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Lei da Repatriação de Ativos


Caros Amigos,

O post de hoje versa sobre a Lei 13.254/16, que instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), mas está sendo informalmente chamada de Lei de Repatriação de Ativos (LRA).

Agradeço aos que me ajudaram a escolher o tema na pesquisa do Twitter (@blogdireprocpen).

O RERCT foi instituído para viabilizar a “declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita”, remetidos ou mantidos no exterior (art. 1º da LRA), mediante o pagamento de tributo (art. 6º da LRA) e multa (art. 8º da LRA). Em troca, determinados delitos terão sua punibilidade extinta (art. 5º, § 1.º, da LRA).

A norma tem como objetivo permitir a repatriação de bens de origem lícita, isto é “atividades permitidas ou não proibidas pela lei” (art. 2º, II, da LRA), pelo que valores oriundos de tráfico de entorpecentes ou seres humanos, por exemplo, não poderão ser repatriados e legalizados em território nacional.

Entretanto, os bens e os direitos oriundos  dos crimes previstos no art. 5º, § 1.º, da LRA, serão considerados lícitos nos termos do art. 2º, II, da LRA. Logo, bens frutos de sonegação fiscal (art. 2º, I, da Lei 8.137/90), por exemplo, poderão ser repatriados e o sujeito beneficiado com a extinção da punibilidade, a menos no caso de condenação criminal deste pelo mesmo delito (art. 1º, § 5.º, da LRA).

O Congresso Nacional, ao aprovar a norma, exigia que esta condenação fosse transitada em julgada. A Presidência da República, contudo, vetou tal dispositivo, como demonstra o quadro abaixo:

Lei 13.254/16 (promulgada)
Veto
Art. 1º (…)

§ 5o Esta Lei não se aplica aos sujeitos que tiverem sido condenados em ação penal:

I - (VETADO); e

II - cujo objeto seja um dos crimes listados no § 1o do art. 5o, ainda que se refira aos recursos, bens ou direitos a serem regularizados pelo RERCT.

Inciso I do § 5o do art. 1o
“I - com decisão transitada em julgado;”
Razão do veto
“O veto ao dispositivo impede que pessoas penalmente condenadas pelos crimes previstos no Projeto possam aderir ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária - RERCT.”


Penso que tal disposição será objeto de muita polêmica. Afinal, diante do disposto no art. 5º, LVII, da CF (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), a menção ao trânsito em julgado era inclusive desnecessária na LRA, pelo que, no meu entender, o veto não terá efeito qualquer, mormente diante do disposto no art. 5º, § 2.º, II, da própria LRA.

Da mesma forma, o art. 11 da LRA criou outra exceção à aplicação da referida Lei, ao dispor que “os efeitos desta Lei não serão aplicados aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação desta Lei”.

Atente-se para o fato de que não estão excluídos da aplicação desta norma qualquer detentor de cargo, emprego ou função públicas, mas apenas aqueles de função diretiva (cargo de direção, chefia) ou eletivas (escolhidos mediante sufrágio) na data de publicação desta Lei. A vedação se estende ao cônjuge e aos parentes consanguíneos e afins, até o segundo grau ou por adoção.

O artigo 3º dispõe que o Regime se aplica “a todos os recursos, bens ou direitos de origem lícita de residentes ou domiciliados no País até 31 de dezembro de 2014”, elencando as espécies de ativos que podem se enquadrar neste critério. Ao falar em ativos “como” aqueles mencionados nos incisos, deixou claro que o Legislador que se tratava de um rol exemplificativo.

A Presidência da República, contudo, vetou dois incisos, para excluir, entre outros itens, ativos como obras de arte ou antiguidades de valor histórico ou arqueológico, como demonstra o quadro abaixo:

Lei 13.254/16 (promulgada)
Veto
Art. 3o O RERCT aplica-se a todos os recursos, bens ou direitos de origem lícita de residentes ou domiciliados no País até 31 de dezembro de 2014, incluindo movimentações anteriormente existentes, remetidos ou mantidos no exterior, bem como aos que tenham sido transferidos para o País, em qualquer caso, e que não tenham sido declarados ou tenham sido declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, como:
I - depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão;
II - operação de empréstimo com pessoa física ou jurídica;
III - recursos, bens ou direitos de qualquer natureza, decorrentes de operações de câmbio ilegítimas ou não autorizadas;
IV - recursos, bens ou direitos de qualquer natureza, integralizados em empresas estrangeiras sob a forma de ações, integralização de capital, contribuição de capital ou qualquer outra forma de participação societária ou direito de participação no capital de pessoas jurídicas com ou sem personalidade jurídica;
V - ativos intangíveis disponíveis no exterior de qualquer natureza, como marcas, copyright, software, know-how, patentes e todo e qualquer direito submetido ao regime de royalties;
VI - bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis;
VII - veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária;
VIII - (VETADO); e
IX - (VETADO).

