Caros Amigos,
Dispõe o art. 92 do Código
Penal:
Art.
92 - São também efeitos da condenação:
I - a
perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a)
quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um
ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública;
b)
quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro)
anos nos demais casos.
II - a
incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes
dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou
curatelado;
III -
a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática
de crime doloso.
Parágrafo
único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser
motivadamente declarados na sentença.
Pergunta-se: caso uma sentença
condene um acusado à pena de reclusão de 6 anos em regime semiaberto, este fato
basta para que haja a perda do cargo público? Ou o parágrafo único exige que
sejam elencados outros fundamentos para justificar a necessidade desta?
Segundo recente decisão da
Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, é preciso que a decisão seja
fundamentada na necessidade de afastamento do serviço público.
RECURSO
ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO SIMPLES. PERDA DO CARGO PÚBLICO. FUNDAMENTAÇÃO.
NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO.
1.
Para que seja declarada a perda do cargo público, na hipótese descrita no art.
92, inciso I, alínea "b", do Código Penal, são necessários dois
requisitos: a) que o quantum da sanção penal privativa de liberdade seja
superior a 4 anos; e b) que a decisão proferida apresente-se de forma motivada,
com a explicitação das razões que ensejaram o cabimento da medida.
2.
Embora o artigo 92, inciso I, alínea "b", do Código Penal, não exija,
para a perda do cargo público, que o crime praticado afete bem jurídico que
envolva a Administração Pública, a sentença condenatória deve deduzir, de forma
fundamentada e concreta, a necessidade de sua destituição, notadamente quando o
agente, ao praticar o delito, não se encontra no exercício das atribuições que
o cargo lhe conferia.
3. No
caso em exame, o recorrente, policial civil, foi condenado a 6 anos de
reclusão, em regime semiaberto, porque, em local próximo ao bar onde se
comemorava a vitória da seleção brasileira de futebol, após desentendimento
verbal e agressões físicas contra um grupo de pessoas, efetuou disparo de arma
de fogo, ocasionando o óbito da vítima (art. 121, caput, c/c artigo 65, III,
letra "d", ambos do Código Penal).
4. O
juiz de origem, a despeito de considerar todas as circunstâncias favoráveis ao
réu, não ofertou motivação suficiente para justificar a necessidade da perda do
cargo público, uma vez que se limitou a
dizer que "Por fim, nos termos do art. 92, I, letra 'b', do CP, determino,
como efeito da condenação, a perda da função pública por parte do réu
Wallace."
5.
Recurso especial provido, para excluir a perda do cargo público, determinada na
sentença condenatória.
(REsp
1044866/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
02/10/2014, DJe 13/10/2014)
De
acordo com o inteiro teor:
(...)
Dispõe
o artigo 92, inciso I, alíneas "a" e "b" e parágrafo único,
do Código Penal:
Art.
92. São também efeitos da condenação:
I
- a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a)
quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1
(um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para
com a Administração Pública;
b)
quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro)
anos, nos demais casos.
[...].
Parágrafo
único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser
motivadamente declarados na sentença.
Percebe-se
tão somente a existência de dois requisitos para que seja declarada a perda do
cargo público, na hipótese descrita na alínea "b" do citado dispositivo
legal, quais sejam:
a)
o quantum da sanção penal privativa de liberdade seja superior a 4 (quatro)
anos;
b)
a decisão seja proferida de forma fundamentada, com a explicitação dos motivos
que ensejaram a necessidade da medida.
Quis
o legislador, com o advento da Lei n. 9.268⁄96, dar a opção ao magistrado, a
depender das circunstâncias fáticas que o caso concreto traria, de determinar a
perda do cargo, também para delitos outros, não importando sua natureza, desde
que respeitados os requisitos acima mencionados.
