Pular para o conteúdo principal

Interrogatório do acusado e procedimento especial



Caros Amigos,

Em homenagem a questionamento do William Júnior, o Blog hoje vai tratar da aplicabilidade do procedimento comum às leis especiais.

Como é cediço, o processo comum aplica-se a todos os processos “salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial” (CPP, art. 394, § 2.º, com redação da Lei 11.719/08).

Este dispositivo é objeto de polêmica, já que o procedimento comum, que determina ser o interrogatório do acusado o último ato da instrução, seria supostamente mais benéfico ao acusado que o procedimento previsto na Lei de Tóxicos (Lei 11.343/06), na qual o acusado é interrogado antes das testemunhas. Por outro lado, aplicar o procedimento comum no caso da Lei 11.343/06 seria contrariar texto expresso do CPP (art. 394, § 2.º).

Chamado a uniformizar a aplicação de lei federal, o Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando no sentido de que seja respeitado o disposto no art. 394, § 2.º, do CPP, com redação da própria Lei 11.719/08, que posicionou o interrogatório como último ato da instrução.

Nesse sentido:

(...) APONTADA NULIDADE DO PROCESSO EM FACE DA INOBSERVÂNCIA DA ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS E DO ACUSADO PREVISTA NO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ADOÇÃO DE RITO PREVISTO EM LEGISLAÇÃO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. A Lei 11.343/2006 regulamenta o procedimento a ser seguido nas ações penais deflagradas para a apuração da prática dos delitos ali descritos, dentre os quais o de tráfico de entorpecentes, estabelecendo, assim, rito especial em relação ao comum ordinário, previsto no Código de Processo Penal.
2. Por conseguinte, e em estrita observância ao princípio da especialidade, existindo rito próprio para a apuração do delito atribuído ao paciente, afastam-se as regras do procedimento comum ordinário previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação pressupõe, por certo, a ausência de regramento específico para a hipótese.
3. Se a Lei 11.343/2006 determina que o interrogatório do acusado será o primeiro ato da audiência de instrução e julgamento, ao passo que o artigo 400 do Código de Processo Penal prevê a realização de tal ato somente ao final, não há dúvidas de que deve ser aplicada a legislação específica, pois, como visto, as regras do procedimento comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando nele houver omissões ou lacunas.
(...)
(HC 204.079/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/09/2013, DJe 18/09/2013)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO/REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. TRÁFICO DE DROGAS. RITO PROCESSUAL PREVISTO NO ART. 11.343/2006. PRESUNÇÃO DE ATENDIMENTO AOS PRESSUPOSTOS DA AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. EVENTUAL NULIDADE NÃO ARGUIDA NO MOMENTO ADEQUADO. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE EM RAZÃO DA QUANTIDADE DE DROGAS. POSSIBILIDADE.
1. Não é cabível a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais, quando evidenciada a existência de flagrante ilegalidade (precedentes do STF e do STJ).
2. Se a Lei 11.343/06 determina que o interrogatório do acusado será o primeiro ato da audiência de instrução e julgamento, ao passo que o artigo 400 do Código de Processo Penal prevê a realização de tal ato somente ao final, não há dúvidas de que deve ser aplicada a legislação específica, pois, como visto, as regras do procedimento comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando nele houver omissões ou lacunas (HC n. 195.796/DF, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 28/6/2012).
(...)
(HC 180.209/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2012, DJe 28/11/2012)

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO, PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E USO DE DOCUMENTO FALSO (ARTIGOS 33 E 35 DA LEI 11.343/2006, ARTIGO 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI 10.826/2003 E ARTIGO 304 DO CÓDIGO PENAL). APONTADA NULIDADE DO PROCESSO EM FACE DA INOBSERVÂNCIA DA ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS E DO ACUSADO PREVISTA NO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ADOÇÃO DE RITO PREVISTO EM LEGISLAÇÃO ESPECIAL.
AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. A Lei n. 11.343/06 regulamenta o procedimento a ser seguido nas ações penais deflagradas para a apuração da prática dos delitos ali descritos, dentre os quais o de tráfico de entorpecentes e associação para tal fim, estabelecendo, assim, rito especial em relação ao comum ordinário, previsto no Código de Processo Penal.
2. Por conseguinte, e em estrita observância ao princípio da especialidade, existindo rito próprio para a apuração do delito atribuído ao paciente, afastam-se as regras do procedimento comum ordinário previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação pressupõe, por certo, a ausência de regramento específico para a hipótese.
3. Se a Lei 11.343/06 determina que o interrogatório do acusado será o primeiro ato da audiência de instrução e julgamento, ao passo que o artigo 400 do Código de Processo Penal prevê a realização de tal ato somente ao final, não há dúvidas de que deve ser aplicada a legislação específica, pois, como visto, as regras do procedimento comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando nele houver omissões ou lacunas.
(...)
(HC 195.796/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/06/2012, DJe 28/06/2012)

HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. LEI 11.719/08. ART. 400 DO CPP. APLICAÇÃO AO RITO ESPECIAL DA LEI DE DROGAS. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PROCEDIMENTO ESPECIAL. PREVALÊNCIA AO RITO COMUM DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO.
1. O artigo 394 da Lei Processual Penal dispõe que "o procedimento será comum ou especial", o que significa dizer que o procedimento comum é o utilizado, como regra, para a maioria das infrações penais, salvo quando existir, seja em lei especial, seja no próprio Código, procedimento específico, que é o caso em apreço, porquanto o paciente responde pelo delito de tráfico de entorpecentes, cujo rito processual é atualmente disciplinado na Lei nº 11.343/06.
2. Em estrita observância ao princípio da especialidade, existindo procedimento próprio para a apuração do delito cometido pelo paciente - tráfico de substância entorpecente -, afastam-se as regras do procedimento comum ordinário previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação pressupõe, por certo, a ausência de regramento específico para a hipótese.
3. Não há que se falar no presente caso em aplicação das alterações promovidas pela Lei nº 11.719/08 a ensejar eventual nulidade do processo por inversão no rito processual.
(...)
(HC 170.578/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2011, DJe 29/08/2011)

HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. INOBSERVÂNCIA DO ART. 400 DO CPP. REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO COMO ÚLTIMO ATO DE INSTRUÇÃO. VÍCIO NÃO CARACTERIZADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO.
1. Nos termos do art. 394, § 2º, salvo disposições em contrário do Código de Processo Penal ou de lei especial, o procedimento comum será aplicado a todos os processos. Logo, possuindo a Lei 11.343/06 rito próprio, afastadas estão, em regra, as normas do procedimento comum.
2. O art. 57 da Lei 11.343/06 dispõe que o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento, ao contrário do rito do Estatuto Processual Penal que o fixou como último ato da instrução, nos termos do seu art. 400.
3. In casu, denota-se que o interrogatório foi realizado nos termos estabelecidos no rito especial da Lei de Drogas, razão por que não se verifica a existência de nulidade em face da alegada inobservância do art. 400 do CPP.
(...)
(HC 152.776/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 08/11/2011, DJe 17/11/2011)

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos acórdãos.

Fiquem conosco!!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Intimação: advogado constituído x nomeado

  Caros Amigos, Hoje vamos falar de tópico de processo penal que se encaixa perfeitamente em uma questão de concurso: a intimação do defensor dos atos processuais. Pois bem. Dispõe o art. 370, § 1.º, do Código de Processo Penal que " a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado ". Contudo, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que " a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal ". Assim, para o defensor constituído, a intimação pode se dar pela publicação de nota de expediente, o que inocorre com o nomeado (público ou dativo), que deve ser intimado pessoalmente. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do STJ: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE DO JULGAMENTO DO APELO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES NOMEA...

Causa de aumento e conhecimento de ofício

Caros Amigos, O magistrado pode reconhecer, de ofício, a existência de causa de aumento de pena não mencionada  na denúncia? A literalidade do art. 385 do Código de Processo Penal nos indica que não. Afinal, segundo ele, apenas as agravantes podem ser reconhecidas de ofício. Vejam o seu teor: Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Recentemente, o informativo 510 do Superior Tribunal de Justiça indicou que esta seria mesmo a orientação correta. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. V...

Crimes Ambientais - Interrogatório da Pessoa Jurídica

Caros Amigos, Os crimes contra o meio ambiente são uma matéria de relevante impacto social, a qual, contudo, ainda não recebe a devida atenção pelos estudiosos do Direito. Como o Blog foi feito para oferecer soluções, teremos neste espaço, periodicamente, discussões sobre este tema. Hoje, o tópico é interrogatório da pessoa jurídica. Sei que muitos jamais refletiram sobre a questão. Entretanto, é algo que ocorre com alguma frequência, já que, diante dos artigos 225, § 3.º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/98, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Sendo tal responsabilização constitucional e legalmente prevista, é imprescindível que seja oferecido ao acusado a possibilidade de oferecer a sua versão dos fatos, o que ocorre através do interrogatório. Nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98, para que haja a condenação de ente fictício, é preciso que “ a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,...