Caros Amigos,
Como é cediço, a Lei 11.343/06, no seu artigo 33, § 4.º, criou causa de
diminuição inexistente para o tráfico de entorpecentes na antiga Lei de Tóxicos
(Lei 6.368/76). Segundo o dispositivo, nos “delitos
definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um
sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes,
não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.
Por outro lado,
as penas para o delito de tráfico foram elevadas na Lei 11.343/06. Na antiga
Lei de Tóxicos, a pena em abstrato para o delito de tráfico era de 3 a 15 anos
de reclusão; na Lei 11.343/06, a pena é de 5 a 15 anos de reclusão.
A questão é: poder-se-ia
aplicar a minorante da nova Lei sobre a pena-base da antiga, com base na
retroação da lei mais benéfica?
O Plenário do
STF respondeu à questão de forma negativa, por maioria, considerando-se que a
lei nova não era mais benéfica, mas apenas parte dela. Consoante o STF, o
princípio da retroatividade da lei mais benéfica não autorizaria a retroatividade
de apenas parte de uma norma. Afinal, o magistrado, em verdade, estaria criando
uma terceira norma, atuando como legislador positivo. Mencionou-se que a
criação da causa de diminuição seria decorrência da elevação da pena-base, não
se justificando sua aplicação no antigo diploma.
Vejam o teor da
notícia constante no Informativo 727 do STF:
Lei
penal no tempo e combinação de dispositivos - 1
É vedada a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (“§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”), combinada com as penas previstas na Lei 6.368/76, no tocante a crimes praticados durante a vigência desta norma. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, proveu parcialmente recurso extraordinário para determinar o retorno dos autos à origem, instância na qual deverá ser realizada a dosimetria de acordo com cada uma das leis, para aplicar-se, na íntegra, a legislação mais favorável ao réu. Prevaleceu o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, relator. Inicialmente, o relator frisou que o núcleo teleológico do princípio da retroatividade da lei penal mais benigna consistiria na estrita prevalência da lex mitior, de observância obrigatória, para aplicação em casos pretéritos. Afirmou que se trataria de garantia fundamental, prevista no art. 5º, XL, da CF e que estaria albergada pelo Pacto de São José da Costa Rica (art. 9º). Frisou que a Constituição disporia apenas que a lei penal deveria retroagir para beneficiar o réu, mas não faria menção sobre a incidência do postulado para autorizar que algumas partes de diversas leis pudessem ser aplicadas separadamente para favorecer o acusado.
Lei
penal no tempo e combinação de dispositivos - 2
O relator
destacou que o caso em exame diferenciar-se-ia da simples aplicação do
princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, pois pretendida a
combinação do caput do art. 12 da Lei 6.368/76 com a causa de diminuição do
art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Explicou que a lei anterior estabelecera,
para o delito de tráfico, pena em abstrato de 3 a 15 anos de reclusão, mas a
norma atual cominara, para o mesmo crime, reprimenda de 5 a 15 anos de reclusão.
Assim, este diploma impusera punição mais severa para o delito, mas consagrara,
em seu art. 33, § 4º, causa especial de diminuição a beneficiar o agente
primário, de bons antecedentes, não dedicado a atividade criminosa e não
integrante de organização criminosa. Concluiu, no ponto, que o legislador teria
procurado diferenciar o traficante organizado do traficante eventual. Observou,
entretanto, que essa causa de diminuição de pena viera acompanhada de outra
mudança, no sentido de aumentar consideravelmente a pena mínima para o delito.
Assim, haveria correlação entre o aumento da pena-base e a inserção da
minorante.
RE
600817/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.11.2013. (RE-600817)
Lei
penal no tempo e combinação de dispositivos - 3
O relator considerou não caber ao julgador aplicar isoladamente a pena mínima prevista na lei antiga em combinação com a novel causa de diminuição, que teria sido prevista para incidir sobre pena-base mais severa. Acresceu que a minorante representaria benefício para os que tivessem praticado crime de tráfico sob a vigência da lei anterior. Porém, para que isso ocorresse, dever-se-ia considerar a pena-base nos termos da Lei 11.343/2006. Não seria lícito, portanto, combinar a pena mínima de uma norma com a minorante de outra, criada para incidir sobre pena-base maior. Ressaltou que, ao assim proceder, o juiz criaria nova lei e atuaria como legislador positivo. Embora o crime fosse o mesmo, a combinação de dosimetrias implicaria uma sanção diversa da previamente estabelecida pelo legislador, seja sob o enfoque da lei antiga, seja sob a ótica da lei nova. Destacou precedentes da Corte a corroborar esse entendimento. Vislumbrou, ainda, situação absurda provocada por essa combinação, a significar que o delito de tráfico poderia ser punido com reprimenda de até um ano de reclusão, semelhante às sanções cominadas a crimes de menor potencial ofensivo. Ponderou que, na dúvida sobre qual o diploma que seria mais benéfico em determinada hipótese, caberia ao juiz analisar o caso concreto para verificar qual a lei que, aplicada integralmente, seria mais favorável ao réu.
RE
600817/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 7.11.2013. (RE-600817)
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penal no tempo e combinação de dispositivos - 4
O Ministro Luiz Fux acrescentou que o Código Penal Militar contém norma que serviria de norte interpretativo para solucionar a questão, em seu art. 2º, § 2º (“§2° Para se reconhecer qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior devem ser consideradas separadamente, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato”). Vencida a Ministra Rosa Weber e os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que proviam o recurso. Consideravam cabível a retroação da norma penal nos aspectos em que beneficiaria o réu, sem que isso implicasse a criação de terceira lei. Ressaltavam que a minorante não existia na legislação pretérita e, por seu ineditismo, constituiria lei nova mais benéfica, razão pela qual deveria retroagir. Nesse caso, adequar a causa especial de diminuição à pena prevista na lei antiga não significaria combinar normas, porque o juiz, ao assim agir, somente movimentar-se-ia dentro dos quadros legais para integrar o princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Vencido, também, parcialmente, o Ministro Marco Aurélio, que desprovia o recurso, por considerar que o caso diria respeito apenas à inadmissível mesclagem de normas, sem que se pretendesse relegar ao juízo de origem a definição da lei a ser aplicada.
RE 600817/MS, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 7.11.2013. (RE-600817)
Recomenda-se a
leitura do inteiro teor, assim que disponibilizado!
Lembre-se que este
vem sendo igualmente o posicionamento do STJ, como recentemente cristalizado na
Súmula 501, comentada pelo Blog em 30 de outubro e abaixo transcrita:
É
cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da
incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que
o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis.
Fiquem conosco!!
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