Na
lição de Fernando Galvão,
A
perda do cargo, função ou mandado eletivo, em decorrência da prática de crimes
não relacionados ao exercício desses cargos, obedece a outra lógica. Seguindo a
orientação da antiga parte geral do CP, ocorre, nesses casos, a agravação da
pena estabelecida na condenação. A hipótese retrata verdadeira pena acessória,
instituída para os casos de crimes mais graves. Não tendo o crime qualquer
relação com a Administração Pública, a quantidade da pena aplicada indica a
maior gravidade do fato praticado pelo condenado. Em geral, as penas maiores
são aplicadas quando ocorre o emprego de violência ou grave ameaça, bem como a
prática de crimes contra a pessoa. Tais circunstâncias evidenciam o interesse de
afastar o condenado do regular exercício do cargo, função ou mandato.
Independentemente da medida administrativa cabível, o juiz poderá decretar a
perda do cargo, função ou mandado (Direito Penal: parte geral. 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 874).
Note-se,
contudo, que o preceito em questão, embora não exija, para a perda do cargo
público, que o crime praticado afete bem jurídico que envolva a Administração
Pública, não prescinde que o decisum seja devidamente fundamentado.
Isso,
porque, no caso dos autos, o recorrente, policial civil, foi condenado a 6 anos
de reclusão, em regime semiaberto, porque, em local próximo ao bar onde se
comemorava a vitória da seleção brasileira de futebol, após desentendimento
verbal e agressões físicas contra um grupo de pessoas, efetuou disparo de arma
de fogo, ocasionando o óbito da vítima (art. 121, caput, c⁄c artigo 65, III,
letra "d", ambos do Código Penal).
Neste
caso, o juiz de origem apontou genericamente a presença dos vetores do mencionado
dispositivo legal, sem indicar motivação suficiente para justificar a
necessidade da perda do cargo público, uma vez que se limitou a dizer que
"Por fim, nos termos do art. 92, I, letra 'b', do CP, determino, como
efeito da condenação, a perda da função pública por parte do réu Wallace."
(fl. 260).
A
motivação dos atos jurisdicionais, conforme imposição do artigo 93, IX, da
Constituição Federal (“Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade...”),
funciona como garantia da atuação imparcial e secundum legis (sentido lato) do
órgão julgador.
Como
bem leciona Antônio Magalhães Gomes Filho, a motivação exerce quer uma função
política, quer uma garantia processual. Como função política, a motivação das
decisões judiciais “transcende o âmbito próprio do processo” (A motivação das
decisões penais. São Paulo: RT, 2001, p. 80), alcançando o próprio povo em nome
do qual a decisão é tomada, o que a legitima como ato típico de um regime
democrático. Como garantia processual, dirige-se à dinâmica interna ou à
técnica do processo, assegurando às partes um mecanismo formal de controle dos
atos judiciais decisórios, de modo a “atender a certas necessidades de
racionalização e eficiência da atividade jurisdicional” (op.cit, p. 95).
Presta-se,
assim, a motivação dos atos judiciais a servir de controle social sobre os atos
judiciais e de controle das partes sobre a atividade intelectual do julgador,
para que verifiquem se este, ao decidir, considerou todos os argumentos e as
provas produzidas pelas partes, e se bem aplicou o direito ao caso concreto.
O
dever de motivação é uma garantia instrumental, garantia de segundo grau, ou
garantia das garantias, como acentua Luigi Ferrajoli (Direito e Razão. Teoria
do garantismo penal. Tradução coletiva. São Paulo: RT, 2002. p. 492), porquanto
permite saber, pelo exame das razões indicadas na decisão, se os demais
direitos e garantias do acusado (as garantias primárias, que seriam o
contraditório, o ônus da prova da acusação e a defesa) foram observadas, até
para que se viabilize o controle recursal do ato supressor da liberdade, quer
por meio de habeas corpus, quer por meio de recurso previsto na legislação
processual.
Assim,
reitere-se que, em casos tais, é de fundamental importância que a perda do
cargo público venha justificada com a indicação dos motivos concretos pelos
quais levaram o magistrado a reconhecer tal efeito.
Este
é o entendimento da doutrina acerca do artigo 92 do Código Penal, como se pode
conferir dos seguintes excertos:
Como
salientado acima (cf. Nota Noção), os efeitos extrapenais específicos previstos
neste art. 92 não são consequência automática da condenação, mesmo quando
preencham seus pressupostos. Eles dependem de ser motivadamente declarados na
sentença. Ou seja, para terem, realmente, os efeitos assinalados, é
imprescindível que a sentença os declare expressamente, dando os motivos pelos
quais a condenação terá as consequências específicas do art. 92, I a III
(Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em
matéria penal e legislação complementar ⁄ Celso Delmanto ... [et al.] - 8. ed.
rev., atual., e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 355).
