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Lei 12.850/13: Comentário VII.


Caros Amigos,

Continuaremos hoje a comentar a Lei 12.850/13, mas a iminência de mais um dia 11 de setembro nos obriga a algumas reflexões.

Afinal, a citada lei se preocupa com o fenômeno terrorismo, como demonstra o artigo 1º, § 2.º, inciso II, abaixo elencado:

§ 2o  Esta Lei se aplica também:
(...)
II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

Contudo, tal preocupação pode ser ofuscada por uma questão de maior relevo, isto é, a existência ou não do tipo penal de terrorismo no Brasil.

A discussão é antiga e restou devidamente retratada no Informativo 593 do STF, em pedido de decretação de prisão preventiva analisado pelo Min. Celso de Mello, abaixo elencado:

EMENTA: PRISÃO PREVENTIVA PARA FINS EXTRADICIONAIS. EXTRADITANDO SUBMETIDO A INVESTIGAÇÃO PENAL PELA SUPOSTA PRÁTICA DO “DELITO DE TERRORISMO”. CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA EXISTENTE EM TORNO DA DEFINIÇÃO E DA TIPIFICAÇÃO PENAL DOS ATOS DE TERRORISMO NO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO. O POSTULADO DA TIPICIDADE (OU DA DUPLA INCRIMINAÇÃO) COMO UM DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS AO ATENDIMENTO DO PEDIDO DE EXTRADIÇÃO (E, TAMBÉM, À DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR PARA EFEITOS EXTRADICIONAIS). POSTULAÇÃO DEDUZIDA POR ESTADO ESTRANGEIRO, QUE NÃO OBSERVA REQUISITOS IMPOSTOS PELO TRATADO BILATERAL DE EXTRADIÇÃO CELEBRADO COM O BRASIL. INOBSERVÂNCIA, AINDA, DE EXIGÊNCIAS ESTABELECIDAS NO (...). “PACTA SUNT SERVANDA”. PEDIDO DE PRISÃO CAUTELAR, PARA EFEITOS EXTRADICIONAIS, INSUSCETÍVEL DE ACOLHIMENTO, POR ESTAR INSUFICIENTEMENTE INSTRUÍDO. NECESSIDADE DE DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES.

DESPACHO: O (...), com fundamento em tratado bilateral de extradição, celebrado (...) e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, mediante promulgação executiva (...), requer, por intermédio de Nota Verbal (fls. 04), a decretação da prisão cautelar de (...), ora submetido, naquele País, a atos de investigação penal, por suposta prática do “delito de terrorismo” (fls. 04).
Cumpre verificar, inicialmente, se a pretensão deduzida pelo (...) satisfaz, ou não, a exigência concernente ao postulado da dupla tipicidade, considerado, para tanto, o crime de terrorismo.

Justifico a indagação em causa pelo fato de o magistério da doutrina advertir que a legislação penal brasileira não teria definido o crime de terrorismo (GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, “Dos Crimes Hediondos - Comentários à Lei nº 8.072/90 de 25 de julho de 1990”, “in” RTJTJDFT, vol. 36/35-66; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Crime Hediondo Exige Definição Ampla”, “in” O Estado de São Paulo, p. 17, 14/11/1990; ANTONIO LOPES MONTEIRO, “Crimes Hediondos – Textos, comentários e aspectos polêmicos”, p. 124, 7ª ed., 2002, Saraiva; ANDRÉ LUIS WOLOSZYN, “Terrorismo Criminal – Um Novo Fenômeno no Brasil”, “in” Revista da AJURIS, vol. 107/25-26; LUIZ REGIS PRADO e ÉRIKA MENDES DE CARVALHO, “Delito Político e Terrorismo: Uma Aproximação Conceitual”, “in” RT, vol. 771/433-436; CARLOS HENRIQUE BORLIDO HADDAD, “Construindo o Sistema Normativo de Repressão ao Terrorismo”, “in” Revista da AJUFE, vol. 80/63-98).
Impende considerar, sob tal aspecto, e no que concerne à existência, ou não, na legislação brasileira, do tipo penal relativo ao crime de terrorismo, o ensinamento, sempre autorizado, de ALBERTO SILVA FRANCO (“Crimes Hediondos”, p. 116/117, 5ª ed., 2005, RT) cujo magistério, no tema, merece ser transcrito:

