Pular para o conteúdo principal

Dosimetria em debate: reincidência II



Caros Amigos,

Seguimos hoje com nossos comentários sobre dosimetria da pena e, mais especificamente, sobre a reincidência.

Uma questão que sempre vem destacada pela jurisprudência é a necessidade de se atentar para a impossibilidade do bis in idem.

Isto é, uma condenação utilizada para fins de elevar a pena-base com base em maus antecedentes, não pode ser utilizada igualmente para fins de reincidência.

Neste sentido:

Súmula 241, STJ. A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.

Da mesma forma, “havendo registros criminais geradores de reincidência, devidamente sopesados na segunda etapa da dosimetria, não poderiam ser valorados para concluir que o agente possui personalidade voltada à criminalidade, sob pena de indevido bis in idem”. (HC 235.496/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 24/08/2012)

Portanto, verificando-se que o condenado ostenta contra si uma condenação criminal transitada em julgado, é preciso tomar os seguintes cuidados:

1º. Para se falar em reincidência, é preciso que a prática do segundo crime seja posterior ao trânsito em julgado da condenação pelo primeiro delito.

Lembro, neste sentido, o teor do art. 63 do CP:

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

2º Se a prática do segundo delito se der antes do trânsito em julgado da primeira condenação, não haverá reincidência. Contudo, esta condenação poderá ser computada para fins de antecedentes.

3º A menção ao trânsito em julgado é relevante, posto que, inexistindo este, não se poderia nem sequer falar em antecedentes, sob pena de violação do princípio da presunção da inocência, consoante o posicionamento externado pela Súmula 444 do STJ, abaixo elencada:

Súmula 444 do STJ. É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

O STF reconheceu a repercussão geral da matéria no HC 591054, que merece acompanhamento.

4.º Se o segundo delito for posterior ao trânsito, é preciso atentar para disposto no art. 64, I, do Código Penal, que fala do chamado período depurador.

Art. 64 - Para efeito de reincidência:
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;
II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

Ou seja, para que se possa falar em reincidência, é preciso que, “entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior” não tenha decorrido mais de 5 anos. Se tiver transcorrido este prazo, a condenação deve ser conhecida apenas por ocasião da primeira fase de aplicação da pena, como maus antecedentes.

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES. DECURSO DE INTERREGNO QUINQUENAL. PERÍODO DEPURADOR QUE PREVALECE APENAS PARA FINS DE REINCIDÊNCIA. DESINFLUÊNCIA COM RELAÇÃO AOS ANTECEDENTES CRIMINAIS. POSSIBILIDADE DE ELEVAÇÃO DA PENA BASE. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO (FECHADO). CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 59 E 33, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. ORDEM DENEGADA.
1. Em virtude da regra prevista no art. 64, inciso I, do Código Penal, as condenações penais transitadas em julgado há mais de cinco anos não prevalecem para fins de reincidência. Entretanto, podem ser consideradas como maus antecedentes, nos termos do art. 59 do Código Penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e desta Corte.
2. Fixada a pena-base acima do mínimo legal, porque consideradas, no caso concreto, circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (antecedentes criminais), tem-se por justificada a fixação de regime prisional mais gravoso, segundo disposto no art. 33, §§ 2.º e 3.º, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal. Precedentes.
3. Habeas corpus denegado.
(HC 193.476/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 14/04/2011, DJe 04/05/2011)

A questão foi reconhecida como de repercussão geral, em recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina pretendendo que condenações já atingidas pelo período depurador sejam consideradas maus antecedentes (RE 591054).

5º O fato de uma condenação não poder ser valorada como maus antecedentes e como reincidência ao mesmo tempo não quer dizer que jamais haverá cumulação entre estas circunstâncias.

Afinal, “não configura bis in idem a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado, para caracterizar os maus antecedentes e a reincidência do paciente, desde que distintamente sejam utilizadas para exasperar a primeira e segunda fases da dosimetria”. (HC 235.813/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 20/09/2012, DJe 26/09/2012).

Assim, poderá haver cumulação da exasperação da pena por maus antecedentes e reincidência se houver mais de uma condenação com trânsito em julgado.

6º Como salientado no recente Informativo 506 do STJ, contudo, estas condenações não poderão ser valoradas também para concluir que o agente possui personalidade voltada para cometer delitos.

Observem o teor da notícia:

DIREITO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. REGISTROS CRIMINAIS. BIS IN IDEM.
Havendo registros criminais já considerados na primeira e na segunda fase da fixação da pena (maus antecedentes e reincidência), essas mesmas condenações não podem ser valoradas para concluir que o agente possui personalidade voltada à criminalidade. A adoção de entendimento contrário caracteriza o indevido bis in idem. Precedentes citados: HC 235.496-SP, DJe 24/8/2012, e HC 184.027-MS, DJe 26/6/2012. HC 165.089-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/10/2012.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos julgados mencionados no post.
 
Outra questão relevante é a preponderância ou não da reincidência sobre a confissão espontânea. Mas isto restou bem abordados em dois posts do mês de agosto. Sugere-se a releitura destes.

Fica a dica.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Intimação: advogado constituído x nomeado

  Caros Amigos, Hoje vamos falar de tópico de processo penal que se encaixa perfeitamente em uma questão de concurso: a intimação do defensor dos atos processuais. Pois bem. Dispõe o art. 370, § 1.º, do Código de Processo Penal que " a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado ". Contudo, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que " a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal ". Assim, para o defensor constituído, a intimação pode se dar pela publicação de nota de expediente, o que inocorre com o nomeado (público ou dativo), que deve ser intimado pessoalmente. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do STJ: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE DO JULGAMENTO DO APELO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DOS DEFENSORES NOMEA...

Causa de aumento e conhecimento de ofício

Caros Amigos, O magistrado pode reconhecer, de ofício, a existência de causa de aumento de pena não mencionada  na denúncia? A literalidade do art. 385 do Código de Processo Penal nos indica que não. Afinal, segundo ele, apenas as agravantes podem ser reconhecidas de ofício. Vejam o seu teor: Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Recentemente, o informativo 510 do Superior Tribunal de Justiça indicou que esta seria mesmo a orientação correta. RECURSO ESPECIAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CAUSA DE AUMENTO APLICADA NA SENTENÇA SEM A CORRESPONDENTE DESCRIÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO SUPOSTO DANO CAUSADO A TERCEIRO NA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. V...

Crimes Ambientais - Interrogatório da Pessoa Jurídica

Caros Amigos, Os crimes contra o meio ambiente são uma matéria de relevante impacto social, a qual, contudo, ainda não recebe a devida atenção pelos estudiosos do Direito. Como o Blog foi feito para oferecer soluções, teremos neste espaço, periodicamente, discussões sobre este tema. Hoje, o tópico é interrogatório da pessoa jurídica. Sei que muitos jamais refletiram sobre a questão. Entretanto, é algo que ocorre com alguma frequência, já que, diante dos artigos 225, § 3.º, da CF e art. 3º da Lei 9.605/98, é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais. Sendo tal responsabilização constitucional e legalmente prevista, é imprescindível que seja oferecido ao acusado a possibilidade de oferecer a sua versão dos fatos, o que ocorre através do interrogatório. Nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98, para que haja a condenação de ente fictício, é preciso que “ a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual,...