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Alterações Legislativas - Abril e Maio de 2017 (I)


Caros Amigos,

Hoje, o Blog trata brevemente de algumas relevantes alterações legislativas.

A Lei 13.431, de 4 de abril de 2017, dispõe acerca do “sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência” (art. 1º).

Do texto da lei, cumpre destacar os institutos da escuta especializada e do depoimento especial, cujas diferenças ficam bem claras do confronto entre os referidos dispositivos.

Escuta especializada
Depoimento especial
Art. 7o  Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.
Art. 8o  Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária. 

Ocorre perante os “órgãos da rede de proteção”.
Ocorre perante a autoridade policial ou judiciária.
Limitação ao estritamente “necessário para cumprimento de sua finalidade”.
Cognição mais ampla, limitada apenas pela necessidade do inquérito ou ação penal.

O objetivo da lei é proteger a criança ou adolescente durante a reconstituição de fatos criminosos, de sorte a minimizar o traumas inerentes à espécie.

O diploma acautela crianças ou adolescentes, sejam elas vítimas ou testemunhas, independentemente do delito debatido.

Não é por acaso que a “criança ou o adolescente será resguardado de qualquer contato, ainda que visual, com o suposto autor ou acusado, ou com outra pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento” (art. 9º). 

Da mesma forma, os atos “serão realizados em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência” (art. 10).

Para evitar a perda da informação em virtude do decurso do tempo, e ao mesmo tempo resguardar a vítima ou testemunha, o depoimento especial “sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado” (art. 11, grifo nosso).

De acordo com o § 1.º do art. 11, há hipóteses em que o depoimento especial  ocorrerá obrigatoriamente seguindo o rito cautelar da antecipação de prova.

São elas:

§ 1o  O depoimento especial seguirá o rito cautelar de antecipação de prova: 
I - quando a criança ou o adolescente tiver menos de 7 (sete) anos; 
II - em caso de violência sexual. 

Apesar do pequeno equívoco presente no inciso I, já que poderia constar apenas criança menor de 7 anos (art. 2º do ECA), os casos em que a produção antecipada de prova será obrigatória ficaram bem claros no texto legal.

O § 2o do art 11 determina que nãoserá admitida a tomada de novo depoimento especial, salvo quando justificada a sua imprescindibilidade pela autoridade competente e houver a concordância da vítima ou da testemunha, ou de seu representante legal”. Saliente-se que as condições trazidas são cumulativas, pois constou o termo “e”, e não “ou”.

O art. 12, por sua vez, estabeleceu um procedimento especial para tomada do depoimento, com a intervenção de profissionais especializados (psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, etc) na realização do ato.

O objetivo, reitere-se, é o de minimizar o impacto de reconstrução dos fatos na criança ou adolescente, facultando-se, todavia, que a parte interessada opte por falar diretamente ao juízo.

A compreensão do rito pode ser obtida pela leitura do art. 12, transcrito abaixo:

Art. 12.  O depoimento especial será colhido conforme o seguinte procedimento: 
I - os profissionais especializados esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe os seus direitos e os procedimentos a serem adotados e planejando sua participação, sendo vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais; 
II - é assegurada à criança ou ao adolescente a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos; 
III - no curso do processo judicial, o depoimento especial será transmitido em tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo; 
IV - findo o procedimento previsto no inciso II deste artigo, o juiz, após consultar o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos, avaliará a pertinência de perguntas complementares, organizadas em bloco; 
V - o profissional especializado poderá adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do adolescente; 
VI - o depoimento especial será gravado em áudio e vídeo. 
§ 1o  À vítima ou testemunha de violência é garantido o direito de prestar depoimento diretamente ao juiz, se assim o entender. 
§ 2o  O juiz tomará todas as medidas apropriadas para a preservação da intimidade e da privacidade da vítima ou testemunha. 
§ 3o  O profissional especializado comunicará ao juiz se verificar que a presença, na sala de audiência, do autor da violência pode prejudicar o depoimento especial ou colocar o depoente em situação de risco, caso em que, fazendo constar em termo, será autorizado o afastamento do imputado. 
§ 4o  Nas hipóteses em que houver risco à vida ou à integridade física da vítima ou testemunha, o juiz tomará as medidas de proteção cabíveis, inclusive a restrição do disposto nos incisos III e VI deste artigo. 
§ 5o  As condições de preservação e de segurança da mídia relativa ao depoimento da criança ou do adolescente serão objeto de regulamentação, de forma a garantir o direito à intimidade e à privacidade da vítima ou testemunha. 
§ 6o  O depoimento especial tramitará em segredo de justiça. 

Por fim, o art. 24 da Lei criminalizou o ato de violar o sigilo do depoimento de criança e adolescente. Trata-se de tipo doloso, que demanda, para sua consumação, que pessoa estranha ao processo, tenha acesso ao ato sem autorização judicial e o consentimento do depoente ou do representante legal.

Art. 24.  Violar sigilo processual, permitindo que depoimento de criança ou adolescente seja assistido por pessoa estranha ao processo, sem autorização judicial e sem o consentimento do depoente ou de seu representante legal. 
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 

A lei entra em vigor um ano após sua aplicação. Os dispositivos processuais se aplicarão imediatamente aos feitos em andamento (art. 2º, CPP). O tipo penal, contudo, terá aplicação prospectiva (art. 5º, XL, CF).

A Lei 13.434, de 12 de abril de 2017, acrescentou o parágrafo único no art. 292 do CPP, o qual passou a ter a seguinte redação:

Art. 292.  Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
Parágrafo único.  É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato. 

O dispositivo tem como objetivo concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, evitando o constrangimento do uso de algemas em momentos tão delicados.

Entretanto, cumpre salientar que o descumprimento de tal parágrafo não gera repercussão na investigação ou no processo penal em que se deu a prisão, devendo eventual descumprimento da norma ser discutido na seara cível ou criminal, dependendo do caso em concreto.

Em breve, voltaremos para comentar as Leis 13.440 e 13.441, publicadas no dia de hoje.

Fiquem conosco!

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