“De acordo com o art. 2º da Lei n. 8.072/90, o ‘terrorismo’ será insuscetível de anistia, graça e indulto, não comportando ainda fiança e liberdade provisória. Se estas restrições, de caráter penal e processual penal, se coadunam, ou não, com o art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, é matéria de todo irrelevante, nessa altura, pela simples circunstância de inexistir o tipo de ‘terrorismo’, como crime comum ou como crime contra a Segurança Nacional. (...).

.......................................................

A falta de um tipo penal que atenda, no momento presente, à denominação especial de ‘terrorismo’ e que, ao invés de uma pura ‘cláusula geral’, exponha os elementos definidores que se abrigam nesse conceito, torna inócua, sob o enfoque de tal crime, a regra do art. 2º Lei 8.072/90.” (grifei)

Mostra-se evidente a importância dessa constatação, pois, como se sabe, até hoje, a comunidade internacional foi incapaz de chegar a uma conclusão acerca da definição jurídica do crime de terrorismo, sendo relevante observar que, até o presente momento, já foram elaborados, no âmbito da Organização das Nações Unidas, pelo menos, 13 (treze) instrumentos internacionais sobre a matéria, sem que se chegasse, contudo, a um consenso universal sobre quais elementos essenciais deveriam compor a definição típica do crime de terrorismo ou, então, sobre quais requisitos deveriam considerar-se necessários à configuração dogmática da prática delituosa de atos terroristas.

É certo, no entanto, que o dissenso em torno do tema vem suscitando amplo debate na comunidade jurídica, pois é preciso reconhecer que há autores ilustres que sustentam a existência, no ordenamento positivo brasileiro (Lei nº 7.170/83, art. 20), do tipo penal incriminador da prática de terrorismo, valendo destacar, dentre os que assim pensam, a posição de JULIO FABBRINI MIRABETE (“Crimes Hediondos: Aplicação e Imperfeições da Lei”, “in” RT, vol. 663/268-272), de FERNANDO CAPEZ (“Curso de Direito Penal”, vol. 4/640-650, 2006, Saraiva), de PAULO LÚCIO NOGUEIRA (“Dos Crimes Hediondos”, “in” Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vol. 128/27-28, LEX) e de GUILHERME DE SOUZA NUCCI (“Leis Penais e Processuais Penais Comentadas”, p. 604/605, 2ª ed., 2007, RT).

(...)

A questão não restou devidamente enfrentada no citado julgado, porquanto, em se tratando de extradição, o requisito da dupla tipicidade não exige a existência de tipos penais com o mesmo nomen juris. Contudo, a existência de uma polêmica restou devidamente registrada pela nossa Corte Suprema.

Por certo, a reiteração de mais uma nova norma tratando do assunto poderia dar a entender que o tipo penal existe em nossa Legislação. Não seria desarrazoado, também, sustentar que Lei 7.170/83 foi recepcionada pela nossa Constituição em tudo que com ela não conflite, o que é o caso do art. 20, abaixo elencado:

Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.

Entretanto, independentemente do posicionamento que se adote, é preciso salientar que a iminência de uma Copa do Mundo e de Jogos Olímpicos em nosso país sinaliza para a necessidade da edição de norma que claramente tipifique o delito de terrorismo, de forma a dissipar qualquer dúvida existente sobre o assunto.

Além de pacificar questão que enfrenta grande divergência doutrinária, trata-se de uma forma de evitar posteriores alegações de negligência no trato com a matéria, o que não se afigura adequado para um país com notória vocação para o turismo como o Brasil.

É, ao menos, o que me parece.


Fiquem conosco!!

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