Caros Amigos,
Aquele que opera uma instituição financeira
irregular pode praticar o crime de gestão fraudulenta (art. 4º da Lei 7.492/86)
ou pratica ele o fato típico previsto no art. 16 da Lei 7.492/86?
Art. 4º Gerir fraudulentamente
instituição financeira:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12
(doze) anos, e multa.
Art. 16. Fazer operar, sem a
devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado)
falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários
ou de câmbio:
Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa.
Recentemente, a 5ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça respondeu este questionamento de forma afirmativa, em julgado que
restou assim ementado:
HABEAS CORPUS. GESTÃO
FRAUDULENTA, OPERAÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM AUTORIZAÇÃO E EVASÃO DE
DIVISAS (ARTIGOS 4º, 16 E 22 DA LEI 7.492/1986). ALEGADA ATIPICIDADE DO DELITO
DE GESTÃO FRAUDULENTA. CRIME QUE SÓ PODERIA SER PRATICADO NA HIPÓTESE DE
EXISTIR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA REGULARMENTE CONSTITUÍDA E AUTORIZADA PELO ÓRGÃO
COMPETENTE. CONCEITO FORNECIDO PELO ARTIGO 1º DA LEI DOS CRIMES CONTRA O
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. DEFINIÇÃO LEGAL QUE ENGLOBA PESSOAS FÍSICAS E
JURÍDICAS QUE ATUAM IRREGULARMENTE. TIPICIDADE DA CONDUTA IMPUTADA AO PACIENTE.
ORDEM DENEGADA.
1. O artigo 4º da Lei 7.492/1986
prevê como crime contra o Sistema Financeiro Nacional a gestão fraudulenta de
instituição financeira, cumprindo definir o que constitui "instituição
financeira" para fins de caracterização do ilícito em comento.
2. Para tanto, deve-se recorrer à
própria Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional que, no parágrafo
único do artigo 1º da Lei 7.492/1986 equipara às instituições financeiras
"a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio,
capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros", bem
como "a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste
artigo, ainda que de forma eventual".
3. Assim, tendo a própria Lei dos
Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional estabelecido quem é instituição
financeira para efeitos de sua aplicação, não se pode excluir de seu âmbito de
incidência as pessoas físicas ou as sociedades de fato que operam sem a
autorização do Banco Central do Brasil, as quais estão inseridas no conceito
contido no parágrafo único do artigo 1º da Lei 7.492/1986.
Doutrina. Jurisprudência.
4. No caso dos autos, tendo o
édito repressivo consignado que o paciente seria"um operador do mercado de
câmbio paralelo e que se servia da conta em nome da off-shore Tallmann no
desenvolvimento de suas atividades", e que seria "o real proprietário
da conta aberta em nome da Tallmann na agência do Banestado em Nova York e quer
dela se serviu para a prática de operações financeiras ilegais do mercado de
câmbio pararelo, sem qualquer registro ou contabilização", não há que se
falar em atipicidade da sua conduta, uma vez que ela se subsume ao tipo constante
do artigo 4º da Lei 7.492/1986.
AVENTADA INCOMPATIBILIDADE ENTRE
OS PRECEITOS PRIMÁRIO CONTIDOS NOS ARTIGOS 4º E 16 DA LEI 7.492/1986. TIPOS
PENAIS QUE PUNEM CONDUTAS DISTINTAS. POSSIBILIDADE DE COEXISTÊNCIA DOS CRIMES
EM QUESTÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.
1. No delito de gestão fraudulenta, disposto no
artigo 4º da Lei 7.492/1986, pune-se quem gerencia instituição financeira de
forma enganosa, com má-fé e com a intenção de ludibriar, dando aparência de
legalidade a negócios ou transações que são, na verdade, ilícitas.
2. Por outro lado, ao coibir a
operação de instituição financeira sem a devida autorização, a norma penal
incriminadora disposta no artigo 16 do diploma legal em exame objetiva
sancionar aquele que deixa de atender a formalidade exigida pelo Banco Central
do Brasil para que possa iniciar ou continuar suas atividades.
