Caros Amigos,
Hoje
o tema do Blog é a prática do insider
trading, criminalizada pelo art. 27-D da Lei 6.385/76.
Considerando
que os Tribunais tiveram poucas oportunidades de apreciar esta matéria,
conforme se dessume dos raros precedentes localizados, o post representa majoritariamente o entendimento do autor sobre a
matéria.
Veja-se
o teor do dispositivo:
Art.
27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que
tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou
para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de
terceiro, com valores mobiliários: (Artigo incluído pela Lei nº 10.303, de
31.10.2001)
Pena
– reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o
montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. (Incluído pela Lei
nº 10.303, de 31.10.2001)
O
bem jurídico tutelado pelo referido dispositivo é a “confiança depositada pelos
investidores no mercado a fim de assegurar o correto funcionamento do mercado
de capitais”. Afinal, “a credibilidade das operações do mercado de valores
mobiliários se consubstancia na transparência das informações e na divulgação
ampla de fato ou ato relevante a fim de garantir a igualdade de condições a
todos investidores de operar no mercado de capitais” (ACR 00051232620094036181,
DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1
DATA:14/02/2013).
Trata-se
de crime próprio, que só pode ser praticado por aquele que detém “informação
relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual
deva manter sigilo”. Isto é, apenas pode ser praticado pelo insider, isto é, aquele que tem acesso à
informação, nada impedindo a participação de terceiro.
A
informação, além de ser sigilosa, deve ser “capaz de propiciar, para si ou para
outrem, vantagem indevida” na negociação de valores mobiliários. É irrelevante,
para a configuração do tipo penal, que a negociação se dê “em nome próprio ou
de terceiro”.
O
delito se consuma com a utilização da informação (crime formal). Não se afigura
necessário que a operação ocorra, tampouco que haja ganho indevido. Afinal, o tipo
apena exige que a informação relevante seja “capaz” de gerar o lucro indevido.
É
imprescindível que haja o dolo no uso da informação sigilosa relevante, havendo
ciência de que esta informação possa gerar ganhos indevidos. O vazamento
culposo de informação não é típico.
O
tipo penal tem pena mínima de um ano de reclusão e, portanto, admite a
suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95.
Considerando-se
que a conduta criminalizada objetiva o lucro, andou bem o Legislador ao fixar
multa “de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em
decorrência do crime”.
Segundo
a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, a competência
para julgar este delito é da Justiça Federal, como demonstra a interessante
ementa abaixo transcrita:
PENAL E PROCESSUAL
PENAL - CRIME CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS - USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO
PRIVILEGIADA - INSIDER TRADING - ART. 27-D DA LEI Nº 6.385/76 - JUSTIÇA FEDERAL
- COMPETÊNCIA - AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO - COMPROVAÇÃO - OFENSA AO BEM
JURÍDICO TUTELADO NO BRASIL - REPRIMENDAS QUE DEVEM SER MAJORADAS - PENA DE
MULTA - FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL - ARTIGO 72 DO CP - INAPLICABILIDADE -
FIXAÇÃO DO DANO MORAL COLETIVO (ART. 387, VI, CPP) - APLICAÇÃO - APELAÇÃO
MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDA - APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA . 1. - A
Justiça Federal é competente para processar e julgar o delito de uso indevido
de informação privilegiada tendo em vista que artigo 109, VI, da CF, deve ser
interpretado sistematicamente com os demais dispositivos constitucionais, bem
como extensivamente, em razão do interesse jurídico da União. Por conseguinte,
muito embora o termo "mercado de capitais" não estivesse previsto nos
dispositivos constitucionais (arts. 21, VIII, e 192), o interesse direto da
União reside na higidez do Sistema Financeiro Nacional, mormente no cunho
fiscalizatório da União a fim de assegurar a confiança e segurança jurídica no
correto funcionamento do mercado de valores mobiliários. 2.- Autoria delitiva
comprovada ante o conjunto probatório carreado, apto à demonstração de
infringência ao dever de lealdade consubstanciada na utilização de informações
privilegiadas ainda não divulgadas ao mercado acionário nas operações
referentes à oferta pública de ações, em razão dos cargos ocupados pelos acusados.
Materialidade induvidosa ante a prova documental coligida. 3.- Não há falar em
ausência de dolo, pois os acusados eram ocupantes de funções de alta relevância
na empresa, e por óbvio tinham ciência do dever de lealdade e de sigilo das
informações em razão dos cargos que ocupavam, bem como não poderiam utilizar de
informações privilegiadas para negociar valores mobiliários no mercado de
capitais, valendo-se de intermediários estrangeiros com o intuito de ocultar
das autoridades brasileiras as operações negociadas no exterior. 4.- O bem
jurídico tutelado no delito em apreço consiste na confiança depositada pelos
investidores no mercado a fim de assegurar o correto funcionamento do mercado
de capitais. Ademais, a credibilidade das operações do mercado de valores
mobiliários se consubstancia na transparência das informações e na divulgação
ampla de fato ou ato relevante a fim de garantir a igualdade de condições a
todos investidores de operar no mercado de capitais. 5.- Reprimendas que devem
ser majoradas, diante da exasperação da pena-base. 6.- Nos termos do artigo 49
do CP, a multa deverá ser revertida ao fundo penitenciário, in casu, ao Fundo
Penitenciário Nacional (FUNPEN), consoante artigo 2º, V, da Lei Complementar
federal 79/94, uma vez que não há previsão expressa na Lei nº 6.385/76
especificando o destino da mencionada pena pecuniária. 7.- Alinho-me ao
entendimento explanado por Paulo José da Costa Júnior (Comentários ao Código
Penal, pág. 248), no sentido da inaplicabilidade da apontada norma legal (art.
