, no qual foi admitida a repercussão geral do caso)”.

Logo, pode-se dizer que:

a)    a decisão restringe-se à seara criminal;

b)   ainda é prematuro para dizer se a mesma reflete o posicionamento do STJ como um todo, embora eu entendo que se possa dizer que reflete o entendimento da Sexta Turma;

c)    c) STF deverá se posicionar sobre a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar 105/2001 em regime de repercussão geral;


d)   com outra composição (em 2010), o STF já reconheceu a inconstitucionalidade deste dispositivo, ainda que em controle difuso.

Leiam o inteiro teor do julgado e fiquem conosco!!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Intimação: advogado constituído x nomeado

  Caros Amigos, Hoje vamos falar de tópico de processo penal que se encaixa perfeitamente em uma questão de concurso: a intimação do defensor dos atos processuais. Pois bem. Dispõe o art. 370, § 1.º, do Código de Processo Penal que " a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado ". Contudo, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que " a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal ". Assim, para o defensor constituído, a intimação pode se dar pela publicação de nota de expediente, o que inocorre com o nomeado (público ou dativo), que deve ser intimado pessoalmente. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do STJ: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE DO JULGAMENTO DO APELO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES NOMEA...

Causa de aumento e conhecimento de ofício

Caros Amigos, O magistrado pode reconhecer, de ofício, a existência de causa de aumento de pena não mencionada  na denúncia? A literalidade do art. 385 do Código de Processo Penal nos indica que não. Afinal, segundo ele, apenas as agravantes podem ser reconhecidas de ofício. Vejam o seu teor: Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Recentemente, o informativo 510 do Superior Tribunal de Justiça indicou que esta seria mesmo a orientação correta. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. V...

Crimes Ambientais - Interrogatório da Pessoa Jurídica

Caros Amigos, Os crimes contra o meio ambiente são uma matéria de relevante impacto social, a qual, contudo, ainda não recebe a devida atenção pelos estudiosos do Direito. Como o Blog foi feito para oferecer soluções, teremos neste espaço, periodicamente, discussões sobre este tema. Hoje, o tópico é interrogatório da pessoa jurídica. Sei que muitos jamais refletiram sobre a questão. Entretanto, é algo que ocorre com alguma frequência, já que, diante dos artigos 225, § 3.º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/98, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Sendo tal responsabilização constitucional e legalmente prevista, é imprescindível que seja oferecido ao acusado a possibilidade de oferecer a sua versão dos fatos, o que ocorre através do interrogatório. Nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98, para que haja a condenação de ente fictício, é preciso que “ a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,...