3. Vê-se, assim, que os tipos
penais em questão não são, de modo algum, incompatíveis entre si, pois o artigo
4º da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional diz respeito à má
gestão da instituição financeira, e o artigo 16 trata do seu funcionamento
irregular, sendo que qualquer interpretação em sentido contrário terminaria por
privilegiar aquele que gerencia fraudulentamente instituição financeira
constituída à margem da lei, estimulando a proliferação de entes e pessoas que
atuam sem a devida autorização do Banco Central do Brasil. Doutrina.
Precedentes do STJ e do STF.
4. Por conseguinte, não se
vislumbra qualquer ilegalidade no acórdão impugnado, por meio do qual o
paciente restou condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 4º, 16
e 22 da Lei 7.492/1986, em concurso formal.
5. Ordem denegada.
(HC 221.233/PR, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 03/12/2012)
Em apertada síntese, apesar de registrar a
existência de outros julgados pretéritos do próprio STJ em sentido contrário, entendeu
a 5ª Turma que o conceito de instituição financeira previsto no art. 1º da
referida norma não se restringe às entidades regulares, como se percebe da
leitura do artigo:
Art. 1º Considera-se instituição
financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou
privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou
não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado)
de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão,
distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores
mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à
instituição financeira:
I - a pessoa jurídica que capte
ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de
poupança, ou recursos de terceiros;
II - a pessoa natural que exerça
quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.
Do inteiro teor, extraio o seguinte trecho:
Como se pode verificar da
definição legal de instituição financeira, esta não se restringe às regulares,
abrangendo, também, todas as pessoas jurídicas e físicas que captem ou
administrem seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança
ou recursos de terceiros, ainda que sem autorização do Banco Central do Brasil.
Conquanto não sejam totalmente
desprovidas de fundamento as críticas à abrangência do conceito de instituição
financeira contido no artigo 1º da Lei 7.492⁄1986, não se pode olvidar que o
referido diploma legal tem por finalidade proteger o Sistema Financeiro
Nacional em sentido amplo, vale dizer, não apenas a política financeira do
Estado, mas também a ordem econômica, a saúde das instituições financeiras, o
patrimônio dos investidores, a administração e a fé públicas.
E, para alcançar este mister, o
legislador ordinário entendeu ser necessário adotar uma compreensão dilatada
dos entes e pessoas que podem ser considerados instituições financeiras para
efeitos de aplicação da Lei 7.492⁄1986, a qual, por óbvio, não pode ser
ignorada pelo intérprete.
Assim, tendo a própria legislação
de regência estabelecido as características de uma instituição financeira para
efeitos de aplicação da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional,
não se pode excluir de seu âmbito de incidência as pessoas físicas ou as
sociedades de fato que operam sem a autorização do Banco Central do Brasil, as
quais, como visto, estão inseridas no conceito contido no artigo 1º da Lei
7.492⁄1986.
Além do conceito de instituição financeira
visivelmente abarcar as irregulares, não faria sentido interpretar a norma de
sorte a beneficiar aquele que não atua de forma regular e, portanto, poderia
atuar fraudulentamente sem punição na seara do direito penal.
Frise-se que não há
conflito aparente de normas entre os artigos 4º e 16º da Lei dos Crimes contra
o Sistema Financeiro, porquanto abarcam condutas distintas, como demonstra o
seguinte trecho do inteiro teor do julgado:
Isso porque no delito de gestão
fraudulenta, disposto no artigo 4º da Lei 7.492⁄1986, pune-se quem gerencia
instituição financeira de forma enganosa, com má-fé e com a intenção de
ludibriar, dando aparência de legalidade a negócios ou transações que são, na
verdade, ilícitas.
Por outro lado, ao coibir a
operação de instituição financeira sem a devida autorização, a norma penal
incriminadora disposta no artigo 16 do diploma legal em exame objetiva
sancionar aquele que deixa de observar as formalidades exigidas pelo Banco
Central do Brasil para que possa iniciar ou continuar suas atividades.
Vê-se, assim, que os tipos penais
em questão não são, de modo algum, incompatíveis entre si, pois enquanto o
artigo 4º da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional diz respeito à
má gestão da instituição financeira, o artigo 16 trata do seu funcionamento
irregular, sendo que qualquer interpretação em sentido contrário terminaria por
privilegiar aquele que gerencia fraudulentamente instituição financeira
irregular, estimulando a proliferação de entes e pessoas que atuam sem a devida
autorização do órgão competente.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu neste mesmo
sentido, em fundamentação bastante semelhante:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS
CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LEI Nº 7.492/86, ARTS. 4º, 16 E 22,
PARÁGRAFO ÚNICO. CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI Nº 9.613/98, ART. 1º, VI E
VII C/C ARTIGO 1º, § 1º, II C/C ARTIGO 1º, § 2º, II C/C ARTIGO 1º, § 4º.
