Pular para o conteúdo principal

Princípio da homogeneidade

Caros Amigos

Como é cediço, a prisão processual tem natureza cautelar. Contudo, tal medida não se justifica quando resultar em medida mais gravosa que a própria pena a ser imposta.

Por exemplo, é desproporcional a prisão preventiva se eventual condenação implicará em condenação ao regime semiaberto, como recentemente reconheceu o Superior Tribunal de Justiça no seguinte julgado:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. ILEGALIDADE DE PRISÃO PROVISÓRIA QUANDO REPRESENTAR MEDIDA MAIS SEVERA DO QUE A POSSÍVEL PENA A SER APLICADA.
É ilegal a manutenção da prisão provisória na hipótese em que seja plausível antever que o início do cumprimento da reprimenda, em caso de eventual condenação, dar-se-á em regime menos rigoroso que o fechado. De fato, a prisão provisória é providência excepcional no Estado Democrático de Direito, só sendo justificável quando atendidos os critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade. Dessa forma, para a imposição da medida, é necessário demonstrar concretamente a presença dos requisitos autorizadores da preventiva (art. 312 do CPP) — representados pelo fumus comissi delicti e pelo periculum libertatis — e, além disso, não pode a referida medida ser mais grave que a própria sanção a ser possivelmente aplicada na hipótese de condenação do acusado. É o que se defende com a aplicação do princípio da homogeneidade, corolário do princípio da proporcionalidade, não sendo razoável manter o acusado preso em regime mais rigoroso do que aquele que eventualmente lhe será imposto quando da condenação. Precedente citado: HC 64.379-SP, Sexta Turma, DJe 3/11/2008. HC 182.750-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 14/5/2013.

O fundamento da decisão é o princípio da homogeneidade, decorrência do princípio da proporcionalidade, como demonstra o seguinte trecho do voto do Min. Jorge Mussi, que, por sua relevância, segue abaixo transcrito:

Vislumbra-se presente a coação ilegal deduzida na inicial, pois não obstante os argumentos levantados pela Corte originária para manter a decisão que negou ao paciente a liberdade clausulada, a prisão provisória, providência absolutamente excepcional no Estado Democrático de Direito, só se justifica quando atendidos os critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade, isto é, quando demonstrada concretamente a presença dos requisitos e das hipóteses autorizadoras da preventiva, elencados no art. 312 do CPP e representados pelo fumus comissi delicti e pelo periculum libertatis, e a medida não exceder o mal que pode ser causado pela imposição da pena que poderá vir a ser aplicada ao agente, em caso de eventual condenação, por sentença definitiva, como orientam a doutrina e a jurisprudência, inclusive deste Superior Tribunal.

É o que se defende com a aplicação do princípio da homogeneidade, corolário do princípio da proporcionalidade, que leva a concluir pela ilegitimidade da prisão provisória quando a medida for mais gravosa que a própria sanção a ser possivelmente aplicada na hipótese de condenação, pois não se mostraria razoável manter-se alguém preso cautelarmente em "regime" muito mais rigoroso do que aquele que ao final eventualmente será imposto.

A propósito:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. PRISÃO EM FLAGRANTE. NECESSIDADE DO ENCARCERAMENTO. CAUTELARIDADE. AUSÊNCIA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INSUBSISTÊNCIA DASEGREGAÇÃO.
1. Sendo a liberdade a regra e a prisão providência absolutamente excepcional no Estado de Democrático de Direito, cumpre verificar a presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal a fim de se manter a segregação processual.
2. À luz do princípio da proporcionalidade, não se justifica manter a prisão processual motivada por suposta prática de infração cuja pena privativa de liberdade em tese projetada não seja superior a quatro anos.
2. Ordem concedida, na esteira do parecer ministerial, ratificada a liminar. (HC 64.379⁄SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16⁄10⁄2008, DJe 03⁄11⁄2008 - destacamos)

