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Art. 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (CP) e (In)Constitucionalidade


Caros Amigos,

Recentemente, a Corte Especial do STJ considerou inconstitucional o preceito secundário do art. 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (CP), nos seguintes termos (HC 239.363):

STJ considera inconstitucional pena para venda de medicamento de procedência ignorada

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a inconstitucionalidade do preceito secundário (que estabelece a sanção) do artigo 273, parágrafo 1º-B, inciso V, do Código Penal (CP). O tipo trata da venda de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada. A decisão vale para o caso analisado, mas deverá ser aplicada pelo tribunal no julgamento de outros processos que tratem do mesmo dispositivo legal.

A questão foi levada ao órgão máximo do STJ pelo ministro Sebastião Reis Júnior. Na Sexta Turma, ele é o relator de um habeas corpus que contestava a constitucionalidade da norma. No caso, um homem foi condenado a 11 anos de reclusão por ter em depósito para venda pequena quantidade de substâncias anabolizantes – nove frascos e 25 comprimidos.

A pena prevista para o crime é de dez a 15 anos de reclusão. Seguindo o voto do relator, a Corte Especial considerou que a sanção fere os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Trata-se de um crime de perigo abstrato, disse o ministro, sendo evidente a falta de harmonia entre o delito e a pena.

Sebastião Reis Júnior citou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, para quem o estado não pode legislar de forma imoderada e irresponsável, sob o risco de gerar situações de absoluta distorção.

“Se comparado com o crime de tráfico de drogas – notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública –, percebe-se total falta de razoabilidade”, avaliou o ministro do STJ. Ele classificou de “gritante” a desproporcionalidade se comparada a pena em questão com as penas previstas para crimes gravíssimos como homicídio doloso, lesão corporal de natureza grave, estupro, estupro de vulnerável e extorsão mediante sequestro.

Açodada

O ministro disse que a Lei 9.695/98, que colocou o artigo 273 do CP no rol dos crimes hediondos, foi aprovada de forma açodada pelo Legislativo e acabou por considerar meras infrações administrativas como crimes graves, com pena privativa de liberdade altíssima.

Anteriormente, a Lei 9.677/98, chamada de Lei dos Remédios, já havia aumentado substancialmente as penas para os delitos dos artigos 272 e 273 do CP, além de criminalizar condutas que não representariam mais do que infração administrativa. O ministro frisou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aplica sanção de advertência para quem importa medicamento não registrado no órgão.

Ele observou ainda que já foi apresentada pela comissão especial de juristas que tratou da reforma do CP nova redação para o tipo penal “inobservância de condições e normas técnicas”. O texto aprovado prevê pena de dois a seis anos de prisão para quem mantém em depósito insumo farmacêutico de procedência ignorada.

Ajuste principiológico

A pena imposta ao réu do caso julgado deverá ser redimensionada pela Sexta Turma, considerando a sanção prevista para o delito de tráfico de drogas (artigo 33 da Lei 11.343/06). A Corte Especial entendeu que é possível fazer a analogia por semelhança de condutas para beneficiar o acusado.

Para os ministros, a escolha do preceito secundário da Lei de Drogas é razoável, pois se trata igualmente de crime hediondo, de perigo abstrato e cujo bem jurídico tutelado é a saúde pública.

Sebastião Reis Júnior citou precedente (REsp 915.442) em que a Sexta Turma, ao julgar caso semelhante, decidiu promover o “ajuste principiológico” da norma, ante a desproporcionalidade da pena. Na ocasião, os ministros aplicaram o preceito secundário do delito de tráfico de drogas ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais já declararam a inconstitucionalidade do dispositivo em debate, mas, nessas cortes, o próprio tipo penal foi considerado inconstitucional, o que não ocorreu no STJ, cuja Corte Especial se ateve a fulminar o preceito secundário, ou seja, a sanção.

O inteiro teor ainda não foi disponibilizado, mas, diante da relevância da decisão, penso que algumas ponderações já podem ser aqui apresentadas.

Não se desconhece a polêmica em torno do citado dispositivo, mas duas questões devem ser levantadas.

Primeiramente, a primeira inovação da citada decisão reside no fato da possibilidade do julgador aplicar sanção secundária diversa da prevista no tipo. Há quem entenda que não poderia  o  “juiz, em razão do princípio da proporcionalidade, aplicar ao réu condenado a determinado tipo penal sanção diversa daquela legalmente prevista (preceito secundário da norma)” (REsp 1050890/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 02/02/2012). Afinal, agindo assim, estaria o julgador legislando de forma positiva. Logo, ou se considera o tipo inconstitucional, ou ele deve ser aplicado na sua inteireza.

A segunda questão diz respeito à constitucionalidade do dispositivo, que vem sendo reconhecida STF, como demonstram os julgados abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 273, § 1°-B, DO CÓDIGO PENAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, XLVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OPÇÃO POLÍTICO-LEGISLATIVA PARA APENAR DETERMINADOS DELITOS COM MAIOR SEVERIDADE. INCOMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO PARA INTERFERIR NAS ESCOLHAS FEITAS PELO PODER LEGISLATIVO. 1. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso extraordinário. 2. O Poder Judiciário não detém competência para interferir nas opções feitas pelo Poder Legislativo a respeito da apenação mais severa daqueles que praticam determinados crimes, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes. 3. In casu, o acórdão extraordinariamente recorrido assentou: "PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 273, § 1º e § 1º-B, INCISOS V e VI DO CÓDIGO PENAL. TRANSNACIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. RECONHECIDO CONCURSO FORMAL." 4. Agravo regimental DESPROVIDO.
(RE 829226 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 10/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 05-03-2015 PUBLIC 06-03-2015)

Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Penal. Alegação de inconstitucionalidade do art. 273, § 1º-B do Código Penal. Constitucionalidade da imputação. Lesão ao bem jurídico saúde pública. Precedentes. 3. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 844152 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-249 DIVULG 17-12-2014 PUBLIC 18-12-2014)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 273 DO CÓDIGO PENAL. DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(RE 662090 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 22/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 05-05-2014 PUBLIC 06-05-2014)

De acordo com os referidos julgados, seriam duas as razões para se concluir pela constitucionalidade do dispositivo. Primeiramente, a ofensa à Constituição Federal seria reflexa. Segundo, não caberia ao Supremo adentrar em opções típicas do legislador.

Por tudo isto, tenho que a matéria deve ser acompanhada atentamente por todos aqueles que se interessam pela matéria.

Sugere-se a leitura do inteiro teor de todos os julgados citados, inclusive a do primeiro julgado citado, assim que disponibilizado.

Fiquem conosco e recomendem o Blog a quem interessar possa.


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