CONEXÃO HÁBIL A FIXAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO PREVENTO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
NÃO VERIFICADA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA QUE PREJUDICA A ANÁLISE DA AUSÊNCIA
DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA DA INÉPCIA DA DENÚNCIA. COMPATIBILIDADE ENTRE OS
CRIMES DOS ARTIGOS 4º E 16 DA LEI 7.492/86. INADMISSIBILIDADE DE REEXAME DE
PROVA NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. (...)
11. Deveras, as condutas
previstas nos artigos 4º e 16 da Lei nº 7.492/86 não se mostram incompatíveis
quando imputáveis ao mesmo acusado, uma vez que gerir fraudulentamente se
encarta na seara da má gestão da instituição, enquanto fazer operar sem a
devida autorização diz respeito ao funcionamento irregular (Art. 4º Gerir
fraudulentamente instituição financeira: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12
(doze) anos, e multa; Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com
autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira,
inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio: Pena - Reclusão,
de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa).
12. Consoante a doutrina do tema,
as expressões legais “gestão fraudulenta” (art. 4º) e “fazer operar, sem a
devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa” (art.
16) não se confundem. “A gestão fraudulenta caracteriza-se pela ilicitude dos
atos praticados pelos responsáveis pela gestão empresarial, exteriorizada por
manobras ardilosas e pela prática consciente de fraudes” (in Mantecca, Paschoal
- Crimes contra a Economia Popular e Sua Repressão. São Paulo, Saraiva, 1985,
p.41).
13. O termo “fazer operar, sem a
devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa” visa
coibir atividade não autorizada ou cuja permissão adveio do fornecimento à
autoridade competente de documentação não autêntica para a finalidade. O art.
16 não se preocupa com a qualidade da gestão da instituição, como o faz o art.
4º da Lei 7.492/86.
14. Os tipos penais dos artigos
4º e 16 não são incompatíveis, porquanto podem ser praticados em concurso
formal, vale dizer, podem configurar-se com apenas uma conduta do agente,
conforme doutrina do tema, verbis: “Em minha posição o delito tanto poderá
ocorrer em instituição financeira regular, autorizada, quanto naquela que
funciona sem autorização (TRF4, HC 20060400006062-0/PR, Néfi Cordeiro, 7ª T.,
u., 4.4.06; STJ, HC 19.909/PR, Jane Silva [Conv.], 5ª T., u., 13.11.07), caso
em que haverá concurso formal com o delito do art. 16. A interpretação
contrária, ao argumento de que o art. 4º está dirigido somente a instituições
regulares, acaba por deixar aquele que atua irregularmente em situação
privilegiada.” (BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 5ª ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 334-335)
15. Consoante dispõe o art. 1º,
I, da Lei nº 7.492/86, o legislador pretendeu ampliar a incidência da lei
especial penal, verbis: “Art. 1º Considera-se instituição financeira, para
efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha
como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação,
intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda
nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação,
intermediação ou administração de valores mobiliários. Parágrafo único.
Equipara-se à instituição financeira: I - a pessoa jurídica que capte ou
administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de
poupança, ou recursos de terceiros; II - a pessoa natural que exerça quaisquer
das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.”, por isso
que não há de se fazer distinção entre instituições regulares ou irregulares,
para fins de subsunção ao tipo penal, porquanto a proteção deve recair sobre a
lisura, a correção e a honestidade das operações atribuídas e realizadas pelas
instituições financeiras e equiparadas, sendo o bem jurídico tutelado a
credibilidade das instituições de crédito e a proteção ao Erário.
(...)
(HC 93368, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/08/2011, DJe-163 DIVULG 24-08-2011 PUBLIC 25-08-2011 EMENT VOL-02573-01 PP-00030)
(HC 93368, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/08/2011, DJe-163 DIVULG 24-08-2011 PUBLIC 25-08-2011 EMENT VOL-02573-01 PP-00030)
Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos
julgados.
#Ficaadica!!!
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