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Revisão Crimes Ambientais II


Caros Amigos,

Hoje, continuaremos a tratar da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Como dito no último post, o art. 21 da Lei 9.605/98 estabeleceu penas próprias para as pessoas jurídicas, as quais podem ser penalizadas através de: a) multa (art. 18), b) penas restritivas de direito (art. 22) e c) prestação de serviços à comunidade (art. 23).

Apesar destas penas terem sido estabelecidas em 1998, o ordenamento ainda vem evoluindo timidamente na matéria, talvez pela “perplexidade” com a qual o ordenamento ainda vislumbra a novidade.

O termo “perplexidade”, por sinal, foi utilizado pelo Ministro Ricardo Lewandovski ao julgar o HC 92.921-8, no ano de 2008. Na oportunidade, o Ministro bem pontuou a novidade que era, para um ordenamento fundado na culpabilidade (primeira circunstância judicial prevista no art. 59 do CP), a responsabilização penal de um ente fictício.

Em virtude disto, talvez, é que o ordenamento recém esteja começando a reconhecer a autonomia da responsabilização da pessoa jurídica. Até recentemente, preponderava a teoria da dupla imputação, para a qual não se poderia imputar crime à pessoa jurídica se o administrador, pessoa natural, não estivesse no polo passivo da ação.

Pelo fato de o art. 225, § 3.º, em nenhum momento fazer tal condicionamento, é que a Primeira Turma do STF, por maioria, entendeu por superar tal teoria (RE 548181, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013), como anteriormente informado aqui no Blog.

A Quinta Turma também sinalizou com o afastamento da teoria da dupla imputação em recentes julgados, igualmente noticiados neste Blog.

A novidade fica por conta da Sexta Turma do STJ, que também julgou recentemente neste mesmo sentido, indicando que o posicionamento está se tornando majoritário do Superior Tribunal de Justiça.

Eis o teor do julgado:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM RELAÇÃO À PESSOA FÍSICA E À PESSOA JURÍDICA. PREJUDICIALIDADE DO PEDIDO EM RELAÇÃO À PESSOA FÍSICA. PACIENTE BENEFICIADO COM PROVIMENTO DE OUTRO RECURSO EM HABEAS CORPUS (RHC 43.354/PA). ANÁLISE DA QUESTÃO EM RELAÇÃO À PESSOA JURÍDICA. DEBATE DO TEMA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AUSÊNCIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ENTENDIMENTO, ADEMAIS, DE QUE A VIA DO HABEAS CORPUS É INADEQUADA PARA A ANÁLISE DA PRETENSÃO. AUSÊNCIA DE OFENSA À LIBERDADE AMBULATORIAL. SUPERAÇÃO DO ENTENDIMENTO NO SENTIDO DA IMPRESCINDIBILIDADE DA DUPLA IMPUTAÇÃO. ENTENDIMENTO DO STF E DO STJ. INVIABILIDADE DE VERIFICAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME EM BENEFÍCIO DO ENTE MORAL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA.
1. Esta Corte pacificou o entendimento de que o trancamento de ação penal pela via eleita é medida excepcional, cabível apenas quando demonstrada, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a manifesta ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria.
2. Evidenciado que o paciente (pessoa física) foi beneficiado com o provimento do RHC n. 43.354/PA, no qual se reconheceu a inépcia da denúncia em relação a ele, trancando-se, por consequência, a ação penal que lhe imputara a prática de crime contra a administração ambiental, o pleito de trancamento da ação penal se encontra prejudicado no tocante a ele.
3. Verificado que o Tribunal de origem não se manifestou sobre a inépcia da denúncia em relação à pessoa jurídica, o conhecimento originário do tema por este Superior Tribunal configuraria indevida supressão de instância.
4. Por não configurar ofensa à liberdade de locomoção, deve ser mantido o entendimento do Tribunal de origem, de que a via do habeas corpus é inadequada para pleitear o trancamento da ação penal em relação à pessoa jurídica.
5. Este Superior Tribunal, na linha do entendimento externado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a entender que, nos crimes societários, não é indispensável a aplicação da teoria da dupla imputação ou imputação simultânea, podendo subsistir a ação penal proposta contra a pessoa jurídica, mesmo se afastando a pessoa física do polo passivo da ação. Assim, sendo viável a separação dos entes, o habeas corpus se restringiria, em princípio, apenas à pessoa física.
6. Para chegar à conclusão de que o delito ambiental não foi praticado no interesse ou em benefício do ente moral (art. 3º da Lei n. 9.605/1998), seria necessário analisar fatos e provas, o que é inadmissível na via eleita.
7. Recurso não conhecido.
(RHC 48.172/PA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 10/11/2015)

Ao que tudo indica, portanto, a responsabilidade penal da pessoa jurídica começa a ter sua autonomia no ordenamento. É o começo de uma nova era no direito brasileiro, sobretudo no direito penal ambiental.

Recomenda-se a leitura dos dispositivos, posts e julgados mencionados nesta data.


Fiquem conosco e compartilhem!!

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