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Denunciação caluniosa e dolo direto




Caros Amigos,

Hoje o tema do Blog é o crime de denunciação caluniosa, previsto no art. 339 do CP:

Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
§ 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

Consoante recentemente destacado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, para a configuração de tal delito é imprescindível a existência de dolo direto, representado pela imputação de crime, mesmo com a ciência de que o acusado é inocente. Logo, incorre no referido tipo aquele que se utiliza da máquina estatal para prejudicar terceiro que sabe ser inocente.

Entretanto, não incorre no referido tipo aquele que noticia um fato que entende criminoso, por duas razões. Primeiramente, porque não há dolo. Segundo, porque está a exercer o direito de petição (art. 5º, XXIV, a, CF), o que se configura em causa excludente de ilicitude (art. 23, III, CP).

Neste sentido:

INQUÉRITO. DENÚNCIA CONTRA DEPUTADA FEDERAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA (ART. 102, I, ‘b’, CRFB). DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339 DO CP). DOLO DIRETO NÃO CONFIGURADO. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE PETIÇÃO (ART. 5º, XXXIV, ‘a’, CRFB). CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE (ART. 23, III, CP). PRECEDENTES. DOUTRINA. PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL JULGADA IMPROCEDENTE. 1. O crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP) exige, para sua configuração, que o agente tenha dolo direto de imputar a outrem, que efetivamente sabe ser inocente, a prática de fato definido como crime, não se adequando ao tipo penal a conduta daquele que vivencia uma situação conflituosa e reporta-se à autoridade competente para dar o seu relato sobre os acontecimentos. Precedente (Inq 1547, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 21/10/2004). 2. A doutrina sobre o tema assenta que, verbis: “Para perfeição do crime não basta que o conteúdo da denúncia seja desconforme com a realidade; é mister o dolo. (…) Se ele [o agente] tem convicção sincera de que aquele realmente é autor de certo delito, não cometerá o crime definido” (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 4º volume. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1976. p. 376-378). 3. A Constituição assegura, no seu art. 5º, XXXIV, ‘a’, o direito fundamental de petição aos poderes públicos, de modo que o seu exercício regular é causa justificante do oferecimento de notitia criminis (art. 23, III, do Código Penal), não sendo o arquivamento do feito instaurado capaz de tornar ilícita a conduta do noticiante. 4. A jurisprudência desta Corte preceitua que, verbis: “A acusação por crime de denunciação caluniosa deve conter um lastro probatório mínimo, no sentido de demonstrar que a instauração de investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa teve por única motivação o interesse de atribuir crime a uma pessoa que se sabe ser inocente” (RHC 85023, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 08/05/2007). 5. In casu: (i) consta dos autos que a Polícia Federal realizou uma diligência na residência da ora Denunciada, que, por sua vez, reclamou do horário em que efetivada a medida, seguindo-se troca de hostilidades entre ela e o Delegado que comandou a operação, inclusive com contato físico; (ii) a ora Acusada, então, apresentou notitia criminis ao Ministério Público para que fosse averiguado eventual delito cometido pelos policiais que realizaram a incursão em sua residência; (iii) o procedimento administrativo instaurado, entretanto, foi arquivado, motivo pelo qual foi proposta a denúncia ora apreciada, por denunciação caluniosa (art. 339 do CP); (iv) o vídeo que registrou a diligência não revela maiores detalhes do contato físico entre os envolvidos, pelo que dele não se pode extrair a má-fé da ora Acusada; (v) a própria exordial acusatória reconhece que o exame de corpo de delito realizado na Denunciada apontou a existência de “equimoses avermelhadas, caracterizadas como lesões corporais leves”, o que corrobora a versão apresentada na notitia criminis, no sentido de que houve efetiva agressão física. 6. Pretensão punitiva estatal julgada improcedente, nos termos do art. 6º da Lei nº 8.038/90 e do art. 397, III, do Código de Processo Penal, tendo em vista que o fato narrado na denúncia evidentemente não constitui crime.
(Inq 3133, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 10-09-2014 PUBLIC 11-09-2014)

Há outros julgados do Supremo Tribunal Federal em semelhante sentido:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO: CONSCIÊNCIA DA INOCÊNCIA DO ACUSADO. AUSÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. A acusação por crime de denunciação caluniosa deve conter um lastro probatório mínimo, no sentido de demonstrar que a instauração de investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa teve por única motivação o interesse de atribuir crime a uma pessoa que se sabe ser inocente. Recurso em habeas corpus provido para deferir o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa.
(RHC 85023, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 08/05/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-02 PP-00355 RTJ VOL-00204-01 PP-00278)

DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - ARTIGO 339 DO CÓDIGO PENAL - ELEMENTO SUBJETIVO. O crime do artigo 339 do Código Penal pressupõe a ciência, pelo agente, da inocência do acusado. DENÚNCIA - DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - NARRAÇÃO DOS FATOS. A peça primeira da ação penal há de conter alusão à má-fé do agente, ou seja, o conhecimento da inocência do denunciado, sob pena de rejeição.
(Inq 1547, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 21/10/2004, DJ 19-08-2005 PP-00005 EMENT VOL-02201-1 PP-00050)

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos julgados.

Fiquem conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa.

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