Caros Amigos,
Sem qualquer intenção de abarcar toda a matéria, vou
fazer hoje breves observações sobre o art. 231 do Código Penal, que dispõe:
Tráfico
internacional de pessoa para fim de exploração sexual
Art.
231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém
que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou
a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito)
anos.
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que
agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento
dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.
§ 2o A pena é aumentada da metade
se:
I - a vítima é
menor de 18 (dezoito) anos;
II - a vítima, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato;
III - se o agente é
ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou
curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra
forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV - há emprego de
violência, grave ameaça ou fraude.
§ 3o Se o
crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Importante salientar, de plano, que o tipo em debate
não encerra todas as hipóteses de tráfico internacional de seres humanos, mas
apenas aquele com a finalidade de prostituição. Aqueles que promoverem a saída
da pessoa para venda de órgãos ou trabalho escravo acabarão incidindo em outros tipos
penais.
Da mesma forma, o tráfico interno (isto é, dentro do
território da Federação) de pessoas para fins de prostituição está tipificado no
art. 231-A do Código Penal.
Na sua redação original, o tipo falava em tráfico de
mulheres, o que foi corrigido a partir da vigência da Lei 11.106/05, sendo que
a atual redação do artigo é a fornecida pela Lei 12.015/09. Assim, desde a Lei
11.106/05, é possível que as vítimas sejam homens.
Como veremos, a maioria dos julgados trata da
promoção da saída de pessoas do território nacional. Contudo, o tipo engloba
também a entrada de homens e mulheres no território nacional para fins de
prostituição.
Nesse sentido:
TRÁFICO DE
MULHERES. - Caso em que brasileira, proprietária de um bar em Uruguaiana/RS,
fez vir de Puerto Iguazú/AR, mulheres para trabalhar no Brasil, havendo prova
indiciária eloqüente de que a ré promoveu a entrada, no Brasil, de mulher para
o exercício da prostituição. Comprovada apenas a prática do delito previsto no
caput e §3º, do art. 231, do CP. Apelo do M.P.F. parcialmente provido. (TRF4,
ACR 1999.71.03.001519-4, Oitava Turma, Relator Manoel Lauro Volkmer de
Castilho, DJ 27/08/2003)
Como é cediço, trata-se de crime doloso, que demanda
a vontade livre e consciente de promover a entrada ou saída de pessoa para fins
de prostituição (dolo genérico),
não exigindo dolo específico. Da mesma forma, o tipo em debate constitui-se em crime formal e de perigo, que se
consuma com a entrada ou saída da pessoa do território nacional, não sendo relevante para fins de
perfectibilização do tipo penal, a constatação acerca do fato se esta chegou ou
não a se prostituir:
PENAL. PROCESSUAL
PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS. ARTIGO 231 DO CÓDIGO PENAL. NULIDADE
DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. INOCORRÊNCIA. TIPICIDADE DA CONDUTA.
MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. (...)
2. O agente que, utilizando-se de meio
fraudulento, consistente na promessa de emprego lícito e rentável, promove a
saída de pessoas (mulheres) do território brasileiro, para que estas exerçam a
prostituição do exterior, sujeita-se às sanções do art. 231 do Código Penal.
Para a perfectibilização do crime, basta a entrada ou a saída de uma só mulher
do território nacional, não se exigindo o efetivo exercício da prostituição
(crime de perigo).
3. O dolo,
indispensável para configurar o tráfico internacional de pessoas, consiste na
vontade livre e consciente do agente de promover ou facilitar a entrada ou
saída da mulher para o exercício da prostituição (dolo genérico). Não se exige
o dolo específico.
(TRF4, ACR
2006.70.00.029496-6, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Afonso Brum Vaz,
D.E. 06/09/2012)
Igualmente, não
é relevante: a) o consentimento da vítima, b) nem
tampouco a ciência desta no sentido de que está indo se prostituir.
Para que incida o tipo penal, basta que o autor tenha ciência da finalidade de
sua conduta (viabilizar a prostituição).
PENAL. TRÁFICO DE
MULHERES. ART. 231 DO CP. PROVA DA AUTORIA. INSUFICIÊNCIA. IN DUBIO PRO REU.
ABSOLVIÇÃO. 1. É pacífico o entendimento no sentido de que o crime previsto no
artigo 231 do Código Penal é "crime formal", consumando-se com a
simples entrada ou saída da mulher no país com o objetivo de prostituição, não
sendo relevantes (i) o eventual consentimento da vítima, (ii) o fato de esta
ter ciência do fim para o qual está indo ou chegando, ou ainda, (iii) o efetivo
exercício da atividade do meretrício. (...)