O
efeito da condenação, como dispõe expressamente o parágrafo único do
dispositivo em comento, não é automático, nem depende tão-só dos elementos
objetivos. Ao motivar a perda, o juiz deve levar em consideração o alcance do
dano causado, a natureza do fato, as condições pessoais do agente, o grau de
sua culpa (Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência ⁄
Coordenação: Alberto Silva Franco, Rui Stoco, 8. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 462.
Efeitos
específicos são os indicados pelo art. 92 do Código Penal: perda do cargo,
função pública ou mandato eletivo, incapacidade para o exercício do pátrio
poder, tutela e curatela, e inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado
como meio para a prática de crime doloso.
Têm
essa denominação pelo fato de serem aplicados somente em determinados crimes.
Por fim, não são automáticos, necessitando de expressa motivação na sentença
condenatória para produzirem efeitos (Direito Penal esquematizado – Parte
Geral, Cleber Rogério Masson. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2008,
p. 866).
A
jurisprudência também não destoa quanto à necessidade de fundamentação para
justificar a perda do cargo público. Confiram-se:
AGRAVO
REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. LEI N. 8.072⁄1990. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO
PUDOR NA FORMA SIMPLES. NATUREZA HEDIONDA DOS DELITOS. REGIME PRISIONAL.
SEMIABERTO. POSSIBILIDADE. PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. EFEITO NÃO AUTOMÁTICO.
A
perda da função pública não é efeito automático da condenação, segundo disposto
no art. 92, parágrafo único, do Código Penal. Assim, conforme entendimento
deste Tribunal, exige-se que a declaração de perda da função pública se faça
mediante decisão fundamentada, de forma concreta e vinculada (art. 93, IX, da
CF).
(AgRg
no RESP. n. 1.207.006⁄RS, rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe
9⁄4⁄2012).
DIREITO
PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 41 E 386, III, DO CPP.
PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA Nº 282⁄STF. PERDA DO CARGO PÚBLICO.
EFEITO ESPECÍFICO DA CONDENAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE.
[...].
3.
A doutrina pátria e a jurisprudência desta Corte são no sentido de que a perda
do cargo público não é efeito automático da condenação, requerendo a devida
fundamentação, o que não ocorreu, in casu.
4.
Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
(RESP.
n. 1.111.847⁄TO, rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador
convocado do TJ⁄AP), 5ª T., DJe 18⁄10⁄2010).
A
perda de cargo ou a inabilitação para o exercício de cargo ou função pública,
eletivo ou de nomeação "não é automático, nem depende tão-só desses
elementos objetivos; ao motivar a imposição da perda de cargo, função ou
mandato, o juiz deve levar em consideração o alcance do dano causado, a
natureza do fato, as condições pessoais do agente, o grau de sua culpa, etc.,
para concluir sobre a necessidade da medida no caso concreto". Doutrina.
(STF⁄AP
441⁄SP, rel. Ministro Dias Toffoli, rev. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe
8⁄6⁄2012).
(...)
Conforme
destacado pelo próprio acórdão, contudo, a fundamentação não seria necessária
em caso de condenação por tortura, conforme expressa previsão legal:
Por
fim, registre-se que o tratamento jurídico-penal é diverso quando se tratar de
crimes previstos no art. 1º da Lei n. 9.455⁄97. Isso porque, conforme dispõe o
§ 5º do art. 1º do citado Diploma legal, a perda do cargo, função ou emprego
público é efeito automático da condenação, sendo dispensável sua fundamentação
concreta.
Nesse
sentido:
A
perda do cargo, função ou emprego público é efeito automático da condenação
pela prática do crime de tortura, não sendo necessária fundamentação concreta
para a sua aplicação.
(AgRg
no Ag 1.388.953⁄SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6ª T., DJe
28⁄06⁄2013).
Sugere-se
a leitura do inteiro teor do julgado.
Fiquem
conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa.
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