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Terrorismo

Caros Amigos,

Hoje o Blog volta a tratar do tema terrorismo.

Como tornado público no Informativo 772, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal resolveu questão de ordem para declarar extinto o pedido de extradição de nacional peruano pelo crime de terrorismo.

O fundamento da decisão foi a falta de preenchimento dos requisitos para extradição, tais como a existência de informação acerca da data do fato (a permitir a análise da prescrição) e da descrição fática acusação (a permitir a análise da dupla tipicidade).

Logo, ainda que a Segunda Turma não tenha apreciado o mérito acerca da tipicidade ou não do crime de terrorismo no Brasil, a matéria acabou sendo abordada in dicta pela Turma.

Tal análise, que deve ser considerada como um indicativo do entendimento que deverá ser prolatado pela Segunda Turma no futuro, é muito relevante.

 Da leitura do julgado, tenho que os tópicos mais importantes deste voto seriam dois.

Primeiro, inexistiria, para a Segunda Turma, tipo penal de nome jurídico terrorismo, como demonstra o trecho abaixo transcrito:

(...)

A situação ora referida evidencia a absoluta falta de interesse pelo prosseguimento deste feito, que já se mostrava inviável, de qualquer maneira, a meu juízo, consideradas as razões que expus no despacho exarado a fls. 75/86, no qual destaquei a impossibilidade de observância, no caso, do princípio da dupla tipicidade, eis que, tratando-se do delito de terrorismo, inexiste, quanto a ele, a pertinente definição típica.

Com efeito, já tive o ensejo de acentuar, na oportunidade em que proferi referido despacho, que o magistério da doutrina tem enfatizado que a legislação penal brasileira não definiu o crime de terrorismo (GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, “Dos Crimes Hediondos – Comentários à Lei no 8.072/90 de 25 de julho de 1990”, “in” RTJTJDFT, vol. 36/35-66; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Crime Hediondo Exige Definição Ampla”, “in” O Estado de São Paulo, p. 17, 14/11/1990; ANTONIO LOPES MONTEIRO, “Crimes Hediondos – Textos, comentários e aspectos polêmicos”, p. 124, 7a ed., 2002, Saraiva; ANDRÉ LUIS WOLOSZYN, “Terrorismo Criminal – Um Novo Fenômeno no Brasil”, “in” Revista da AJURIS, vol. 107/25-26; LUIZ REGIS PRADO e ÉRIKA MENDES DE CARVALHO, “Delito Político e Terrorismo: Uma Aproximação Conceitual”, “in” RT, vol. 771/433-436; CARLOS HENRIQUE BORLIDO HADDAD, “Construindo o Sistema Normativo de Repressão ao Terrorismo”, “in” Revista da AJUFE, vol. 80/63-98, v.g.).

Impende considerar, sob tal aspecto, e no que concerne à ausência de previsão normativa, na legislação brasileira, do tipo penal relativo ao crime de terrorismo, o ensinamento, sempre autorizado, de ALBERTO SILVA FRANCO (“Crimes Hediondos”, p. 116/117, 5a ed., 2005, RT), cujo magistério, no tema, merece ser transcrito:

“De acordo com o art. 2o da Lei n. 8.072/90, o ‘terrorismo’ será insuscetível de anistia, graça e indulto, não comportando ainda fiança e liberdade provisória. Se estas restrições, de caráter penal e processual penal, se coadunam, ou não, com o art. 5o, XLIII, da Constituição Federal, é matéria de todo irrelevante, nessa altura, pela simples circunstância de inexistir o tipo de ‘terrorismo’, como crime comum ou como crime contra a Segurança Nacional. (...).
.......................................................................................................
A falta de um tipo penal que atenda, no momento presente, à denominação especial de ‘terrorismo’ e que, ao invés de uma pura ‘cláusula geral’, exponha os elementos definidores que se abrigam nesse conceito, torna inócua, sob o enfoque de tal crime, a regra do art. 2o Lei 8.072/90.” (grifei)

Essa mesma opinião é também compartilhada por JOSÉ CRETELLA NETO (“Terrorismo Internacional”, p. 441/445, item n. 9.3, 2008, Millennium), cuja lição é categórica no sentido da absoluta ausência de tipicidade penal do crime de terrorismo em nosso sistema jurídico:

“9.3 A ordem jurídica brasileira e o terrorismo ...................................................................................................... (...) embora seja mencionado em nossa Lei Magna e na Lei n. 8.072, de 25/7/1990 (‘Lei dos Crimes Hediondos’), no Artigo 2, o delito de ‘terrorismo’ não é tipificado em lei nacional, pois o referido artigo apenas dispõe que o terrorismo, assim como ‘os crimes hediondos (enumerados no Artigo 1), a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins são insuscetíveis de anistia, graça e indulto, bem como de fiança e liberdade provisória’.
Ou seja, ao contrário do que ocorre no Código Penal de Portugal (Artigos 288, 289 e 300) e no Código Penal da Espanha (Artigos 260 a 264), o legislador brasileiro não incluiu o terrorismo na codificação penal geral, razão pela qual não pode haver condenação criminal, no Brasil, pelo delito de ‘terrorismo’, enquanto a conduta não for descrita em lei.” (grifei)