Incisos VIII do art. 3o e V do § 8o do art. 4o
“VIII - valores, bens ou direitos de qualquer natureza, situados no exterior, de espólio cuja sucessão esteja aberta;”
(…)
Razões dos vetos
“Os dispositivos conflitariam com outras previsões do próprio Projeto, resultando em dúvidas e consequente insegurança jurídica quanto ao marco temporal para regularização de valores, bens ou direitos de qualquer natureza do espólio. A regularização relativa ao espólio, todavia, permanece assegurada no Projeto.”
Incisos IX do art. 3o e VI do art. 4o
“IX - joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor histórico ou arqueológico, animais de estimação ou esportivos e material genético de reprodução animal, sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.”
(…)
Razões dos vetos
“Os dispositivos incluiriam a possibilidade de regularização de bens originariamente excluídos de forma expressa do escopo do projeto de lei do Executivo. A exclusão justifica-se em decorrência da dificuldade de precificação dos bens e de verificação da veracidade dos respectivos títulos de propriedade, o que poderia ensejar a utilização indevida do Regime.”




Penso, pois, que a exclusão dos incisos acima pode gerar polêmica, sobretudo porque o artigo 3º traz, como antes dito, rol exemplificativo. Em verdade, a única forma segura de impedir a repatriação de obras de arte com base nesta Lei seria a vedação explícita desta possibilidade, como ocorreu no projeto do Executivo, o qual acabou não sendo acolhido pelo Congresso, nos termos das próprias razões de veto.

Importante mencionar que a regularização dos ativos “mantidos em nome de interposta pessoa estenderá a ela a extinção de punibilidade prevista no § 1o do art. 5o, nas condições previstas no referido artigo” (art. 4º, § 5.º, da LRA). Não faria sentido, afinal, deixar de punir o proprietário dos bens, mas sancionar o “laranja”.

De ser salientado que a regularização pressupõe uma espécie de confissão (art. 4º da LRA), a qual, contudo, não ofende o direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, CF), porque a parte pode abdicar voluntaria e conscientemente deste direito, como ocorre, por exemplo, na colaboração premiada (art. 4º da Lei 12.850/13).

Entretanto, da mesma forma como uma condenação criminal não pode basear-se exclusivamente em uma confissão (art. 197 do CPP), a declaração de regularização não poderá ser utilizada “como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal” (art. 4º, § 12.º, I, da LRA).

Para que ocorra a extinção da punibilidade, não basta a declaração de regularização, mas também o pagamento do imposto devido (art. 6º da LRA) e da multa (art. 8º da LRA) “antes de decisão criminal” (art. 5º, § 1.º, da LRA). Por decisão criminal, mais uma vez, entende-se o cumprimento antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, como esclarece o § 2.º, II, do referido art. 5º da LRA.

Como antes dito, apenas será extinta a punibilidade de determinados crimes. Mas quais são estes? A resposta está no art. 5º, § 1.º, da LRA, como explica o quadro abaixo:

Crimes
Comentário
I - no art. 1º e nos incisos I, II e V do art. 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990;
A Lei excluiu os incisos III e IV da referida norma, pelo que os delitos lá previstos não são abrangidos pela extinção de punibilidade.
II - na Lei no 4.729, de 14 de julho de 1965;
Lei que versava sobre a sonegação fiscal, tacitamente revogada, neste ponto, pela Lei 8.137/90. Permanecia em vigor no tocante às alterações ao art. 334, § 1.º, do CP, como restou decidido pelo STF por ocasião do HC 85.942, Min. Fux, Primeira Turma, julgado em 24/05/2011. Revogada tacitamente, também neste ponto, pela Lei 13.008/14.

III - no art. 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
Sonegação de contribuição previdenciária.
IV - nos seguintes arts. do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando exaurida sua potencialidade lesiva com a prática dos crimes previstos nos incisos I a III:
a) 297;
b) 298;
c) 299;
d) 304;
A extinção da punibilidade, nos referidos delitos de falso, ocorre apenas quando estes são absorvidos pelos crimes previstos nos três incisos acima. Reconhecimento legislativo do princípio da consunção ou absorção.
V - (VETADO);

VI - no caput e no parágrafo único do art. 22 da Lei no 7.492, de 16 de junho de 1986;
Evasão de divisas, apenas no tocante aos valores com origem lícita ou provenientes dos crimes previstos nos incisos I, II, III e VII, como expressamente reconhecido no art. 5º, § 5.º, da Lei.
VII - no art. 1o da Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, quando o objeto do crime for bem, direito ou valor proveniente, direta ou indiretamente, dos crimes previstos nos incisos I a VI;
Extingue-se também a punibilidade por lavagem de dinheiro, apenas “quando o objeto do crime for bem, direito ou valor proveniente, direta ou indiretamente, dos crimes previstos nos incisos I a VI”. Reconhecimento legislativo no sentido de que, atualmente, o crime de lavagem de dinheiro pode ter como antecedente a sonegação fiscal, o que não ocorria anteriormente à Lei 12.683/12.
VIII - (VETADO).


Por fim, reza o § 1o do art 7º que a publicidade ou divulgação das informações pertinentes ao Regime “implicarão efeito equivalente à quebra do sigilo fiscal, sujeitando o responsável às penas previstas na Lei Complementar no 105, de 10 de janeiro de 2001, e no art. 325 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e, no caso de funcionário público, à pena de demissão”.

São estas, ao menos, as minhas ponderações preliminares sobre a referida Lei.

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