Caros
Amigos,
Hoje o
comentário é sobre a Súmula 512 do Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte
teor:
SÚMULA n. 512
A aplicação da causa de
diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta
a hediondez do crime de tráfico de drogas.
Dispõe o
art. 33 da Lei de Tóxicos que:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar,
produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo
ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos)
dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete,
produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em
depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar,
matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a
colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação
de drogas;
III - utiliza local ou bem de
qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou
vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o
tráfico ilícito de drogas.
§ 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso
indevido de droga: (Vide ADI nº
4.274)
Pena - detenção, de 1 (um) a 3
(três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
§ 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo
de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena - detenção, de 6 (seis)
meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos)
dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o
deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada
a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja
primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem
integre organização criminosa. (Vide
Resolução nº 5, de 2012)
Da leitura
do dispositivo, surgiu a seguinte dúvida: no caso de incidência da minorante
prevista no § 4.º, ainda incidiriam sobre o caso em concreto o inciso XLIII do
art. 5º da CF e o art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos?
Art. 5º (...)
XLIII - a lei considerará crimes
inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os
que, podendo evitá-los, se omitirem;
Art. 2º Os crimes hediondos, a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o
terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança.
(Redação dada
pela Lei nº 11.464, de 2007)
§ 1o A pena por crime
previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime
fechado. (Redação dada
pela Lei nº 11.464, de 2007)
§ 2o A progressão de
regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após
o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de
3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada
pela Lei nº 11.464, de 2007)
§ 3o Em caso de sentença
condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em
liberdade. (Redação dada
pela Lei nº 11.464, de 2007)
§ 4o A prisão temporária,
sobre a qual dispõe a Lei no 7.960,
de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o
prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e
comprovada necessidade. (Incluído
pela Lei nº 11.464, de 2007)
A indagação
funda-se no fato da menor gravosidade não justificar, em tese, a incidência das disposições
da Lei dos Crimes Hediondos. Por outro lado, o § 4.º não criou tipo
distinto, mas apenas uma causa de diminuição de pena. Logo, dentro da
literalidade do art. 2º, não haveria como excluir a aplicabilidade da Lei dos
Crimes Hediondos.
Ao fim, prevaleceu
o fato da causa de diminuição de pena não configurar tipo penal distinto. Segundo
decidido pela Quinta Turma do STJ no AgRg nos EDcl no REsp nº 1.297.936 – MS:
Cumpre ressaltar que o tráfico de
entorpecentes é, nos termos do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal,
equiparado a crime hediondo, assim definidos na Lei nº 8.072⁄1990,
sujeitando-se ao tratamento dispensado a tais delitos.
Inicialmente, cabe esclarecer que
as circunstâncias que criam privilégios a determinado crime, da mesma forma que
as qualificadoras, só constituem verdadeiros tipos penais quando contiverem
preceitos primário e secundário, com novos limites mínimo e máximo para a pena
em abstrato.
Por sua vez, as causas de aumento
ou diminuição estabelecem somente uma variação, a partir de quantidades fixas
(metade, dobro, triplo) ou frações de aumento ou redução - 1⁄6 (um sexto) a 2⁄3
(dois terços), por exemplo. Assim, a incidência da causa de diminuição de pena,
prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343⁄2006, interfere na quantidade de
pena e não na qualificação ou natureza do delito, não sendo apta a afastar a
equiparação do tráfico de drogas a crime hediondo.
Nesse sentido:
EXECUÇÃO PENAL. TRÁFICO DE
DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº
11.343⁄2006. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME E LIVRAMENTO CONDICIONAL.
PRAZOS DA LEI N.º 11.464⁄2007 QUE DEVEM SER RESPEITADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO. I. A aplicação da causa de diminuição de
pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343⁄2006 não desnatura a natureza
hedionda do crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. II. A
causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343⁄2006
não constitui tipo penal distinto do caput do mesmo artigo, não havendo,
portanto, que se falar em concessão de progressão de regime ou de livramento
condicional com o cumprimento dos prazos estabelecidos para os crimes comuns.
III. (...). (AgRg no HC 206.070⁄MS, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJe
24⁄5⁄2012)
Registre-se que o suposto
antagonismo que se tem entre a hediondez do delito de tráfico e o suposto
privilégio trazido no art. 33, § 4º, da Lei 11.343⁄2006, se dá em virtude da
indevida rotulação da causa redutora do art. 33, § 4º, da Lei 11.343⁄2006 como
tráfico privilegiado.
Com efeito, o privilégio se
refere, em regra, a fatores nobres, motivação social ou moral para a prática de
um delito, como se dá no homicídio privilegiado. Entretanto, não se verifica no
caso do tráfico de drogas nada que o torne um crime praticado por fatores
nobres, portanto, parece-me duplamente indevida a nomenclatura "tráfico
privilegiado", quer por não se ter novo preceito secundário, quer por não
se tratar de conduta praticada com relevante motivação.