E, mutatis mutandis:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 241, INCISO II, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NEGATIVA DO BENEFÍCIO DA LIBERDADE PROVISÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. RÉU PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES. CRIME QUE ADMITE REGIME DIVERSO DO FECHADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A situação flagrancial e a gravidade em abstrato do delito, dissociadas de qualquer outro elemento concreto e individualizado, não têm, por si sós, o condão de justificar a custódia cautelar.
Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
2. O fato de o flagrado ser primário, de bons antecedentes, e o crime permitir o regime menos gravoso, não impede a decretação da custódia cautelar, quando comprovada sua necessidade, contudo, deve-se guardar certa proporcionalidade entre a reprimenda cominada à conduta em tese praticada e a restrição à liberdade.
3. Em que pese a repugnância que esta espécie de crime traz à sociedade, mormente porque cometido mediante o abuso da inocência de menores de idade, creio que, no caso, a medida cautelar de privação da liberdade não se faz mais necessária, embora possa ter sido oportuna a sua manutenção na proximidade da consumação dos fatos.
4. Habeas corpus concedido para assegurar ao Paciente o benefício da liberdade provisória, mediante condições a serem estabelecidas pelo Juízo processante. (HC 123.422⁄MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 03⁄03⁄2009, DJe 30⁄03⁄2009 - grifamos)

E, no caso, trata-se de denúncia pela prática dos crimes previstos nos arts. 334, § 1º, "c" e "d", e 288, caput, ambos do Código Penal, cujas  penas máximas em abstrato alcançam, respectivamente, 4 (quatro) e 3 (três) anos de reclusão, por ter, juntamente com mais de 3 (três) co-autores, adquirido mercadorias de procedência estrangeira desacompanhadas de documentação legal, introduzindo-as clandestinamente no país, pelo que mostra-se ofensivo ao princípio da homogeneidade manter o paciente preso antecipadamente, haja vista ser plausível antever que o início do cumprimento da reprimenda se daria em modo menos rigoroso que o fechado.

Além disso, cumpre ressaltar que não se vislumbram circunstâncias que pudessem levar à reforma do entendimento esposado em cognição sumária, pois não há nos presentes autos qualquer informação de que no período compreendido entre a decisão que deferiu a liminar (27-9-2010) até o presente momento, tenha o paciente posto em risco a ordem pública ou econômica, a conveniência da instrução criminal, que segue normalmente, ou dado mostras de que pretende frustrar a aplicação da lei penal, nem que tenha reiterado na prática delitiva, razão pela qual imperiosa a manutenção da liberdade deferida sumariamente ao paciente.

Diante do exposto, por se afigurar manifestamente incabível, não se conhece do habeas corpus, concedendo-se, contudo, a ordem de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP, para, confirmando-se a liminar anteriormente deferida, conceder ao paciente a liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, se por outro motivo não estiver preso.

É o voto.

Recomenda-se sempre a leitura do inteiro teor dos julgados.

Fiquem conosco!!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Intimação: advogado constituído x nomeado

  Caros Amigos, Hoje vamos falar de tópico de processo penal que se encaixa perfeitamente em uma questão de concurso: a intimação do defensor dos atos processuais. Pois bem. Dispõe o art. 370, § 1.º, do Código de Processo Penal que " a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado ". Contudo, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que " a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal ". Assim, para o defensor constituído, a intimação pode se dar pela publicação de nota de expediente, o que inocorre com o nomeado (público ou dativo), que deve ser intimado pessoalmente. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do STJ: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE DO JULGAMENTO DO APELO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES NOMEA

Causa de aumento e conhecimento de ofício

Caros Amigos, O magistrado pode reconhecer, de ofício, a existência de causa de aumento de pena não mencionada  na denúncia? A literalidade do art. 385 do Código de Processo Penal nos indica que não. Afinal, segundo ele, apenas as agravantes podem ser reconhecidas de ofício. Vejam o seu teor: Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Recentemente, o informativo 510 do Superior Tribunal de Justiça indicou que esta seria mesmo a orientação correta. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. VIOLAÇÃO DO CONTRADI

Crimes Ambientais - Interrogatório da Pessoa Jurídica

Caros Amigos, Os crimes contra o meio ambiente são uma matéria de relevante impacto social, a qual, contudo, ainda não recebe a devida atenção pelos estudiosos do Direito. Como o Blog foi feito para oferecer soluções, teremos neste espaço, periodicamente, discussões sobre este tema. Hoje, o tópico é interrogatório da pessoa jurídica. Sei que muitos jamais refletiram sobre a questão. Entretanto, é algo que ocorre com alguma frequência, já que, diante dos artigos 225, § 3.º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/98, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Sendo tal responsabilização constitucional e legalmente prevista, é imprescindível que seja oferecido ao acusado a possibilidade de oferecer a sua versão dos fatos, o que ocorre através do interrogatório. Nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98, para que haja a condenação de ente fictício, é preciso que “ a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,