Caros
Amigos,
Recentemente,
o STJ editou três novos entendimentos sumulados. Na volta do nosso breve
recesso, dedicado à pesquisa acadêmica, vamos analisá-los, um a um.
SÚMULA n. 511
É possível o
reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de
crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o
pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.
SÚMULA n. 512
A aplicação
da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006
não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.
SÚMULA n. 513
A abolitio
criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse
de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal
de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até
23/10/2005.
A
primeira a ser analisada será a Súmula 511, que dispõe ser “possível o
reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de
crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o
pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva”.
Dispõe
o art. 155 do Código Penal que:
Furto
Art. 155 -
Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena -
reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - A pena
aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
§ 2º - Se o
criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços,
ou aplicar somente a pena de multa.
§ 3º -
Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor
econômico.
Furto
qualificado
§ 4º - A pena
é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com
destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com
abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com
emprego de chave falsa;
IV - mediante
concurso de duas ou mais pessoas.
§ 5º - A pena
é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que
venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
Da
leitura do dispositivo, surgiu a seguinte dúvida: o § 2.º se aplica ao tipo
qualificado do § 4.º?
A
indagação funda-se no fato de que a maior gravosidade do tipo qualificado seria
incompatível com a causa de diminuição do § 2.º. E mais: a localização do §
2.º, em momento anterior ao § 4.º, daria a impressão que ele se dirigiria
apenas ao tipo penal previsto no caput. Neste sentido, por exemplo, o
posicionamento do Min. Marco Aurélio, que ficou vencido no RHC 115225, que
abaixo será elencado.
Entretanto,
a resposta não é tão fácil, porquanto a literalidade do § 2.º não deixa
transparecer a limitação. Logo, deveria prevalecer a interpretação mais
favorável ao acusado, como mencionado pelo voto do Ministro Luiz Fux no RHC
115225, abaixo elencado, acompanhado pelos Ministros Dias Toffoli e Rosa Weber.
Neste
sentido:
Penal.
Recurso ordinário em habeas corpus. Furto qualificado pelo abuso de confiança –
art. 155, § 4º, II, do CP. Aplicação da figura privilegiada do § 2º do art. 155
– primariedade e pequeno valor da coisa. Compatibilidade. Precedentes. 1. O
furto qualificado privilegiado encerra figura harmônica com o sistema penal no
qual vige a interpretação mais favorável das normas penais incriminadoras, por
isso que há compatibilidade entre os §§ 2º e 4º do art. 155 do Código Penal
quando o réu for primário e a res furtivae de pequeno valor, reconhecendo-se o
furto privilegiado independentemente da existência de circunstâncias
qualificadoras. Precedentes: HC 96.843, Relatora a Ministra Ellen Gracie, 2ª
Turma, DJe de 24/04/2009; HC 97.034, Relator Min. Ayres Britto, 1ª Turma, DJe
de 07/05/2010; HC 99.222, Relatora Ministra Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe de
089/06/2011; e HC 101.256, Relator Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe de
14/09/2011). 2. In casu, os requisitos legais reclamados pelo § 2º do art. 155
do Código Penal para o reconhecimento do furto privilegiado restaram
reconhecidos: primariedade e pequeno valor da coisa subtraída (aproximadamente
100 reais), não devendo prevalecer, no ponto, por contrariar a jurisprudência
desta Corte, os acórdãos da apelação e o ora impugnado, porquanto afastaram a
aplicação da figura privilegiada sob o singelo fundamento de sua
incompatibilidade com a qualificadora do § 4º, II, do art. 155 do Código penal.
3. Recurso ordinário provido para restabelecer a sentença condenatória no ponto
em que, reconhecendo a figura privilegiada no crime de furto qualificado,
substituiu a pena de dois anos de reclusão por detenção pelo mesmo tempo.
(RHC 115225,
Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 12/03/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-069 DIVULG 15-04-2013 PUBLIC 16-04-2013)
Diante
do posicionamento do STF, sintetizado na decisão acima, acabou o STJ pacificado
o entendimento no sentido da possibilidade de aplicação da causa de diminuição
de pena no furto qualificado.
A
Súmula 511, contudo, não demanda apenas a primariedade do agente e o pequeno
valor da coisa, mas a necessidade da qualificadora ser de ordem objetiva.
No
tocante à primariedade do agente, não há maior polêmica. Primário é aquele que não
é reincidente. O conceito está presente no Código Penal (art. 63).
O
conceito de pequeno valor, por sua vez, não está expresso na norma. Contudo, há
entendimento de ambas as Turmas do STJ no sentido de que “o valor do salário
mínimo ser adotado, em princípio, como referência. Todavia, esse critério não é
de absoluto rigor aritmético, cabendo ao juiz da causa sopesar as
circunstâncias próprias ao caso”.
Nesse
sentido:
AGRAVO
REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. 1. FURTO 2. RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO. BENS
SUBTRAÍDOS DE PEQUENO VALOR. NÃO CARACTERIZAÇÃO. 3.
RECURSO
IMPROVIDO.
1. Para a
caracterização do furto privilegiado um dos requisitos necessários é o pequeno
valor do bem subtraído, podendo o valor do salário mínimo ser adotado, em
princípio, como referência. Todavia, esse critério não é de absoluto rigor
aritmético, cabendo ao juiz da causa sopesar as circunstâncias próprias ao
caso.
