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A causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4.º, da Lei de Tóxicos retira o caráter hediondo do delito?



Caros Amigos,

A incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §. 4º, da Lei 11.343/06 impede que o fato criminoso seja equiparado a crime hediondo? Existiria aí uma figura privilegiada?

Segundo a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial Representativo de Controvérsia (REsp 1.329.088-RS), NÃO!!

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPP). PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343⁄2006. CAUSA DE DIMINUIÇÃO. CARÁTER HEDIONDO. MANUTENÇÃO. DELITO PRIVILEGIADO. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO DA PENA. PROGRESSÃO. REQUISITO OBJETIVO. OBSERVÂNCIA. ART. 2º, § 2º, DA LEI N. 8.072⁄1990. OBRIGATORIEDADE.
1. A  aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas, uma vez que a sua incidência não decorre do reconhecimento de uma menor gravidade da conduta praticada e tampouco da existência de uma figura privilegiada do crime.
2. A criação da minorante tem suas raízes em questões de política criminal, surgindo como um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo criminoso, de forma a propiciar-lhe uma oportunidade mais rápida de ressocialização.
3. Recurso especial provido para reconhecer o caráter hediondo do delito de tráfico de drogas, mesmo tendo sido aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006, e para determinar que, na aferição do requisito objetivo para a progressão de  regime,  seja  observado  o  disposto  no art. 2º,  §  2º,  da  Lei n. 8.072⁄1990, com a redação atribuída pela Lei n. 11.464⁄2007, ficando restabelecida a decisão do Juízo da Execução.

Em apertada síntese, entendeu aquela corte que a incidência da minorante não implica na existência de uma figura privilegiada, pelo que continua a incidir o disposto na Lei dos Crimes Hediondos, segundo a qual a progessão de regime “dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente” (art. 2º, § 2º).

Segundo o STJ, a Lei dos Crimes Hediondos não excluiu o tráfico de drogas do seu rol de delitos equiparados, quando presentes as hipóteses do art. 33, § 4.º, da Lei de Tóxicos. Tal opção tem uma razão de ser: o referido dispositivo não reflete conduta menos grave, mas sim a presença de um agente em condições especiais.

Veja-se o seguinte trecho do inteiro teor:

(...)
O acórdão recorrido está a merecer reparos.
O art. 2º da Lei n. 8.072⁄1990 equiparou o delito de tráfico de entorpecentes aos crimes hediondos, dispondo, no § 2º do mesmo artigo, que a progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2⁄5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3⁄5 (três quintos), se reincidente.
Por sua vez, o tipo penal do tráfico de drogas está capitulado no art. 33 da Lei n. 11.343⁄2006, que, em seu § 4º, estabelece que as penas poderão ser reduzidas de 1⁄6 a 2⁄3, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Feita a leitura dos dispositivos, de plano, constata-se que o art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072⁄1990 não excluiu de seu rol o tráfico de drogas quando houver a aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006. Se assim o quisesse, poderia o legislador tê-lo feito, uma vez que a redação atual do dispositivo, conferida pela Lei n. 11.464⁄2007, é posterior à vigência da Lei n. 11.343⁄2006.
Outrossim, observa-se que a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006 elenca como requisitos necessários para a sua aplicação circunstâncias inerentes à pessoa do agente, e não à conduta por ele praticada.
Destarte, a primariedade, os bons antecedentes, bem como a não dedicação a atividades criminosas, nem a integração em organização criminosa são fatos que dizem respeito à pessoa do apenado. Em razão dessas circunstâncias – e não de uma eventual menor gravidade da conduta de traficar –, entendeu o legislador que poderia ser reduzida a pena do condenado.
A hipótese é diferente da situação paradigma que é sempre invocada, referente ao homicídio privilegiado, uma vez que, neste, a redução da pena é feita em razão de circunstâncias inerentes à razão da prática da conduta, as quais o legislador entendeu diminuírem a gravidade da conduta.
É a conclusão que se extrai da leitura do art. 121, § 1º, do Código Penal, o qual estabelece que, se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de 1⁄6 a 1⁄3 (um terço).
Essa, entretanto, não é a mesma hipótese do crime de tráfico de drogas.
A causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343⁄2006 não é aplicada por ser a conduta menos grave, mas surge por razões de política criminal, como um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo criminoso, de forma a propiciar-lhe uma mais rápida oportunidade de ressocialização.
É o que expõe a justificativa apresentada, quando da protocolização do projeto de lei que deu origem à referida norma, ao Senado Federal:
[...]
Outra questão tratada pelo projeto, e que vem sendo objeto de profunda discussão, é a que se refere ao pequeno traficante, de regra dependente, embora imputável, para quem sempre se exigiu tratamento mais benigno. Não olvidando a importância do tema, e a necessidade de tratar de modo diferenciado os traficantes profissionais e ocasionais, prestigia estes o projeto com a possibilidade, submetida ao atendimento a requisitos rigorosos como convém, de redução das penas, ao mesmo tempo em que se determina sejam submetidos, nos estabelecimentos em que recolhidos, ao necessário tratamento.
(PLS n. 115⁄2002, Diário do Senado Federal, 7⁄5⁄2002, pág. 7.392).
(...)

O julgamento foi unânime.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor do julgado.


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