O benefício, em verdade, se dá
por fator meramente de política criminal, visando apenar de forma mais branda
aquele que é primário, sem antecedentes, não se dedica à atividades criminosas
nem integra organização criminosa. No entanto, mencionados elementos não tornam
o crime privilegiado, pois o crime de tráfico é o mesmo, a conduta é a mesma.
Apenas foram reunidos fatores que, em regra, quando não estão presentes, tornam
a reprimenda maior ou tipificam até mesmo outro delito, dando uma chance de se
redimir àqueles que ainda não estão totalmente inseridos no meio do crime.
Note-se que a primariedade, nos
demais delitos, não enseja nenhuma redução, apenas evita a majoração da pena
pela agravante da reincidência. Da mesma forma, a ausência de antecedentes
impede a majoração da pena-base, e o fato de não integrar organização criminosa
evita a punição pelo delito de quadrilha ou de associação para o tráfico.
Portanto, a existência dos mencionados elementos não torna nenhuma conduta
privilegiada, mas apenas evita o maior apenamento do indivíduo. In casu, foram
agregados visando beneficiar a pessoa que ainda não está totalmente integrada
ao crime, para estimulá-la a não mais traficar.
Portanto, reitero que não há se
falar em tráfico privilegiado, muito menos em ausência de hediondez, a qual,
como é cediço, se refere ao delito praticado – tráfico - e não à pessoa. Assim,
ainda que estejam presentes os elementos que ensejam a redução da pena, o crime
praticado continua sendo aquele descrito no caput do art. 33 da Lei 11.343⁄2006,
tráfico ilícito de entorpecentes, que é equiparado a crime hediondo, nos termos
do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal e do art. 2º da Lei 8.072⁄1990.
Observe-se, ademais, que o
argumento relativo à reduzida pena aplicada - o segundo o agravante também
denota a inexistência de hediondez na conduta - se desfaz diante da constatação
que o crime de tortura, também equiparado a crime hediondo, tem pena mínima
igual a 2 (dois) anos, conforme se verifica no preceito secundário do art. 1º
da Lei 9.455⁄1997. Dessarte, deve ser mantido o caráter hediondo do delito de
tráfico, independentemente da pena aplicada.
Vale ressaltar, ademais, que a
Terceira Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do Recurso Especial
Representativo da Controvérsia nº 1.329.088⁄RS, da Relatoria do Ministro
Sebastião Reis Júnior, pacificou o entendimento no sentido de que a incidência
da causa de diminuição de pena, prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343⁄06,
não acarreta a perda da natureza hedionda do crime de tráfico de drogas.
A Primeira
Turma do STF não diverge deste posicionamento:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI
11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA A HEDIONDEZ DA INFRAÇÃO PENAL. 1. A
minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 não tem o condão de
descaracterizar a hediondez do delito de tráfico de drogas, porquanto não cria
uma figura delitiva autônoma, mas, tão somente, faz incidir, na terceira fase
de fixação da pena, uma causa especial de diminuição da reprimenda, de 1/6 (um
sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, de bons
antecedentes, não se dedique a atividades criminosas, nem integre organização
voltada a esse fim. Precedente. 2. Recurso ordinário em habeas corpus a que se
nega provimento.
(RHC 114842, Relator(a):
Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 18/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-045 DIVULG 06-03-2014 PUBLIC 07-03-2014)
A inclusão
deste tipo penal entre os crimes hediondos é bastante significativa.
Afinal:
1)
Os crimes hediondos são insuscetíveis de anistia, graça e indulto (art. 2º, I,
da Lei 8.072/90), bem como de fiança (art. 2º, II, da Lei 8.072/90).
2)
A progressão da pena ocorre “após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena,
se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente” (art. 2º, §
2.º, da Lei 8.072/90).
3)
Tratando-se de crime hediondo, o prazo de prisão temporária passa a ser de 30
dias, renováveis pelo mesmo prazo “em caso de extrema e comprovada necessidade”
(art. 2º, § 4.º, da Lei 8.072/90).
4)
Nos termos do art. 83, V, do Código Penal, o livramento condicional neste tipo
de delito ocorre com o cumprimento de “mais de dois terços da pena”, desde que o
apenado não seja reincidente específico.
Apesar da
Lei 8.072/90 mencionar que a pena será cumprida em regime inicialmente fechado,
tal dispositivo teve sua inconstitucionalidade declarada incidentemente pelo
STF nos autos do HC n. 111.840/ES, em 27.06.2012. A Quinta (AgRg no REsp
1311422 / SC, em 03/04/2014) e a Sexta (AgRg no REsp 1402997/ RJ, em
19/11/2013) Turmas do STJ vêm adotando o citado entendimento.
Não existe óbice à substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois o art. 33, §
4º, Lei n. 11.343/2006) foi declarado, no ponto, inconstitucional pelo STF (HC
97.256/RS), e já teve sua execução suspensa pelo Senado Federal (Resolução n. 5
de 16/2/2012).
Recomenda-se
a leitura do inteiro teor dos julgados.
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