Caros Amigos,
Hoje voltaremos a falar em estelionato contra a Previdência
Social.
No post do dia 26 de junho de 2012, havia falado
para vocês que a jurisprudência criava dois cenários.
No primeiro, enquadrava-se o beneficiário que
fraudava a Previdência e, através desta falsidade, seguia recebendo o benefício
reiteradamente. Segundo o STF, este pratica crime permanente.
No segundo cenário, enquadra-se o fraudador que não
recebe o benefício, mas é o responsável pelo recebimento indevido. Este, sim,
praticaria um crime instantâneo de efeitos permanentes.
Qual a diferença? A prescrição, no primeiro caso,
conta da cessação da permanência. No segundo caso, do recebimento indevido da
primeira parcela do benefício previdenciário.
O entendimento segue sendo mantido:
Habeas corpus.
Penal. Crime de estelionato contra a Previdência Social. Artigo 171, § 3º, do
Código Penal. Paciente que praticou a fraude contra a previdência social em
proveito próprio, visando à obtenção indevida de benefício previdenciário.
Crime permanente. Prescrição. Não ocorrência. Termo inicial. Data do
recebimento indevido da última prestação do benefício irregular. Precedentes.
Ordem denegada. 1. A Suprema Corte já
se pronunciou no sentido de que “o crime de estelionato contra a Previdência
Social, quando praticado pelo próprio beneficiário das prestações, tem caráter
permanente, o que fixa como termo inicial do prazo prescricional a data da
cessão (sic) da permanência” (RHC nº 105.761/PA, Primeira Turma, Relator o
Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 1º/2/11). 2. Aplicando esse entendimento, configura-se, no caso, como termo
inicial para a contagem da prescrição, a data em que foi percebida a última
parcela do benefício. Assim, entre essa data e qualquer outra data que
incide como causa interruptiva da prescrição (art. 117 do Código Penal), não
transcorreu período superior a 4 (quatro) anos (art. 109, inciso V, do Código
Penal), prazo prescricional para o delito, considerando-se a pena em concreto
de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, aplicada à paciente. 3. Ordem denegada.
(HC 114573,
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 19/02/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-052 DIVULG 18-03-2013 PUBLIC 19-03-2013)
EMENTA: HABEAS
CORPUS. PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A
PREVIDÊNCIA SOCIAL (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). CRIME INSTANTÂNEO DE
EFEITOS PERMANENTES QUANDO SUPOSTAMENTE PRATICADO POR TERCEIRO NÃO
BENEFICIÁRIO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. 1. A Paciente não é segurada do INSS, mas
funcionária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de João Lisboa/MA, a quem se
imputa a prática do delito de estelionato previdenciário. 2. Este Supremo Tribunal Federal assentou que o crime de estelionato
previdenciário praticado por terceiro não beneficiário tem natureza de crime instantâneo
de efeitos permanentes, e, por isso, o prazo prescricional começa a fluir da
percepção da primeira parcela. Precedentes. 3. Considerando que o
recebimento da primeira parcela pela Paciente ocorreu em 24.11.1995 e que a
pena máxima em abstrato do delito a ela imputado é de seis anos e oito meses, o
prazo prescricional é de doze anos e, não havendo nenhuma causa interruptiva,
se implementou em 24.11.2007, conforme preceituam os arts. 107, inc. IV, e 109,
inc. III, do Código Penal. 4. Ordem concedida.
(HC 112095, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/10/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 07-11-2012 PUBLIC 08-11-2012)
(HC 112095, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/10/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 07-11-2012 PUBLIC 08-11-2012)
No tocante ao STJ, registrei que, na época, havia
uma divergência entre a Quinta Turma, que partilhava do entendimento acima
(isto é, do STF), e a Sexta Turma, que sustentava ser aquele crime instantâneo
de efeitos permanentes, em ambos os casos.
Contudo, a divergência acabou não perdurando e,
atualmente, ambas as Turmas do Superior Tribunal de Justiça professam o mesmo
entendimento:
HABEAS CORPUS.
ESTELIONATO. FRAUDE CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. CRIME PERMANENTE.
TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. CESSAÇÃO DO RECEBIMENTO DAS PRESTAÇÕES
INDEVIDAS. ART. 111, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO CONFORME ART. 109,
INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTE DA 3.ª SEÇÃO DESTA
CORTE SUPERIOR. ORDEM DE HABEAS
CORPUS DENEGADA.
1. É pacífica a jurisprudência desta
Corte no sentido de que o estelionato praticado contra a Previdência Social é
crime permanente. Portanto, tem como marco inicial para a contagem do prazo
prescricional o dia em que cessa a permanência, ou seja, o dia da última
prestação indevidamente recebida. Precedentes.
2. No caso em
análise, a última prestação indevidamente recebida ocorreu em outubro de 2006,
e, sendo de 06 (seis) anos e 8 (oito) meses a pena máxima prevista para o
delito (art. 171, §3.º, do Código Penal), não transcorreu lapso temporal
superior a 12 (doze) anos entre os marcos interruptivos da prescrição, conforme
o disposto no art. 109, inciso III do Código Penal.
3. Ordem de habeas
corpus denegada.
(HC 189.415/RJ,
Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 19/03/2013)
EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIOS DA FUNGIBILIDADE E DA
INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO PRATICADO
PELO BENEFICIÁRIO. CRIME PERMANENTE.
TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. PAGAMENTO DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO INDEVIDA DO
BENEFÍCIO.
(...)
3. O ilícito praticado pelo segurado da
previdência é de natureza permanente e se consuma apenas quando cessa o
pagamento indevido do benefício, iniciando-se daí a contagem do prazo
prescricional, e o ilícito praticado pelo servidor do INSS ou por terceiro não
beneficiário é instantâneo de efeitos permanentes e sua consumação se dá no
pagamento da primeira prestação do benefício indevido, a partir de quando se
conta o prazo de prescrição da pretensão punitiva.
4. Agravo
regimental desprovido.
(EDcl no REsp
1295749/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
21/02/2013, DJe 01/03/2013)
Portanto, atualmente, a posição dos Tribunais
Superiores é uníssona: a) o estelionato contra a previdência praticado pelo
próprio beneficiário é crime permanente, ao passo que b) o cometido por
terceiro não beneficiário, é crime instantâneo de efeitos permanentes.
Apesar disto, pergunto: e se o terceiro for o
beneficiário do crime, tal como ocorre quando um terceiro realiza saques de
valores com o cartão de um segurado falecido?
Segundo a Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, teríamos aí uma hipótese de crime continuado.
Vejam a ementa:
RECURSO ESPECIAL.
PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO PRATICADO POR TERCEIRO APÓS A MORTE DO
BENEFICIÁRIO. SAQUES MENSAIS POR MEIO DE CARTÃO MAGNÉTICO. CONTINUIDADE
DELITIVA. APLICAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Tem aplicação a regra da continuidade
delitiva ao estelionato previdenciário praticado por terceiro, que após a morte
do beneficiário segue recebendo o benefício antes regularmente concedido ao
segurado, como se ele fosse, sacando a prestação previdenciária por meio de
cartão magnético todos os meses.
2. Diversamente do
que ocorre nas hipóteses de inserção única de dados fraudulentos seguida de
plúrimos recebimentos, em crime único, na hipótese dos autos não há falar em
conduta única, mas sim em conduta reiterada pela prática de fraude mensal, com
respectiva obtenção de vantagem ilícita.
3. Recurso
desprovido.
(REsp 1282118/RS,
Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 26/02/2013,
DJe 12/03/2013)
É esclarecedor o seguinte trecho do inteiro teor:
No presente caso, todavia, não se trata de
estelionato praticado pelo próprio segurado ou por não-beneficiário que
cometem a fraude por meio da inserção de dados falsos para a obtenção
indevida de benefício previdenciário.
Trata-se de estelionato previdenciário
praticado por terceiro, que após a morte do beneficiário segue recebendo o
benefício antes regularmente concedido ao segurado, como se ele fosse,
sacando a prestação previdenciária por meio de cartão magnético todos os
meses.
Assim, na presente
hipótese, a fraude não consiste na inserção de dados falsos uma única vez
para a concessão indevida de benefício previdenciário, mas sim na
utilização mensal e reiterada do cartão magnético de segurado da previdência já
falecido, fazendo se passar por ele e obtendo para si vantagem indevida em
prejuízo da Autarquia Previdenciária.