72 do CP) ao crime continuado, pois nessa hipótese "não há concurso de
crimes mas crime único e, desta forma, em paralelismo com a pena privativa de
liberdade, a unificação deve atingir também a pena de multa". 8. - O
artigo 387, IV, do CPP deve ser aplicado, in casu, sem haver cogitar-se em
ferimento a quaisquer preceitos constitucionais ou legais, porquanto trata-se
de norma de direito processual (e não material), aplicável, pois, de imediato,
nos termos do previsto no artigo 2º do Código de Processo Penal. O dispositivo
legal em comento possui caráter reparatório, pois visa a compensar os danos
causados pelos acusados. Não se trata de nenhuma novidade, pois o artigo 91 do
CP já disciplinava a reparação civil. Na verdade, o art. 387, IV, do CPP, com redação
modificada pela Lei nº 11.719/08, surgiu tão-somente para assegurar maior
eficácia ao que determinava o artigo 91 do CP. 9. - O dano moral coletivo está
expressamente previsto tanto no Código de Defesa do Consumidor (L. 8.078/90,
art. 6º, VI e VII) quanto na Lei de Ação Civil Pública (L. 7.347/85, art. 1º,
IV). Ainda, compete ressaltar, a existência da Lei nº 7.913, de 07.12.1989 que
instituiu a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos
investidores no mercado de valores mobiliários. 10. - Muito embora o interesse
tutelado no caso vertente não se refira aos interesses dos consumidores, nada
impede a utilização das disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor,
tendo em vista que quaisquer espécies de interesses coletivos serão abarcadas
pela sobredita legislação. 11. - A par disso, tanto o Código de Defesa do
Consumidor quanto a Lei de Ação Civil Pública constituem um microssistema
jurídico que tutela interesses coletivos ou difusos. Dessa forma, torna-se
plenamente cabível a reparação de danos morais coletivos na ação cível pública
prevista na Lei nº 7.913/89. 12. - Segundo o autor Leonardo Roscoe Bessa (Dano
moral coletivo, in Revista de Direito do Consumidor nº 59/2006), a disciplina
do dano moral coletivo não está restrita apenas ao modelo teórico da
responsabilidade civil privada de órbita individual. No entanto, prossegue o
autor que "em face da exagerada simplicidade com que o tema foi tratado
legalmente, a par da ausência de modelo teórico próprio e sedimentado para atender
aos conflitos transidividuais, faz-se necessário construir soluções que vão se
utilizar, a um só tempo, de algumas noções extraídas da responsabilidade civil,
bem como de perspectiva própria do direito penal". 13. - Assim, no caso
vertente, em que estão em discussão danos aos interesses do conjunto de
investidores do mercado de valores mobiliários, a tutela efetiva do referido
direito coletivo se sobressai no aspecto preventivo da lesão, em homenagem aos
princípios da prevenção e precaução. Desse modo, o dano moral coletivo se
aproxima do direito penal, sobretudo pelo seu aspecto preventivo, ou seja, de
prevenir nova lesão a direitos transindividuais. 14. - O dano moral coletivo
reveste-se também de caráter punitivo pela qual sempre esteve presente também
nas relações privadas individuais, v.g., astreintes e cláusula penal
compensatória. Assim, o caráter dúplice do dano moral individual consiste na
indenização e na punição que também se aplicam ao dano moral coletivo. 15. -
Enfim, o dano moral coletivo constitui-se de uma função punitiva em decorrência
de violação de direitos metaindividuais, sendo devidos, portanto, no caso em
tela, prescindindo-se de uma afetação do estado anímico (dor psíquica)
individual ou coletiva que possa ocorrer. 16. - In casu, além do insider ter
praticado a conduta delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/76, ele
violou, da mesma forma, as disposições contidas nos artigos 153 e 155 da Lei nº
6.404/76, bem como no art. 1º, I e II, da Lei nº 7.913/89. 17. - Com relação ao
quantum a ser fixado a título de "valor mínimo para reparação dos danos
causados pela infração", um dos parâmetros a ser utilizado, será o
montante que desestimule o infrator para a prática de conduta delitiva.
Ademais, utilizarei os parâmetros previstos na Lei nº 6.385/76, que disciplina
o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários,
tendo em vista que a referida lei estabeleceu a previsão de multas
administrativas no artigo 11, bem como especificou a tutela do bem jurídico protegido
pela norma penal. 18. - Há de se ressaltar que o quantum fixado para cada um
dos réus foi a título de valor mínimo para reparação dos danos causados pelo
delito, sendo que nada impede o ajuizamento de eventual ação de natureza
coletiva no juízo cível. 19. - A despeito das previsões contidas nos artigos 13
da Lei nº 7.347/85 e art. 2º, § 2º, da Lei nº 7.913/89, os valores serão
destinados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, conforme especificado
na sentença, deverão ser utilizados na promoção de eventos educativos, bem como
na edição de material informativo acerca da conscientização dos investidores
sobre os malefícios da prática do delito de insider trading. 20. - Preliminar
rejeitada. Improvimento do recurso defensivo. Parcial provimento da apelação
ministerial.
(ACR
00051232620094036181, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 - QUINTA
TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2013)
Reitere-se
que apesar do tema ser bem desenvolvido em países como os Estados Unidos, no
Brasil ele ainda não foi muito explorado. Nos próximos anos, a tendência é que
o tópico se desenvolva, diante da evolução do mercado mobiliário.
Leiam
o inteiro teor da decisão aqui citada. Saliente-se que não houve trânsito em
julgado e que a matéria aguarda apreciação pelo STJ.
Fiquem
conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa.
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