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Tráfico de entorpecentes e dosimetria




Caros Amigos,

Geralmente, todos os posts que tratam de Lei de Tóxicos chamam um grande número de leitores.

A razão é simples: segundo o United Nations Office for Drugs and Crime, o crime organizado transnacional, na primeira década deste milênio, arrecadou aproximadamente US$ 650 bilhões por ano, equivalente a 1.5% do produto interno bruto global. Por sua vez, o tráfico de entorpecentes é responsável por cerca de 20% deste montante (para ver o relatório, clique aqui).

Desta forma, é inquestionável que o tráfico de entorpecentes é pauta comum de todos aqueles que laboram na seara penal. Logo, sua cobrança em concursos públicos é intuitiva. Quando o tópico é destacado em informativo de Tribunal Superior, então, a probabilidade é maior. Afinal, trata-se de matéria que envolve certo grau de polêmica.

É o caso do tópico que vamos tratar hoje, que foi recentemente divulgado no Informativo 733 do STF.

Como é cediço, o artigo 42 da Lei de Tóxicos dispõe que “[o] juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”. Logo, a natureza e a quantidade da substância deverão ser analisados na primeira fase da fixação da pena.

Por outro lado, o art. 33, § 4.º, prevê a diminuição de pena de um sexto a dois terços para os delitos previstos no caput e no § 1.º daquele artigo, “desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”. É, portanto, minorante a ser aplicada na terceira fase da dosimetria da pena.

A questão é: caso se tenha considerado a natureza e quantidade da droga na primeira fase da fixação da pena para elevar a pena-base, este mesmo dado poderá ser computado para reduzir a pena em menor montante, no caso de incidência da causa de diminuição de pena mencionada acima?

O Plenário do STF, levado a uniformizar a jurisprudência daquela Corte, entendeu negativamente, com base no princípio da vedação do bis in idem.

Vejam o inteiro teor da notícia (grifo meu):

Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 1
Caracteriza bis in idem considerar, na terceira etapa do cálculo da pena do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da substância ou do produto apreendido, quando essas circunstâncias já tiverem sido apontadas na fixação da pena-base, ou seja, na primeira etapa da dosimetria, para graduação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Por outro lado, não há impedimento a que essas circunstâncias recaiam, alternadamente, na primeira ou na terceira fase da dosimetria, a critério do magistrado, em observância ao princípio da individualização da pena. Essa a orientação do Plenário que, em face de divergências entre as Turmas quanto à interpretação e à aplicação do art. 42 da Lei 11.343/2006, tivera a questão jurídica controvertida submetida à sua apreciação (RISTF, art. 22, parágrafo único). Em julgamento conjunto de habeas corpus, discutia-se, inicialmente, se a aplicação do art 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, tanto na primeira quanto na terceira fase da dosimetria configuraria bis in idem. Arguia-se, ainda, se, em caso positivo, qual seria a etapa em que o magistrado deveria aplicar a referida regra. No HC 112.776/MS, a defesa sustentava estar caracterizado o bis in idem, porque o magistrado de primeiro grau fixara a pena-base acima do mínimo legal e destacara, entre outras considerações, a natureza e a quantidade da droga apreendida. Além disso, na terceira etapa da dosimetria, ou seja, no exame do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, invocara essas mesmas circunstâncias para estabelecer a redução na fração de ¼. A impetração aduzia que essa dupla valoração negativa de um mesmo fato como circunstância judicial desfavorável e critério para fixação do quantum da diminuição da pena não teria embasamento jurídico. Questionava, ainda, o regime prisional fixado pelo magistrado sentenciante, inicial fechado, ante a interpretação do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, na redação da Lei 11.464/2007. No HC 109.193/MG, a controvérsia restringia-se à legitimidade da invocação do art. 42 da Lei 11.343/2006 na terceira fase da dosimetria da pena.
HC 112776/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013. (HC-112776)
HC 109193/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013.(HC-109193)

Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 2
No HC 112.776/MS, o Tribunal, por maioria, concedeu, em parte, a ordem, para determinar ao juízo competente que procedesse à nova fixação da pena imposta ao paciente e fixasse o regime prisional, à luz do art. 33 do CP. O Plenário destacou que o Pacto de São José da Costa Rica, ratificado no Brasil pelo Decreto 678/92, acolhera o princípio do non bis in idem em contexto específico, ao estabelecer que o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos (art. 8º, 4). Asseverou-se que, a partir de uma compreensão ampliada desse princípio, não restrito à impossibilidade das persecuções penais múltiplas, desenvolveu-se uma das mais relevantes funções no direito penal constitucional: balizar a individualização da pena, com vistas a impedir mais de uma punição individual pelo mesmo fato em momentos diversos do sistema trifásico adotado pelo Código Penal. Consignou-se que, embora o art. 42 da Lei 11.343/2006 estabelecesse que o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente, nada impediria que determinada circunstância — por exemplo, a quantidade de droga apreendida — pudesse ser considerada, alternativamente, ou para fixação da pena-base ou para cálculo da fração de redução a ser imposta na última etapa da dosimetria (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º). Pontuou-se que esse critério, além de afastar ocorrência de bis in idem, prestigiaria o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), a possibilitar um sancionamento mais adequado e condizente com a realidade processual.
HC 112776/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013. (HC-112776)
HC 109193/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013. (HC-109193)

Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 3
Quanto ao regime prisional, assentou-se que o magistrado sentenciante fixara o regime inicial fechado com base apenas na vedação abstrata prevista na Lei 8.072/1990. Recordou-se que o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, na redação dada pela Lei 11.464/2007, fora julgado inconstitucional pelo STF. No mais, rejeitou-se o pedido do impetrante acerca da substituição da sanção corporal por pena restritiva de direitos, porque, nesse ponto, devidamente fundamentada a sentença. Por fim, registrou-se que a nova dosimetria da pena em nada afetaria os fundamentos utilizados pelo juízo de primeira instância, tendo em vista que qualquer que fosse a fase em que considerada a natureza e a quantidade da droga apreendida, essas seriam circunstâncias que persistiriam para fins de negar ao paciente a substituição da reprimenda, a teor do art. 44, III, do CP. Vencidos, em parte, os Ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Dias Toffoli e Marco Aurélio, que concediam a ordem em menor extensão. Aduziam que a análise das circunstâncias na primeira e na terceira fase da dosimetria não caracterizaria bis in idem. Destacavam que o que elevaria a pena-base seria a intensidade da lesão à saúde pública, enquanto que a causa de diminuição seria decorrente do grau de envolvimento do réu com a criminalidade organizada ou a sua maior devoção à atividade criminosa. Frisavam que a natureza e a quantidade de droga serviriam, em ambos os casos, apenas como elemento indiciário de que se valeria o juiz para formar o seu livre convencimento motivado (CF, art. 93, IX, e CPP, art. 155).
HC 112776/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013. (HC-112776)
HC 109193/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013.(HC-109193)

Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 4
No que tange ao HC 109.193/MG, a Corte denegou a ordem por concluir que, no caso, a consideração da natureza da droga apreendida somente na terceira etapa da dosimetria, ou seja, para fixar o fator de redução da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não caracterizaria constrangimento ilegal. O Plenário enfatizou que, nessa fase, em que analisadas as causas de aumento e de diminuição, o critério utilizado para dosar a fração adequada e suficiente para reprovação do delito seria construído, em regra, a partir de elementos que guardassem relação com a minorante ou com a majorante. Assinalou-se que, na Lei de Drogas, as causas de aumento previstas no art. 40 também permitiriam ao julgador dosar a quota a partir de parâmetros delimitados na majorante. Quanto à causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, destacou-se que ambas as Turmas entenderiam que essa minorante estaria condicionada ao preenchimento, de forma cumulativa, dos requisitos de primariedade, de bons antecedentes e de que o agente não se dedicasse a atividades criminosas nem integrasse organização criminosa. Aduziu-se que esses critérios negativos seriam, portanto, excludentes da possibilidade de redução da pena, porque, se não estiverem todos presentes, inviabilizam a incidência do dispositivo. Ponderou-se que esses critérios revelariam a dificuldade de saber quais balizas deveria o julgador levar em conta para definir o quantum de diminuição, mormente em face da largueza da faixa admissível: de um sexto a dois terços. Considerou-se que, ante a ausência de critérios preestabelecidos para a escolha do quantum de diminuição na terceira fase da dosimetria, uma vez que a lei não colocaria à disposição do julgador nenhum dado que pudesse servir de parâmetro, não se vislumbraria contrária ao direito a possibilidade de o julgador socorrer-se de uma ou mais circunstâncias descritas no art. 42 da Lei de Drogas.
HC 112776/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013. (HC-112776)
HC 109193/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013. (HC-109193)

Dosimetria: tráfico de droga e “bis in idem” - 5
Observou-se que, na primeira fase, dever-se-ia levar em conta algumas circunstâncias, preponderantes ou não, e, mais adiante, dosar-se-ia a redução com base em circunstâncias diferentes, a se evitar o bis in idem. Sem admitir essa interação entre o § 4º do art. 33 e o art. 42, ambos da Lei 11.343/2006, o julgador ficaria limitado a aplicar, indistintamente, a maior fração a todos os condenados que tivessem jus à redução, a acarretar uma uniformidade de apenamento, em flagrante violação dos princípios da isonomia, da proporcionalidade, da legalidade, da motivação e da individualização da pena. Pontuou-se que, qualquer que fosse a circunstância utilizada pelo sentenciante (não apenas a quantidade e a qualidade da droga), estar-se-ia considerando, em última análise, o art. 42 da Lei de Drogas. Ponderou-se que essa discricionariedade, juridicamente vinculada, conferida ao magistrado, de definir o momento de sopesar as circunstâncias, seria admitida na jurisprudência do STF.  Asseverou-se que as circunstâncias do art. 42 da Lei 11.343/2006 poderiam ser consideradas, alternativamente, tanto na primeira quanto na terceira fase da dosimetria. Destacou-se que esse critério, além de afastar a ocorrência de bis in idem, prestigiaria o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI). Por fim, registrou-se que aplicar qualquer fração de diminuição, diversa daquela imposta pelas instâncias ordinárias, demandaria o revolvimento de fatos e provas, inviável em sede de habeas corpus.
HC 112776/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013. (HC-112776)
HC 109193/MG, rel. Min. Teori Zavascki, 19.12.2013. (HC-109193)

Diante do exposto, a natureza da substância pode ser considerada na primeira ou na terceira fase da fixação da pena. Entretanto, não o pode ser feito em ambas, sob pena de bis in idem.

Nada impede, contudo, que a natureza da substância seja considerada na primeira fase, com base no art. 59 do Código Penal, devidamente combinado com o art. 42 da Lei 11.343/06, e a quantidade de entorpecentes na terceira fase, para reduzir a pena em menor montante, com base no art. 33, § 4.º, combinado com o art. 42,  ambos da Lei 11.343/06.

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