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Descaminho e insignificância




Caros Amigos,

No último post, tratamos de um tema que dividia o Superior Tribunal de Justiça. Hoje, vamos tratar de um tema no qual a Quinta e Sexta Turma estão de pleno acordo.

Bem verdade que nós já tratamos deste tema em dezembro de 2013. Contudo, como o último Informativo do STJ destacou o AgRg no REsp 1.406.356-PR (Min. Marco Aurélio Bellizze, da Quinta Turma, julgado em 6/2/2014) e o AgRg no REsp 1.402.207-PR (Min. Rel. Assusete Magalhães, da Sexta Turma, julgado em 4/2/2014), penso que não custa revisitar a matéria.

Nestes julgados, o STJ afirmou que o parâmetro objetivo para a insignificância no delito de descaminho é R$ 10.000,00 (dez mil reais), mesmo que a Portaria 75 da PGFN tenha estabelecido o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) como limite mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais.

Baseiam-se os defensores desta tese no fato de que foi justamente o parâmetro do art. 20 da Lei n. 10.522⁄2002 (estipulando o valor de R$ 10.000,00 para como mínimo para ajuizamento de execução fiscal) que inspirou as Tribunais Superiores reconhecer como insignificante todo o descaminho que implicasse em sonegação de valores inferiores aquele montante. Logo, a elevação de tal valor teria consequências na seara criminal.

A Quinta e a Sexta Turma do STJ não aceitaram tal argumento.

No primeiro julgado mencionado, o Min. Marco Aurélio Bellizze pontuou que o arquivamento dos autos de execuções fiscais “guarda relação direta com o princípio da eficiência”, pelo que “não se deve confundir a otimização da atuação da administração pública com a suposta insignificância de valor que, sem a menor sombra de dúvidas, não pode ser tido como irrisório, sob qualquer aspecto que se analise”.

Posteriormente, arrematou o Ministro:

Portanto, a meu ver, está se partindo de premissas equivocadas para chegar à conclusão de que o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) é irrisório para o Estado. Não obstante as pontuações acima trazidas, deixo de me alongar no debate do tema, haja vista se tratar de matéria pacificada nesta Corte Superior o reconhecimento do princípio da insignificância nos casos em que o tributo devido não ultrapassa o valor trazido no art. 20 da Lei n. 10.522⁄2002.

No entanto, mostra-se incontroverso não ser possível majorar referido parâmetro por meio de Portaria do Ministro da Fazenda, conforme procederam as instâncias ordinárias na análise do presente caso. Com efeito, portaria emanada do Poder Executivo não possui força normativa passível de revogar ou modificar lei em sentido estrito, pois nos termos do que dispõe o art. 2º da Lei n. 4.657⁄1942 "(...), a lei terá vigor até que outra a modifique ou a revogue". Portanto, inviável se falar em alteração do valor trazido na Lei n. 10.522⁄2002.

Outrossim, como é cediço, o patamar utilizado para incidência do princípio da insignificância é jurisprudencial e não legal, ou seja, não foi a Lei n. 10.522⁄2002 que definiu ser insignificante na seara penal o descaminho de valores até R$ 10.000,00 (dez mil reais); foram os julgados dos Tribunais Superiores que definiram a utilização do referido parâmetro, que, por acaso, está expresso em lei, não sendo correta, portanto, fazer referida vinculação de forma absoluta, de modo que toda vez que for modificado o patamar para ajuizamento de execução fiscal estaria alterado o valor considerado bagatelar.

Ademais, a Portaria n. 75⁄2012, do Ministro de Estado da Fazenda, em seu art. 1º, inciso II, disciplina "o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)". No entanto, explicita, nos §§ 6º e 7º da referida norma que:

§ 6º O Procurador da Fazenda Nacional poderá, após despacho motivado nos autos do processo administrativo, promover o ajuizamento de execução fiscal de débito cujo valor consolidado seja igual ou inferior ao previsto no inciso II do caput, desde que exista elemento objetivo que, no caso específico, ateste elevado potencial de recuperabilidade do crédito.

§ 7º O Procurador-Geral da Fazenda Nacional, observados os critérios de eficiência, economicidade, praticidade e as peculiaridades regionais e⁄ou do débito, poderá autorizar, mediante ato normativo, as unidades por ele indicadas a promoverem a inscrição e o ajuizamento de débitos de valores consolidados inferiores aos estabelecidos nos incisos I e II do caput.

(...)

Registro, no mais, que referida portaria dispõe em seus arts. 2º e 3º que "o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)", ocorrerá desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito. E que "a adoção das medidas previstas no art. 1º não afasta a incidência de correção monetária, juros de mora e outros encargos legais, não obsta a exigência legalmente prevista de prova de quitação de débitos perante a União e suspende a prescrição dos créditos de natureza não tributária".

Portanto, os valores apresentados inicialmente não são imutáveis ou estáticos, incidindo sobre eles juros e correção, o que pode eventualmente atingir o valor que justifique a atuação da fazenda pública. Como se vê, diversos fatores devem ser analisados, a demonstrar a impossibilidade de simplesmente majorar-se o valor trazido no art. 20 da Lei n. 10.522⁄2002 para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), mormente por meio de portaria do poder executivo.

Note-se que, na forma como redigidas as disposições da Portaria n. 75⁄2012 do Ministério da Fazenda, fica patente o intuito de se otimizar a utilização da máquina pública, visando autorizar o não ajuizamento de execução cujo gasto pode ser, naquele momento, maior que o crédito a ser recuperado. Portanto, inviável falar em valor irrisório, mas sim em estratégia de cobrança, o que está em consonância, conforme já referido acima, com o princípio constitucional da eficiência.

A Sexta Turma reiterou igualmente “que o parâmetro para aplicação do princípio da insignificância, em sede de descaminho, não está necessariamente atrelado aos critérios fixados nas normas tributárias para o ajuizamento da execução fiscal, regida pelos critérios de eficiência, economicidade e praticidade e não sujeita a um patamar legal absoluto, mas decorre de construção jurisprudencial erigida a partir de medida de política criminal, em face do grau de lesão à ordem tributária que atribua relevância penal à conduta, dada a natureza fragmentária do Direito Penal”.

No próximo post, falaremos da posição do STF.

Leiam o inteiro teor do julgados e tenham um excelente final de semana!!!

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