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Competência e importação de medicamentos



Caros Amigos,

Hoje vamos tratar da competência para julgamento do art. 273, § 1º- B, do Código Penal, no caso de importação, para fins comerciais, de medicamento oriundo do exterior.

Vejam o teor do dispositivo:

Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; ((Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
V - de procedência ignorada; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Modalidade culposa
§ 2º - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Isto é, refiro-me ao caso daquele que introduz no país, para fim comercial, medicamento sem registro no órgão competente, delito que reiteradamente tem sido visto no nosso dia-a-dia forense, tendo como objeto medicamentos contra a impotência, abortivos ou, como no caso em tela, anabolizantes.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a competência é da Justiça Federal, por haver lesão a bem, interesse ou direito da União Federal, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal.

Cita-se, neste sentido, o Conflito de Competência n.º 119.594/PR, divulgado no último informativo do STJ.

No caso em debate, o acusado havia sido flagrado com anabolizantes oriundos do Paraguai. O magistrado federal, contudo, entendeu não ser sua a competência, pois se tratava de crime contra a saúde pública, cujo interesse afeta não só a União Federal, como os demais entes federativos. Ademais, a internacionalidade da conduta não bastaria para atrair a competência da Justiça Federal, por não haver tratado ou convenção que obrigue o Brasil a erradicar este delito, como exigiria o art. 109, V, da Constituição Federal.

O juiz estadual, entretanto, suscitou o conflito, por entender que a internacionalidade da conduta, confessada pelo próprio acusado, representaria ofensa direta a bem, serviço ou interesse da União.

A Terceira Seção do STJ, de forma unânime, entendeu ser competente para julgar o feito a Justiça Federal, por entender que a internacionalidade, comprovada nos autos, basta para representar ofensa direta a bem, serviço ou interesse da União.

Abaixo, transcrevo a fundamentação da Terceira Seção:

Na linha do entendimento desta Corte, a competência para o processo e julgamento de crimes contra a saúde pública é concorrente aos entes da Federação. Somente se constatada a internacionalidade da conduta, firma-se a competência da Justiça Federal para o deslinde do feito.

No caso vertente, apurou-se que o investigado importou e trazia consigo os medicamentos, confessando que os teria adquirido no Paraguai, tendo sido, inclusive, realizada a apreensão de tais produtos quando da fiscalização da Receita Federal no ônibus em que viajava, oriundo de Foz do Iguaçu, o que, a princípio, denota a existência, em tese, de lesão a bens, interesses ou serviços da União, porquanto presentes indícios de que o acusado é o responsável pelo ingresso do produto em território nacional, o que configura a internacionalidade da conduta.

Nesse sentido:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. IMPORTAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. OFENSA A BENS, DIREITOS OU SERVIÇOS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
I - Hipótese que cuida da introdução, em território nacional, de medicamento produzido na Itália e provavelmente adquirido no Paraguai.
II - Configurada que a produção do medicamento deu-se em território estrangeiro e existindo fortes indícios de que igualmente o foi sua aquisição, resta configurada a internacionalidade da conduta a justificar a atração da competência da Justiça Federal.
III - Conflito conhecido para declarar competente para apreciar e julgar a causa o Juízo Federal da 1ª Vara de Jaú⁄SP.
(CC 116.037⁄SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09⁄11⁄2011, DJe 17⁄11⁄2011)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. IMPORTAÇÃO E TRANSPORTE DE MEDICAMENTOS DESTINADOS A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. ARTIGO 273, § 1-B, INCISOS I e V, DO CÓDIGO PENAL. COMPROVAÇÃO DO CARÁTER INTERNACIONAL DO DELITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. É da competência da Justiça Federal o julgamento do crime previsto no artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal, sempre que estiver caracterizada a internacionalidade do delito.
2. No caso, o réu foi preso em flagrante quando trazia consigo diversos medicamentos de origem estrangeira e proibidos no território nacional, tais como "Pramil" e "Rheumazim Forte", existindo indícios concretos do caráter internacional do crime, notadamente pelo fato de que o ônibus em que o acusado viajava fazia o trajeto Foz do Iguaçu⁄PR a Belém⁄PA, valendo ressaltar que os outros passageiros informaram que todas as mercadorias apreendidas eram oriundas do Paraguai, evidenciando, assim, a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito.
3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 1ª Vara de Araçatuba⁄SP, o suscitado.
(CC nº 115.563⁄SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 23⁄11⁄2011)

Diante de tais considerações, conheço do conflito de competência e declaro competente o suscitado, Juízo Federal da  1ª Vara Criminal de  Foz do Iguaçu - SJ⁄PR .

Recomenda-se a leitura do inteiro teor do julgado.

Só mais uma coisa: por ventura, vocês atentaram para o fato de que o acusado por introduzir anabolizante responderá por um delito mais grave que o próprio tráfico de entorpecentes?

Isto está correto?

Dou minha opinião no próximo post.

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