Vale dizer, é
diversa a configuração típica porque no presente caso a fraude é praticada
reiteradamente todos os meses, enquanto nos demais casos a fraude é
praticada uma única vez, ainda que produza efeitos que se protraem no tempo.
De todo o exposto
resulta que, diversamente do que ocorre nas demais hipóteses, de inserção
única de dados fraudulentos seguida de plúrimos recebimentos, em crime
único, na presente hipótese há a prática de nova fraude a cada mês seguida
das respectivas obtenções da vantagem ilícita, em reiteração criminosa nas
mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, tendo perfeita
aplicação a regra da continuidade delitiva, que dispõe:
Art. 71 -
Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira
de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se
idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de
um sexto a dois terços.
Recomenda-se a leitura do inteiro teor do acórdão,
pois isto tem “cara” de questão de concurso!!
Não localizei no STF, nem no STJ, decisões
semelhantes, pelo que o tema deve ser acompanhado. Se você achar, envie para blogdireitoeprocessopenal@gmail.com.
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Sempre vi com reservas, sob o aspecto estritamente jurídico, a posição que enxerga na conduta do beneficiário que recebe mensalmente o benefício um caso de crime permanente. Quando se dá a consumação do crime de estelionato? A resposta é óbvia: com a obtenção da vantagem patrimonial indevida. Pergunta-se: a obtenção da vantagem patrimonial, na hipótese vertente, está ocorrendo de forma permanente, de tal sorte que o indivíduo possa ser preso em flagrante a qualquer tempo enquanto o benefício não esteja suspenso ou cancelado, ou ela se dá apenas de forma periódica, no momento em que o beneficiário retira o valor do benefício? Pode a Polícia Federal invadir a casa de um beneficiário que esteja recebendo indevidamente e o prender em flagrante ? Parece-me óbvio que não, tanto que nunca se viu tal prática. O que a polícia tem feito - e essa me parece a conduta correta - é monitorar o beneficiário e prendê-lo quando este efetua o saque.
ResponderExcluirSou da opinião que o crime de estelionato é instantâneo, consumando-se com o recebimento da vantagem. Entendo, no entanto, que há uma renovação da consumação na hipótese vertente. Com efeito, o agente, desde antes do crime, já tinha como intenção a obtenção de uma vantagem que consistiria no recebimento periódico de um benefício. Cada recebimento foi objetivado pelo agente, mas não possuem autonomia a ponto de serem, cada qual, um crime autônomo. Há sim um crime único cuja consumação, por força da relação jurídica subjacente - que conferiu a condição ao agente de receber a vantagem de forma periódica - se renova a cada novo recebimento.
Não se pode alegar que os recebimentos posteriores ao primeiro sejam mero exaurimento, pois que eles constituem o próprio fim da ação do agente.
Penso que um apego exacerbado a conceitos criados pela doutrina, como o de crime permanente e crime instantâneo, tem produzido um esforço desmedido para encaixar a realidade do estelionato previdenciário em uma dessas categorias.
Poderíamos criar um termo novo para designar tais crimes, como crime de consumação renovada ou periódica. No fundo, ainda o vejo como instantâneo, mas com essa característica.
O Ministro Peluso do STF, em um dos acórdãos referência acerca da matéria, rejeitou a tese do crime permanente, mas adotou a do crime continuado na espécie. Penso que há um engano, pois só houve o emprego do ardil para enganar a previdência uma única vez, por ocasião da concessão do benefício (desprezo aqui as situações em que o beneficiário, por ocasião de revisões, comparece na previdência e a ilude de novo, garantindo a permanência do benefício), de tal sorte que cada recebimento é decorrência daquele ardil primeiro. Não houve novos ardis com vistas a iludir a previdência, mas sim a colheita das vantagens decorrentes da permanência do ente iludido. Não me parece que as condutas seguintes possam se enquadrar na hipótese de manutenção em erro, já que se estaria criando a obrigação de o agente do crime comunicar o seu próprio crime. Se ele induziu em erro para conseguir um objetivo, todo objetivo conquistado faz parte de um mesmo crime, um crime único em essência.
Gino Lôbo