Caros Amigos,
Dispõe o art. 212 do Código de Processo Penal que “as perguntas serão formuladas pelas partes
diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a
resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra
já respondida”. Segundo o parágrafo único, “sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a
inquirição”.
A redação acima, trazida pela Lei 11.680/08, teve como
objetivo ressaltar o princípio acusatório e a iniciativa apenas supletiva do
juiz na formação da prova no processo penal (art. 156 do CPP). Isto é, se antes
o juiz tinha o dever de proceder na oitiva da testemunha, inclusive
intermediando os questionamentos entre as partes e as testemunhas, hoje o
magistrado é apenas e tão-somente o destinatário da prova.
Todavia, pergunto: e se o magistrado, por engano, não
obedece esta ordem e passa a questionar diretamente a testemunha? Isto implica
no automático reconhecimento da nulidade do feito?
De acordo com a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, a
resposta é negativa, porquanto apenas existe nulidade caso ocorra prejuízo,
como nos ensina o princípio do pas de
nullités sans grief (art. 563 do CPP).
Nesse sentido:
Audiência de instrução e formulação de perguntas
A 2ª Turma denegou habeas corpus em que pretendida a
anulação de sentença de pronúncia com realização de nova audiência, ao
argumento de que o magistrado teria formulado perguntas antes de conceder a
palavra às partes. Na espécie, alegava-se que as indagações por parte do juiz
seriam de caráter complementar, realizadas ao final, em consonância com a nova
redação dada pela Lei 11.690/2008 (CPP: “Art. 212. As perguntas serão
formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas
que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem
na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não
esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”). Ponderou-se que,
conforme assentada jurisprudência do STF, para o reconhecimento de eventual
nulidade, necessário demonstrar-se o prejuízo por essa pretensa inversão no
rito inauguradopor alteração no CPP, o que não teria ocorrido. HC 115336/RS,
rel. Min. Cármen Lúcia, 21.5.2013. (HC-115336) (Informativo 707, 2ª Turma)
As duas Turmas do STF já haviam julgado neste sentido
anteriormente:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RÉU QUE NÃO DECLINOU OS
DADOS NECESSÁRIOS À INTIMAÇÃO DO DEFENSOR SUPOSTAMENTE CONSTITUÍDO. NOMEAÇÃO DE
DEFENSOR DATIVO. NULIDADE. AUSÊNCIA. OITIVA DOS CORRÉUS SEM A PRESENÇA DO
PACIENTE. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. INVERSÃO DA ORDEM DE INQUIRIÇÃO DAS
TESTEMUNHAS. ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ARGUIÇÃO DE NULIDADE.
PREJUÍZO. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
(...)
V - Não é de se acolher a alegação de nulidade decorrente da
inobservância da ordem de formulação de perguntas às testemunhas, estabelecida
pelo art. 212 do CPP, com redação conferida pela Lei 11.690/2008. Isso porque a
defesa não se desincumbiu do ônus de demonstrar o prejuízo que teria advindo
para o réu.
VI – Esta Corte vem assentando que a demonstração de
prejuízo, nos termos do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade,
seja ela relativa ou absoluta, pois “(...) o âmbito normativo do dogma
fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as
nulidades absolutas” (HC 85.155/SP, Rel. Min. Ellen Gracie). Precedentes.
(...)
(HC 112212, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 18/09/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2012 PUBLIC 03-10-2012)
(HC 112212, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 18/09/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2012 PUBLIC 03-10-2012)
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL.
TRÁFICO DE DROGAS. INVERSÃO NA ORDEM DE PERGUNTAS ÀS TESTEMUNHAS. PERGUNTAS
FEITAS PRIMEIRAMENTE PELA MAGISTRADA, QUE, SOMENTE DEPOIS, PERMITIU QUE AS
PARTES INQUIRISSEM AS TESTEMUNHAS. NULIDADE RELATIVA. NÃO ARGUIÇÃO NO MOMENTO
OPORTUNO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. 1. A magistrada que não
observa o procedimento legal referente à oitiva das testemunhas durante a
audiência de instrução e julgamento, fazendo suas perguntas em primeiro lugar
para, somente depois, permitir que as partes inquiram as testemunhas, incorre
em vício sujeito à sanção de nulidade relativa, que deve ser arguido
oportunamente, ou seja, na fase das alegações finais, o que não ocorreu. 2. O
princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a
demonstração de prejuízo concreto pela parte que suscita o vício. Precedentes.
Prejuízo não demonstrado pela defesa. 3. Ordem denegada.
(HC 103525, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira
Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-159 DIVULG 26-08-2010 PUBLIC 27-08-2010 EMENT
VOL-02412-03 PP-00625)
O
Superior Tribunal de Justiça também sustenta que a ofensa ao art. 212 do CPP
gera nulidade relativa, a qual depende de protesto no momento oportuno e da
comprovação de efetivo prejuízo para a defesa.
