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Cola eletrônica



Caros Amigos,

Queria, antes de tudo, agradecer a atenção de todos aqueles que têm acessado o Blog, bem como me incentivado a perseverar.

Aos alunos que generosamente têm reconhecido meu esforço em aula, me destinando elogios até certo ponto exagerados, o meu muito obrigado. Agradeçam-me obtendo a aprovação...

Mas, falando em aprovação, lembrei-me de tratar com vocês sobre a cola eletrônica.

Antes da vigência do art. 311-A, muito se discutiu sobre a possibilidade da aprovação em concurso público mediante este ardil implicar em estelionato (art. 171, CP).

Contudo, prevaleceu a tese no sentido de que, em casos como este, inexiste prejuízo patrimonial ao Erário, pois o trabalho deveria ser remunerado de igual maneira, o que impediria a incidência do referido tipo.

Da mesma forma, se houvesse prejuízo, este seria dos candidatos. Entretanto, o estelionato exige uma vítima certa e determinada, o que não ocorreria neste caso.

Esta, ao menos, a posição do Pleno do STF, por maioria, desde o Inq 1145, como demonstram os julgados abaixo elencados:

EMENTA: Inquérito. 1. Denúncia originariamente oferecida pela Procuradoria-Regional da República da 5ª Região contra deputado estadual. 2. Remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal (STF) em face da eleição do denunciado como deputado federal. 3. Parlamentar denunciado pela suposta prática do crime de estelionato (CP, art. 171, § 3o). Peça acusatória que descreve a suposta conduta de facilitação do uso de "cola eletrônica" em concurso vestibular (utilização de escuta eletrônica pelo qual alguns candidatos - entre outros, a filha do denunciado - teriam recebido as respostas das questões da prova do vestibular de professores contratados para tal fim). 4. O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pela configuração da conduta delitiva como falsidade ideológica (CP, art. 299) e não mais como estelionato. 5. A tese vencedora, sistematizada no voto do Min. Gilmar Mendes, apresentou os seguintes elementos: i) impossibilidade de enquadramento da conduta do denunciado no delito de falsidade ideológica, mesmo sob a modalidade de "inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante"; ii) embora seja evidente que a declaração fora obtida por meio reprovável, não há como classificar o ato declaratório como falso; iii) o tipo penal constitui importante mecanismo de garantia do acusado. Não é possível abranger como criminosas condutas que não tenham pertinência em relação à conformação estrita do enunciado penal. Não se pode pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese não mencionada no dispositivo legal (analogia in malam partem). Deve-se adotar o fundamento constitucional do princípio da legalidade na esfera penal. Por mais reprovável que seja a lamentável prática da "cola eletrônica", a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito. 6. A tese vencida, iniciada pelo Min. Carlos Britto, e acompanhada pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, baseou-se nos seguintes argumentos: i) o acusado se defende de fatos, e não da respectiva capitulação jurídica. É indiferente à defesa do acusado a circunstância de a denúncia haver inicialmente falado de estelionato, enquanto sua ratificação, pelo Procurador-Geral da República, redefiniu a questão para focá-la na perspectiva da falsidade ideológica. Para a tese vencida, os fatos narrados não passaram por nenhuma outra versão, permitindo, assim, o desembaraçado manejo das garantias do contraditório e da ampla defesa; ii) o caso tem potencialidade de acarretar prejuízo patrimonial de dupla face: à Universidade Federal da Paraíba, relativamente ao custeio dos estudos de alunos despreparados para o curso a que se habilitariam por modo desonesto, de parelha com o eventual dever de anular provas já realizadas, e, assim instaurar novo certame público; e àqueles alunos que, no número exato dos "fraudadores", deixariam de ser aprovados no vestibular; iii) incidência de todos os elementos conceituais do crime de estelionato: obtenção de vantagem ilícita, que, diante do silêncio da legislação penal, pode ser de natureza patrimonial, ou pessoal; infligência de prejuízo alheio, que há de ser de índole patrimonial ou por qualquer forma redutível a pecúnia, pois o crime de estelionato insere-se no Título do Código Penal destinado à proteção do patrimônio; utilização de meio fraudulento; e induzimento ou manutenção de alguém em erro; iv) seja no delito de estelionato, ou no de falso, a denúncia parece robusta o suficiente para instaurar a ação penal; e, por fim, v) a tramitação de projeto de lei no Congresso Nacional para instituir um tipo criminal específico para a cola eletrônica não se traduz no reconhecimento da atipicidade da conduta do acusado. 7. Denúncia rejeitada, por maioria, por reconhecimento da atipicidade da conduta descrita nos autos como "cola eletrônica".
(Inq 1145, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2006, DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-01 PP-00026 RTJ VOL-00204-01 PP-00055)

HABEAS CORPUS. "COLA ELETRÔNICA". ATIPICIDADE. TRANCAMENTO PARCIAL DA AÇÃO PENAL CONTRA O PACIENTE. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Inquérito 1145 (no qual fiquei vencido), reconheceu que a conduta designada "cola eletrônica" é penalmente atípica. O que impõe o trancamento, no ponto, da ação penal contra o paciente. Prosseguimento da ação penal, quanto a acusações de outra natureza. Ordem parcialmente concedida.
(HC 88967, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 06/02/2007, DJ 13-04-2007 PP-00102 EMENT VOL-02271-02 PP-00339 RT v. 96, n. 863, 2007, p. 506-509)

 A impossibilidade de enquadramento do fato em estelionato restou bem evidenciada pela inclusão do art. 311-A no Código Penal pela Lei 12.550/11, como bem ressaltado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, por ocasião do julgamento do HC 245.029-CE, em 09 de outubro de 2012.

Observem o seguinte trecho:

Por fim, ressalte-se que a Lei n.º 12.550, de 15 de dezembro de 2011, acrescentou ao Título X (Dos crimes contra a fé pública) da parte especial do Código Penal, o Capítulo V, denominado 'Das fraudes em certames de Interesse público', com o seguinte teor:

Fraudes em certames de interesse público
Art. 311-A.  Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de: 
I - concurso público; 
II - avaliação ou exame públicos; 
III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou 
IV - exame ou processo seletivo previstos em lei: 
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 
§ 1o  Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput. 
§ 2o  Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública: 
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. 
§ 3o  Aumenta-se a pena de 1⁄3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público.

A inovação legislativa revela que à época dos fatos narrados na denúncia (6⁄11⁄2011) não havia norma penal na qual pudesse ser enquadrada a conduta daquele que utiliza ou divulga informação sigilosa para lograr aprovação em concurso público – até então somente tida por reprovável –, o que levou o legislador a inserir no Código Penal uma nova figura típica com o fim de, a partir de sua vigência, punir os responsáveis pela sua prática.

Assim, até o advento da Lei 12.550/11, a jurisprudência majoritária é no sentido da atipicidade da cola eletrônica. Após a vigência do art. 311-A, a cola eletrônica restou contemplada neste tipo.

Sugere-se a leitura do inteiro teor dos julgados acima mencionados.




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