(TRF4, ACR
2001.70.02.002926-9, Sétima Turma, Relator Tadaaqui Hirose, D.E. 05/08/2010)
Importante frisar que não é necessária a existência de violência ou fraude, as
quais, contudo, fazem com que o agente incida a causa de aumento de pena(§
2.º):
PENAL. PROCESSUAL
PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS. ARTIGO 231 DO CÓDIGO PENAL. NULIDADE
DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. INOCORRÊNCIA. TIPICIDADE DA CONDUTA.
MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. (...)
3. O artigo 231 do
Código Penal, com a redação vigente ao tempo dos fatos, já tipificava qualquer das
condutas de promover, intermediar ou facilitar a saída do território nacional
de mulher para exercer a prostituição no estrangeiro, sem exigir outros
requisitos para incidência do tipo penal. Aspectos
de engodo ou violência das condutas seriam tomados em conta apenas para fins de
qualificadoras ou majorantes.
(...)
(TRF4, ACR
0016051-74.2009.404.7000, Oitava Turma, Relator Gilson Luiz Inácio, D.E.
06/09/2012)
De ser salientado que o tipo de favorecimento à
prostituição é absorvido pelo tipo do art. 231 do Código Penal, pois é mero
exaurimento deste, de maior gravidade.
PENAL. TRÁFICO
INTERNACIONAL DE PESSOAS. ART. 231, § 2º, DO CP. AUTORIA. MATERIALIDADE.
COMPROVADAS. FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO. ART. 228 DO CP. PÓS-FATO IMPUNÍVEL.
PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. PENA-BASE. REDUÇÃO. CRIME CONTINUADO.
CONFIGURAÇÃO. CRITÉRIO TEMPORAL. RELATIVIZAÇÃO. HABITUALIDADE CRIMINOSA. MULTA.
CONDENAÇÃO AFASTADA.
(...)
3. A facilitação à
prostituição, no estrangeiro, da mulher cuja saída do país o próprio réu
promoveu é um mero exaurimento do delito de tráfico internacional de pessoas e,
por isso, constitui pós-fato impunível. O princípio da consunção é aplicável
nas hipóteses em que uma das condutas típicas for meio necessário ou fase
normal de preparação ou execução do delito de alcance mais amplo, sendo, pois,
incabível reconhecer a absorção de crime mais grave pelo mais leve. O crime do
art. 231 do CP é punido com pena reclusiva de 3 a 8 anos, ao passo que o
preceito secundário do art. 228 do CP prevê a sanção de 2 a 5 anos de reclusão,
não podendo, destarte, ser por este absorvido. (...)
(TRF4, ACR
2008.04.00.032304-3, Oitava Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, D.E.
26/11/2010)
O §1º trata das condutas equiparadas ao “caput”, isto é, de quem “agenciar, aliciar ou comprar a pessoa
traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la,
transferi-la ou alojá-la”. Por sua vez, o § 2.º traz causas de aumento de
pena, ao passo que o § 3.º prevê também a pena de multa caso exista intenção de
obtenção de vantagem econômica.
A competência
para julgamento do delito é da Justiça Federal, pois se trata de crime
que o Brasil se comprometeu internacionalmente a erradicar em protocolo
adicional à Convenção de Palermo, que no território nacional se inicia ou se consuma,
nos termos do art. 109, V, da Constituição Federal.
É possível, em tese, a existência de concurso
material entre o art. 231 e o art. 149 (redução a condição análoga à de
escravo), como se dessume do julgado abaixo, ainda que este trate de caso
análogo - delito de tráfico interno de pessoas com a finalidade de prostituição
(art. 231-A).
Veja-se o teor do julgado:
PENAL. RECURSO EM
SENTIDO ESTRITO. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. REDUÇÃO DA VÍTIMA A
UM ESTADO DE SUBMISSÃO FÍSICA E PSÍQUICA. TRÁFICO INTERNO DE PESSOAS. ARTS.
149, CAPUT E §1º, II, E 231-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. INDÍCIOS SUFICIENTES DE
MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL.
1. Hipótese em que
as vítimas - garotas de programa trazidas de diversas cidades do País para
exercerem a prostituição em boate de propriedade dos agentes - eram submetidas
a uma situação de vínculo obrigatório com o local de trabalho, induzidas que
eram a efetuar compras de caráter pessoal na loja de propriedade dos acusados,
sendo mantidas, assim, como eternas devedoras.
2. Presentes
indícios suficientes da submissão física e psíquica das vítimas à posse e ao
domínio dos réus, e vigendo, neste momento, o princípio in dubio pro societate,
mais coerente é que sejam apuradas as reais circunstâncias em que se deram os
fatos por meio da devida instrução processual, devendo a denúncia ser recebida
em face da potencial prática dos delitos previstos nos artigos 149 e 231-A,
ambos do Código Penal.
3. Manutenção da
competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito.
(TRF4, RSE
0002333-77.2009.404.7107, Sétima Turma, Relator Tadaaqui Hirose, D.E.
03/03/2011)
Fica a dica!!
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