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Tópicos Polêmicos para 2015: Descaminho e Insignificância


Caros Amigos,

O Blog começará o ano com uma série de posts temas polêmicos que se espera devam ser objeto de decisão ou pacificação ao longo de 2015. São dissensos que o operador do Direito ou mesmo o candidato a concurso público deve acompanhar. A ordem dos tópicos será aleatória, sem qualquer juízo de maior ou menor relevância.

O primeiro tópico é critério para aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho.

No Superior Tribunal de Justiça, a Terceira Seção recentemente reiterou o entendimento de que o parâmetro seria o valor de R$ 10.000,00, apesar da Portaria MF 75/2012 ter permitido a  dispensa da propositura de execuções fiscais de valor inferior a R$ 20.000,00.

Neste sentido:

RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DO TRIBUTO ILUDIDO. PARÂMETRO DE R$ 10.000,00. ELEVAÇÃO DO TETO, POR MEIO DE PORTARIA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA, PARA  R$ 20.000,00. INSTRUMENTO NORMATIVO INDEVIDO. FRAGMENTARIEDADE E SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE. LEI PENAL MAIS BENIGNA. NÃO INCIDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. Soa imponderável, contrária à razão e avessa ao senso comum tese jurídica que, apoiada em mera opção de política administrativo-fiscal, movida por interesses estatais conectados à conveniência, à economicidade e à eficiência administrativas, acaba por subordinar o exercício da jurisdição penal à iniciativa da autoridade fazendária. Sobrelevam, assim, as conveniências administrativo-fiscais do Procurador da Fazenda Nacional, que, ao promover o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00, impõe, mercê da elástica interpretação dada pela jurisprudência dos tribunais superiores, o que a Polícia deve investigar, o que o Ministério Público deve acusar e, o que é mais grave, o que - e como - o Judiciário deve julgar.
2. Semelhante esforço interpretativo, a par de materializar, entre os jurisdicionados, tratamento penal desigual e desproporcional, se considerada a jurisprudência usualmente aplicável aos autores de crimes contra o patrimônio, consubstancia, na prática, sistemática impunidade de autores de crimes graves, decorrentes de burla ao pagamento de tributos devidos em virtude de importação clandestina de mercadorias, amiúde associada a outras ilicitudes graves (como corrupção, ativa e passiva, e prevaricação) e que importam em considerável prejuízo ao erário e, indiretamente, à coletividade.
3. Sem embargo, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.112.748/TO, rendeu-se ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal no sentido de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00, de acordo com o disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Ressalva pessoal do relator.
4. A partir da Lei n. 10.522/2002, o Ministro da Fazenda não tem mais autorização para, por meio de simples portaria, alterar o valor definido como teto para o arquivamento de execução fiscal sem baixa na distribuição. E a Portaria MF n. 75/2012, que fixa, para aquele fim, o novo valor de R$ 20.000,00 - o qual acentua ainda mais a absurdidade da incidência do princípio da insignificância penal, mormente se considerados os critérios usualmente invocados pela jurisprudência do STF para regular hipóteses de crimes contra o patrimônio - não retroage para alcançar delitos de descaminho praticados em data anterior à vigência da referida portaria, porquanto não é esta equiparada a lei penal, em sentido estrito, que pudesse, sob tal natureza, reclamar a retroatividade benéfica, conforme disposto no art. 2º, parágrafo único, do CPP.
5. Recurso especial provido, para, configurada a contrariedade do acórdão impugnado aos arts. 3º e 334 do Código Penal e art. 20 da Lei n. 10.522/2002, cassar o acórdão e a sentença absolutória prolatados na origem e, por conseguinte, determinar o prosseguimento da ação penal movida contra o recorrido.
(REsp 1401424/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 02/12/2014)

No mesmo sentido: REsp 1393317/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 02/12/2014.

Os fundamentos estão bem elencados na ementa, que destaca a independência das instâncias cível, administrativa e criminal e a impossibilidade de decisão administrativa vincular o Judiciário, sobretudo quando os critérios para a aplicação do princípio da insignificância para crimes contra o patrimônio sejam dissonantes do parâmetro da Portaria MF 75/2012.