Neste
sentido:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ORDINÁRIO.DESCABIMENTO. RECENTE ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PORTE
ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. AUDIÊNCIA DE OITIVA DE TESTEMUNHAS. INVERSÃO DA ORDEM DAS PERGUNTAS.
NULIDADE RELATIVA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO.
(...)
3. O entendimento firmado neste Sodalício é no sentido de
que a nulidade decorrente da inversão da ordem prevista no artigo 212 do Código
de Processo Penal é relativa, necessitando, portanto, para a sua decretação,
além de protesto da parte prejudicada no momento oportuno, sob pena de
preclusão, da comprovação de efetivo prejuízo para a defesa, em observância ao
princípio pas de nullité sans grief, disposto no artigo 563 do Código de
Processo Penal.
(Precedentes.)
4. In casu, além de a suposta nulidade não ter sido aventada
na momento oportuno, impossível vislumbrar qualquer nulidade, não havendo falar
em violação ao princípio da ampla defesa, pois a mera inversão da ordem de
inquirição das testemunhas configura-a como relativa, não havendo, nos autos,
qualquer comprovação de prejuízo efetivo sofrido pelo paciente.
5. Habeas corpus não conhecido, por ser substitutivo do
recurso cabível.
(HC 210.606/RS, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/PR), QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe 22/03/2013)
(...) PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ARTIGO 14 DA LEI
10.826/2003). NULIDADE. RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.
SISTEMA ACUSATÓRIO. ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM A REDAÇÃO DADA
PELA LEI 11.690/2008. EIVA RELATIVA. DEFESA SILENTE DURANTE A REALIZAÇÃO DO
ATO. PRECLUSÃO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO CONCRETO À DEFESA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO.
1. A nova redação dada ao artigo 212 do Código de Processo
Penal, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas,
testemunhas e o interrogado sejam questionados diretamente pelas partes,
possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender
necessário quaisquer esclarecimentos.
2. É cediço que no terreno das nulidades no âmbito do
processo penal vige o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se
protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua
finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado
à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência
acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas
no caso concreto.
3. Na hipótese em apreço, o ato impugnado atingiu a sua
finalidade, ou seja, houve a produção das provas requeridas, sendo oportunizada
às partes, ainda que em momento posterior, a formulação de questões às
testemunhas ouvidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa
constitucionalmente garantidos, motivo pelo qual não houve qualquer prejuízo
efetivo ao paciente.
4. Eventual inobservância à ordem estabelecida no artigo 212
do Código de Processo Penal caracteriza vício relativo, devendo ser arguido no
momento processual oportuno, com a demonstração da ocorrência do dano sofrido
pela parte, sob pena de preclusão, porquanto vige no cenário das nulidades o
brocado pas de nullité sans grief positivado na letra do artigo 563 do Código
de Processo Penal.
5. Constatando-se que a defesa do paciente permaneceu
silente durante a audiência de instrução e julgamento, vindo a arguir a
irregularidade somente em alegações finais e ao interpor recurso de apelação, a
pretensão do impetrante encontra-se fulminada pelo instituto da preclusão.
6. Habeas corpus não conhecido.
(HC 251.662/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
julgado em 11/12/2012, DJe 01/02/2013)
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. AUDIÊNCIA DE
TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. (1) ART. 212 DO CPP. ORDEM DAS PERGUNTAS. MAGISTRADO
QUE PERGUNTA PRIMEIRO. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO.
ILEGALIDADE. NÃO RECONHECIMENTO (RESSALVA DE ENTENDIMENTO DA RELATORA). (2)
COLHEITA DE DEPOIMENTO. LEITURA DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PERANTE A AUTORIDADE
POLICIAL. RATIFICAÇÃO. NULIDADE.
RECONHECIMENTO.
1. O entendimento que prevaleceu nesta Corte é de que,
invertida a ordem de perguntas, na colheita de prova testemunhal (CPP, art.
212, redação conferida pela Lei n. 11.690/2008), tem-se caso de nulidade
relativa, a depender de demonstração de prejuízo - o que não se apontou.
Ressalva de entendimento da Relatora.
2. A produção da prova testemunhal é complexa, envolvendo
não só o fornecimento do relato, oral, mas, também, o filtro de credibilidade
das informações apresentadas. Assim, não se mostra lícita a mera leitura pelo
magistrado das declarações prestadas na fase inquisitória, para que a
testemunha, em seguida, ratifique-a.
3. Ordem concedida para
para anular a ação penal a partir da audiência de testemunhas de
acusação, a fim de que seja refeita a colheita da prova testemunhal, mediante a
regular realização das oitivas, com a efetiva tomada de depoimento, sem a mera
reiteração das declarações prestadas perante a autoridade policial.
(HC 183.696/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
SEXTA TURMA, julgado em 14/02/2012, DJe 27/02/2012)
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Recomenda-se
a leitura do inteiro teor dos julgados acima mencionados.
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