2. Agravo
regimental a que se nega provimento.
(AgRg
no HC 246.338/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA,
julgado em 05/02/2013, DJe 15/02/2013)
AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. POSSIBILIDADE.
PRIMARIEDADE E PEQUENO VALOR DA RES FURTIVA. CRITÉRIO DE AFERIÇÃO.
1. É possível
o reconhecimento da figura do furto qualificado-privilegiado, desde que haja
compatibilidade entre as qualificadoras e o privilégio.
2. O valor do
salário mínimo pode ser adotado, em princípio, como referência ao que se
entende como coisa de pequeno valor, não sendo, portanto, critério de absoluto
rigor aritmético, cabendo ao juiz da causa sopesar as circunstâncias próprias
ao caso.
3. Agravo
regimental improvido.
(AgRg no REsp
1227073/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em
02/02/2012, DJe 21/03/2012)
O
conceito do que seja “qualificadora de caráter objetivo”, por fim, é o
que tem potencial de gerar maior polêmica. Afinal, o § 2.º não trouxe este
requisito, tratando-se de construção jurisprudencial que ainda se encontra em
fase de elaboração. A leitura do § 4.º também não torna evidente quais
qualificadoras são objetivas, e quais são subjetivas.
O
STJ, contudo, oferece julgados aptos a sinalizar seu entendimento. Por exemplo,
cito o seguinte acórdão da Quinta Turma, que considerou o abuso de confiança
uma circunstância subjetiva.
AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA E
CONCURSO DE PESSOAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APELO NOBRE QUE NÃO IMPUGNA
TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. SÚMULA 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
INCIDÊNCIA DO PRIVILÉGIO PREVISTO NO ART. 155, § 2.º, DO CÓDIGO PENAL.
IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo
com o art. 557, caput, do Código de Processo Civil, c.c. o art. 3.º do Código
de Processo Penal, é possível ao Relator apreciar o mérito do recurso, com
fundamento na jurisprudência dominante, de forma monocrática, não ofendendo,
assim, o princípio da colegialidade.
2. Em relação
à não aplicação do princípio da insignificância, não restaram infirmados, nas
razões do apelo nobre, todos os fundamentos utilizados pelos acórdão recorrido,
atraindo a incidência da Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal.
3. Embora
seja possível a aplicação do privilégio previsto no § 2.º do art. 155 do Código
Penal ao furto qualificado, melhor sorte não assiste ao Recorrente, pois, a
despeito de ser primário e do suposto reduzido valor da coisa furtada, o abuso
de confiança é qualificadora de caráter subjetivo, o que, nos termos da
jurisprudência desta Corte, inviabiliza a modalidade privilegiada.
4. Agravo
regimental desprovido.
(AgRg no REsp
1392678/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe
03/02/2014)
A
mesma Quinta Turma entendeu que o concurso de agentes é uma qualificadora de
caráter objetivo. Neste sentido:
HABEAS
CORPUS. PENAL. CRIME DO ART. 155, § 4.º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL.
INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RELEVÂNCIA DA CONDUTA NA
ESFERA PENAL. RECONHECIMENTO DA FIGURA PRIVILEGIADA. POSSIBILIDADE, EM
TESE. MODIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. RESP N.º 1193194/MG,
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA, REL. MIN. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. HABEAS
CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO.
1. A conduta
perpetrada pelo Paciente não pode ser considerada irrelevante para o direito
penal. O delito em tela - furto qualificado de equipamento automotivo (aparelho
de som) avaliado em R$ 300,00 - não se insere na concepção doutrinária e
jurisprudencial de crime de bagatela.
2. A Corte a
quo não aplicou a regra do § 2.º do art. 155 do Código Penal, porque o crime de
furto foi cometido na modalidade qualificada pelo concurso de agentes.
3. A Terceira
Turma desta Corte Superior (v.g., REsp 1193194/MG, representativo de
controvérsia, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA) pacificou o entendimento de
que é cabível a aplicação do privilégio (§ 2.º do art. 155 do Código Penal) ao
furto qualificado quando as qualificadoras são de índole objetiva, como no caso
dos autos.
4. Ordem de
habeas corpus parcialmente concedida para, mantida a condenação, reconhecer a
compatibilidade entre o furto qualificado por critério objetivo e os benefícios
decorrentes da modalidade privilegiada desse crime, determinando ao Juízo das
Execuções Penais que análise a possibilidade de incidência da regra do § 2.º do
art.
155 do Código
Penal, no caso concreto, considerando-se o valor da res furtiva.
(HC
195.168/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe
11/10/2013)
Por
fim, a Segunda Turma do STF decidiu recentemente que o furto através do uso de
chave falsa, acompanhado de corrupção ativa, igualmente impossibilita a
aplicação da causa de diminuição da pena.
Habeas
corpus. 2. Furto qualificado pelo emprego de chave falsa e corrupção ativa.
Condenação. 3. Bens de pequeno valor (R$ 75,00). Aplicação do princípio da
insignificância e do privilégio previsto no art. 155, § 2º, do CP.
Impossibilidade. Maior reprovabilidade da conduta. 4. Ordem denegada.
(HC 117040,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 03/12/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-249 DIVULG 16-12-2013 PUBLIC 17-12-2013)
Recomenda-se
a leitura do inteiro teor dos julgados.
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