Caros Amigos,
O tema polêmico
de hoje é a teoria ou sistema da dupla imputação nos crimes ambientais. A
pergunta que se deve responder é se pode a pessoa jurídica responder
individualmente na seara penal, independentemente da pessoa natural.
O STJ vinha se
manifestando em sentido negativo, pelos fundamentos delimitados nas ementas
abaixo:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO
AMBIENTE. ART. 38, DA LEI N.º 9.605/98. DENÚNCIA OFERECIDA SOMENTE CONTRA
PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. PEDIDOS ALTERNATIVOS
PREJUDICADOS.
1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o
cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados tanto a
pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação).
Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser
desassociada da pessoa física - quem pratica a conduta com elemento subjetivo
próprio.
2. Oferecida denúncia somente contra a pessoa jurídica, falta
pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente.
3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e
trancar, consequentemente, o processo-crime instaurado contra a Empresa
Recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordial, válida. Pedidos
alternativos prejudicados.
(RMS 37.293/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
02/05/2013, DJe 09/05/2013)
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
CRIME AMBIENTAL. ART. 54, § 2º, V, DA LEI 9.605/98. DUPLA IMPUTAÇÃO.
IMPRESCINDIBILIDADE. DENÚNCIA INEPTA. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. Nos crimes ambientais, é necessária a dupla imputação, pois não
se admite a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa
física, que age com elemento subjetivo próprio.
2. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se dá provimento.
(RMS 27.593/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA
TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 02/10/2012)
A Primeira
Turma do STF, no autos do RE 548.181, entendeu de forma diversa, pois o art.
225, § 3º, da Constituição Federal não imporia qualquer óbice à propositura de
ação penal apenas em detrimento de pessoa jurídica.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL.
RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À
IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA
AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a
responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea
persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A
norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação.
2. As organizações corporativas complexas da atualidade se
caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e
responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para
imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta.
3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma
concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma
constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de
ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos
crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos
responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem
jurídico ambiental.
4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa
determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no
caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou
deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e
ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da
entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar
determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar
a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e
cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as
responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal
modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual.
5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte
conhecida, provido.
(RE 548181, Relator(a): Min.
ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213
DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
O inteiro teor
citou outro precedente da mesma Primeira Turma (RE 628582 AgR / RS).
Há que se
salientar, contudo, que o HC 548.181 representa o entendimento de apenas um dos
colegiados. E mais: a decisão foi fruto de apertada maioria (3x2).
A Quinta Turma
do STJ, obiter dictum, manifestou ciência da decisão da Primeira Turma do STF
nos autos do HC 248.073/MT:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO-CABIMENTO. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DOS ARTS. 54, CAPUT, E 60, AMBOS DA LEI N.º
9.605/98. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. DENÚNCIA GERAL.
POSSIBILIDADE. INÉPCIA NÃO CONFIGURADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA ENQUADRADA COMO
CRIME DE POLUIÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA ELEITA INADEQUADA.
EXCLUSÃO DA PESSOA JURÍDICA DO POLO PASSIVO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE.
AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE QUE PERMITA A CONCESSÃO DE ORDEM EX OFFICIO.
ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA.
1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e ambas as Turmas
desta Corte Superior, após evolução jurisprudencial, passaram a não mais
admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário, nas
hipóteses em que esse último é cabível, em razão da competência do Pretório
Excelso e deste Tribunal Superior tratar-se de matéria de direito estrito,
prevista taxativamente na Constituição da República.
2. Entretanto, a impetração de writ substitutivo de recurso
ordinário não impede a concessão de ordem de habeas corpus de ofício, em
situações de flagrante ilegalidade.
3. A teor do entendimento desta Corte, é possível o oferecimento de
denúncia geral quando uma mesma conduta é imputada a todos os acusados e,
apesar da aparente unidade de desígnios, não há como pormenorizar a atuação de
cada um dos agentes na prática delitiva.
No caso, a denúncia não é inepta, mas apenas possui caráter geral, e
tampouco prescinde de um lastro mínimo probatório capaz de justificar o
processo criminal. Precedentes.
4. Nos crimes de autoria coletiva, é prescindível a descrição
minuciosa e individualizada da ação de cada acusado, bastando a narrativa das
condutas delituosas e da suposta autoria, com elementos suficientes para
garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório, como verificado na
hipótese.
5. "[O]s denunciados causaram poluição em nível possível de
resultar danos à saúde humana, bem como fizeram funcionar estabelecimento
potencialmente poluidor contrariando as normas legais e regulamentares
pertinentes." Tais fatos, em tese, amoldam-se aos tipos penais descritos
nos arts. 54 e 60, ambos da Lei n.º 9.605/98, a evidenciar que a denúncia
atende o disposto no art. 41 do Código do Processo Penal, sendo inviável o
prematuro encerramento da persecução penal.
6. A alegação de que o crime de poluição não se configurou, ante a
falta de comprovação de perigo concreto à saúde humana, esbarra na necessidade
de dilação probatória, incompatível com a via estreita do habeas corpus.
7. A pessoa jurídica também
denunciada deve permanecer no polo passivo da ação penal. Alerte-se, em obiter
dictum, que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu que a
necessidade de dupla imputação nos crimes ambientes viola o disposto no art.
225, 3.º, da Constituição Federal (RE 548.818 AgR/PR, 1.ª Turma, Rel.
Min. ROSA WEBER, Informativo n.º 714/STF).
8. Ausência de patente constrangimento ilegal que, eventualmente,
imponha a concessão de ordem ex officio.
9. Ordem de habeas corpus não conhecida.
(HC 248.073/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
01/04/2014, DJe 10/04/2014)
Neste caso,
contudo, havia sido atendido o requisito da dupla imputação, e não houve
proseguimento de ação penal apenas no tocante à pessoa jurídica.
A matéria,
portanto, merece ser acompanhada de perto.
É
imprescindível a leitura do inteiro teor dos julgados citados.
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