Para a Terceira Seção, por sinal, a referida Portaria é ilegal, não havendo autorização na Lei 10.522/2002 para sua edição. Ainda que assim não o fosse, o referido regulamento não veda a propositura de execução fiscal, caso a recuperação do crédito seja viável. Da mesma forma, o estudo do IPEA que culminou na edição da referida norma não concluiu pela irrelevância dos valores, tanto que sugeriu a adoção de outros métodos de cobrança extrajudicial.

O referido entendimento, contudo, não é pacífico no STJ. A decisão foi tomada por 5 votos favoráveis ao entendimento do Relator, com 4 votos contrários.

A divergência deve-se ao fato de que o Supremo Tribunal Federal, por meio de suas Turmas, tem adotado posicionamento diverso. Afinal, se não há interesse de cobrança por parte da Fazenda, não seria possível o fato ter consequências na seara penal.

Neste sentido:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, na avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais em montante pouco superior a R$ 12.852,50 (doze mil, oitocentos e cinquenta e dois reais e cinquenta centavos), enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito dada a aplicação do princípio da insignificância. 4. Habeas corpus concedido para reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, com o restabelecimento do juízo de absolvição exarado na instância ordinária.
(HC 123479, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 09/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-196 DIVULG 07-10-2014 PUBLIC 08-10-2014)

Habeas corpus. Crime de descaminho (CP, art. 334). Impetração dirigida contra decisão monocrática do Relator da causa no Superior Tribunal de Justiça. Decisão não submetida ao crivo do colegiado. Ausência de interposição de agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Extinção do writ. Pretensão à aplicação do princípio da insignificância. Incidência. Valor inferior ao estipulado pelo art. 20 da Lei nº 10.522/02, atualizado pelas Portarias nº 75 e nº 130/2012 do Ministério da Fazenda. Preenchimento dos requisitos necessários. Ordem concedida de ofício. 1. A jurisprudência contemporânea do Supremo Tribunal não vem admitindo a impetração de habeas corpus que se volte contra decisão monocrática do relator da causa no Superior Tribunal de Justiça que não tenha sido submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente (HC nº 118.189/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 24/4/14). 2. Extinção da impetração. 3. No crime de descaminho, o Supremo Tribunal Federal tem considerado, para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20.000,00, previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, atualizado pelas Portarias nº 75 e nº 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 4. Na espécie, como a soma dos tributos não recolhidos perfaz a quantia de R$ 10.865,65, é de se afastar a tipicidade material do delito de descaminho, com base no princípio da insignificância, em relação ao paciente, que preenche os requisitos subjetivos necessários ao reconhecimento da atipicidade de sua conduta. 5. Ordem concedida de ofício.
(HC 119849, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 19/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 06-10-2014 PUBLIC 07-10-2014)

PENAL. HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I – No caso sob exame, verifica-se que a decisão impugnada foi proferida monocraticamente. Desse modo, o pleito não pode ser conhecido, sob pena de indevida supressão de instância e de extravasamento dos limites de competência do STF descritos no art. 102 da Constituição Federal, o qual pressupõe seja a coação praticada por Tribunal Superior. II – A situação, neste caso, é absolutamente excepcional, apta a superar tal óbice, com consequente concessão da ordem de ofício, diante de um evidente constrangimento ilegal sofrido pelo paciente. III – Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75/2012 e 130/2012 do Ministério da Fazenda, que, por se tratarem de normas mais benéficas ao réu, devem ser imediatamente aplicadas, consoante o disposto no art. 5º, XL, da Carta Magna. IV – Habeas corpus não conhecido. V – Ordem concedida para restabelecer a sentença de primeiro grau, que reconheceu a incidência do princípio da insignificância e absolveu sumariamente os ora pacientes, com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal.
(HC 123032, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG 25-08-2014 PUBLIC 26-08-2014)

O referido entendimento, contudo, não é unânime. No caso do primeiro e do último julgado citados houve divergência dos Ministros Marco Aurélio e Carmem Lúcia, respectivamente. Trata-se de matéria que, em princípio, ainda enseja polêmica.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos acórdãos e o acompanhamento da questão.


Fiquem conosco!!

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