Mostra-se evidente a importância dessa constatação, pois, como se sabe, até hoje, a comunidade internacional foi incapaz de chegar a uma conclusão acerca da definição jurídica do crime de terrorismo, sendo relevante observar que, até o presente momento, já foram elaborados, no âmbito da Organização das Nações Unidas, pelo menos, 13 (treze) instrumentos internacionais sobre a matéria, sem que se chegasse, contudo, a um consenso universal sobre quais elementos essenciais deveriam compor a definição típica do crime de terrorismo ou, então, sobre quais requisitos deveriam considerar-se necessários à configuração dogmática da prática delituosa de atos terroristas.

É certo, no entanto, que o dissenso em torno do tema vem suscitando amplo debate na comunidade jurídica, pois é preciso reconhecer que há autores ilustres que sustentam a existência, no ordenamento positivo brasileiro (Lei no 7.170/83, art. 20), do tipo penal incriminador da prática de terrorismo, valendo destacar, entre os que assim pensam, a posição de JULIO FABBRINI MIRABETE (“Crimes Hediondos: Aplicação e Imperfeições da Lei”, “in” RT, vol. 663/268-272), de FERNANDO CAPEZ (“Curso de Direito Penal”, vol. 4/640-650, 2006, Saraiva), de PAULO LÚCIO NOGUEIRA (“Dos Crimes Hediondos”, “in” Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vol. 128/27-28, LEX) e de GUILHERME DE SOUZA NUCCI (“Leis Penais e Processuais Penais Comentadas”, p. 678/679, item n. 24, 5a ed., 2010, RT).

(...)

Vejam que o primeiro parágrafo acima transcrito foi claro no sentido de que inexistiria “pertinente definição típica de terrorismo” no Brasil. 

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal acabou não analisando, nem sequer in dicta, a aplicabilidade do polêmico artigo 20 da Lei de Segurança Nacional, que menciona “atos de terrorismo”.

Segundo, a Segunda Turma foi clara no sentido de que vários fatos correntemente descritos como terroristas seriam crimes no Brasil, mesmo que não sob o nome jurídico terrorismo. Em caso de extradição, portanto, estaria presente a dupla tipicidade.

Neste sentido, o trecho dos debates entre os Ministros:

(...)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Entendi necessário destacar a questão, pois, em sede doutrinária, como registrei em meu voto, tem prevalecido a corrente que sustenta a ausência de tipicidade penal do delito de terrorismo, muito embora o postulado da dupla incriminação, para efeitos extradicionais, possa ser examinado, em cada situação ocorrente, sob a perspectiva de tipos penais correlatos, tais como os referentes aos crimes de homicídio (CP, art. 121), de incêndio (CP, art. 250), de explosão (CP, art. 251), de uso de gás tóxico ou asfixiante (CP, art. 252) e de atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo (CP, art. 261), entre outros.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Isso é importante porque, a rigor, mesmo nesse quadro de aparente ou efetiva anomia, nós podemos ter situações de tipos correlatos. Alguém que seja responsável...

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): É por essa razão que determinei à República do Peru que esclarecesse o evento subjacente ao comportamento alegadamente delituoso, em ordem a que fosse possível fazê-lo subsumir-se a algum tipo penal correlato.

Ocorre que o Estado requerente absteve-se de qualquer esclarecimento, deixando fluir “in albis” o prazo que lhe foi assinado.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Pode ter anomia internacional, mas ter a dupla tipicidade pela equiparação.


O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Isso. Pode causar, por exemplo, uma série de homicídios, ainda que nós não tenhamos o tipo penal do terrorismo...

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): É verdade. Veja-se, por exemplo, o crime de apoderamento ilícito de aeronaves...

(...)

Logo, não seria correto alegar que atos terroristas jamais seriam punidos no Brasil e que não seria possível a extradição com base nestes.

Para evitar desnecessários debates sobre a matéria, contudo, o Min. Celso de Mello bem frisou a necessidade de tipificação do delito de terrorismo:

(...)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Acho fundamental dar consequência, no plano interno, mediante adequado processo legislativo de tipificação penal (CF, art. 5o, XXXIX), a um dos grandes postulados que regem as relações internacionais do Brasil e que consiste no “repúdio ao terrorismo” (CF, art. 4o, VIII).

(...)

Recomenda-se a leitura do inteiro teor do julgado.

Fiquem conosco e indiquem o Blog a quem interessar possa.



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